O que se sabe sobre o ataque ao Centro Ismaili?
A tragédia abalou o que se esperava ser uma manhã tranquila no Centro Ismaili, em Lisboa, quando um homem entrou nas instalações e matou duas pessoas à facada e deixou outra ferida com gravidade.
"Foi tudo muito rápido, não sabemos o que aconteceu, mas há pessoas mortas, ele tinha uma faca enorme. A polícia está aqui no centro em investigações", disse uma funcionária do Centro Ismaili ao SAPO24, pouco depois do ataque.
Como tudo aconteceu?
Segundo a PSP, o caso foi comunicado às 10h57 e os primeiros polícias chegaram um minuto depois.
À chegada os "polícias deparam-se com um homem armado com uma faca de grandes dimensões", tendo sido dadas "ordens ao atacante para que cessasse o ataque, ao que o mesmo desobedeceu, avançando na direção dos polícias, com a faca na mão (...) face à ameaça grave e em execução, os polícias efetuaram recurso efetivo a arma de fogo contra pessoa, atingindo e neutralizando o agressor".
Quem eram as vítimas?
Segundo adianta a imprensa nacional, tratam-se de duas mulheres, uma de 24 anos e outra de 49 anos, uma aluna e outra professora do Centro Ismaili. O ataque ocorreu durante uma aula de português, sendo que o outro ferido a registar, um professor de português, também foi esfaqueado e foi conduzido de urgência para o Hospital de Santa Maria.
E o agressor?
É um refugiado afegão "na casa dos 40 anos", revelou na altura, ao SAPO24, Omed Taeri, membro da Comunidade Afegã em Portugal, confirmando que o agressor já tinha entrado em contacto com este grupo. O agressor vive em Portugal desde final de 2021, nomeadamente em Odivelas, e é pai de três filhos. É viúvo, já que perdeu a sua companheira num campo de refugiados na Grécia. Entretanto, soube-se mais tarde que o suspeito tem 28 anos.
"A sua mulher morreu, na Grécia, é das poucas coisas que sabemos, chegou provavelmente há um ano ou pouco mais. Ele tinha alguns problemas psicológicos e emocionais por causa dessa situação. A sua vida não foi fácil e ficou com esse tipo de problemas", diz Omed.
Tendo sido baleado pelos agentes da PSP quando se preparava para atacá-los, foi encaminhado em situação de urgência médica para o Hospital de São José, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica.
Já se sabe o que o levou a cometer este ataque?
Não. Num comunicado enviado ao SAPO24, o presidente do Conselho Nacional da Comunidade Muçulmana Ismaili, Rahim Firozali, disse desconhecer as motivações do homem que entrou nas instalações do centro armado com um objeto cortante.
Um irmão de uma das testemunhas do ataque desta manhã disse ao Observador que o homem atacou repentinamente o professor de português e que depois ameaçou suicidar-se recorrendo à mesma faca. Porém, mudou de ideias e, ao sair da sala de aula, atacou as duas vítimas mortais.
O caso está a ser investigado pela Polícia Judiciária, mas, para já, está a ser encarado como um caso isolado e não um crime com motivações religiosas ou de ódio.
O atacante estava sinalizado?
Não, de acordo com o ministro da Administração Interna, nada fazia prever que este ataque viesse a ocorrer.
Tratava-se de "um cidadão com o estatuto beneficiário internacional", com "uma vida bastante tranquila" que recebia o apoio da comunidade ismaelita "no que respeita ao conhecimento das línguas, no cuidado alimentar e no cuidado com as crianças menores". Era, assim, "um cidadão com fácil relação" com a comunidade e sem qualquer "sinalização que justificasse cuidados com a segurança", disse José Luís Carneiro.
Por isso mesmo, repetindo a ideia acima mencionada, "tudo leva a crer tratar-se de um ato isolado", afirmou o ministro.
António Costa, de resto, instado a reagir em direto momentos depois da notícia começar a ser dada, sublinhou a mesma ideia.“Tudo indica que foi um ato isolado", disse o primeiro-ministro, embora tenha também salientando que será necessário esperar pela investigação: "Vamos esperar, não nos vamos antecipar ao trabalho das autoridades". A ideia foi depois repetida por Marcelo Rebelo de Sousa.
O que diz este ataque sobre a relação dos refugiados com Portugal?
Por ser considerado um ato isolado, nada. Mas há sempre riscos de que o que aconteceu seja generalizado. Carmo Beldford, coordenadora do Gabinete de Advocacy do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), esclarece que aquela instituição não conhece as motivações do atacante e acrescenta que ainda não têm "informações suficientes para estarem em condições de interpretar esse "infeliz acontecimento". Contudo, ressalva ao SAPO24 que "este ato de violência não representa a nossa experiência de acolhimento".
Por outro lado, as instituições de apoio a refugiados em Portugal temem agora que a comunidade afegã tenha uma maior dificuldade em ser recebida pela comunidade local. E, por isso, apelam à informação e lutam contra as generalizações.
"Estamos conscientes de que esta notícia irá afetar a perceção que as pessoas têm dos refugiados, especialmente de pessoas que normalmente não têm contacto com esta realidade", evidencia.
Portugal tem de falar sobre a possibilidade de um ataque terrorista?
Para Paula Pereira, professora e investigadora da Universidade Autónoma, o que hoje aconteceu "não se enquadra num ato de terrorismo, como nos poderia vir logo ao pensamento por aquilo que acontece noutros países".
Quando questionada pelo SAPO24 sobre a possibilidade de mimetismo do incidente ou de uma maior radicalização no país depois deste episódio, prefere contextualizar e separar as realidades. "Depende de como queremos falar de radicalização. Se pegarmos no caso francês há uma certa radicalização de comunidades ligadas ao terrorismo, mas há uma radicalização da sociedade em geral por questões económicas, sociais, e outras variadíssimas questões."
"Em Portugal isso nunca aconteceu, as comunidades mais jovens não parecem estar tão radicalizadas". Contudo, é preciso que haja uma estratégia, já que a radicalização é "um processo que pode ter diversas origens".
"Eu julgo que em Portugal estamos longe de viver outras situações que acontecem na Europa. Apesar de tudo, o discurso de alguns grupos pode incentivar a alguma radicalização em Portugal: devemos estar atentos no futuro", aponta.
Como combater a radicalização?
Através da informação. Quem o diz é a professora e investigadora Maria João Tomás (ISCTE), que afirma que "a informação mitiga a maioria dos males, muitos deles fruto de ignorância".
Assim, é essencial que os migrantes, quando chegam a Portugal, saibam que ajudas podem ter. "Dar às pessoas a informação do que podem fazer, que recursos têm. As pessoas precisam de saber que há instituições, como as Misericórdias por exemplo, que as podem ajudar. Não podemos permitir que fiquem desesperadas", adianta ao SAPO24.
E, no país, para a investigadora o que parece faltar é mesmo a divulgação. "Nós temos capacidade de resposta em Portugal, temos meios e mecanismos de resposta que as pessoas não sabem que existem." Refere a linha de apoio ao migrante como exemplo de um bom serviço que acaba por ser desconhecido.
"É preciso dizer aos pais e mães que chegam sozinhos que há algumas associações que acolhem, que ajudam, que dão ferramentas para ajudar a encontrar um emprego. Mas as pessoas não sabem", garante.
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