Foi criado há pouco mais de uma semana no Twitter e no Discord — uma aplicação de chat multiplataforma dedicada a gamers repleta de entusiastas de NFT e criptomoedas —, mas tem um objetivo muito claro: "pôr a Constituição nas mãos d’Povo". Este é o principal repto de um grupo de amigos que pretende comprar a última cópia disponível da Constituição norte-americana que ainda não está nas mãos de uma entidade privada e que vai a leilão esta quinta-feira na Sotheby’s, em Nova Iorque.
O grupo, que dá pelo nome de "ConstitutionDAO", reuniu esforços para a angariação de fundos de forma a adquirirem o documento na rede Ethereum — plataforma open source global para aplicações descentralizadas — e o dinheiro foi recolhido (alegam que mais de 40 milhões de dólares) através de uma plataforma chamada Juicebox. De acordo com o Wall Street Journal (WSJ), quem quis contribuir para a causa teve a oportunidade de se conhecer no Discord, bem como ouvir leituras da Constituição ao sabor de batidas lo-fi em sessões livestreaming.
Escrita em 1787, ratificada em 1788, e em vigor desde 1789, a Constituição dos Estados Unidos é atualmente o documento governamental mais longo do mundo. Acredita-se que de uma tiragem de 500 exemplares originalmente impressos para a sua apresentação na Convenção Constitucional em Filadélfia, Pensilvânia, 13 cópias originais ainda resistam ao sabor do tempo. A que vai agora a leilão é a última que não se encontra na posse de colecionadores ou entidades privadas.
Segundo a BBC, ainda não é claro o que vai acontecer caso a licitação do grupo seja bem-sucedida. Mas, segundo o ConstitutionDAO, a intenção passa por colocar o documento numa exposição aberta ao público.
Organização descentralizada
O que significam as letrinhas "DAO", que dão nome ao grupo que está por detrás desta operação de crowdfunding? DAO é o acrónimo de Organização Autónoma Descentralizada. Neste caso concreto, a ideia do projeto é permitir que individualidades se juntem para fazer compras e posteriormente partilhem o bem adquirido. Para viabilizar este processo, as transações e regras de funcionamento do grupo acontecem em blockchain, ou seja, a mesma tecnologia utilizada pela Bitcoin e a Ethereum, duas das mais conhecidas criptomoedas.
Porquê criar um grupo para angariar fundos para este fim? Segundo informação disponível no seu site: "porque a descentralização e as criptomoedas (web3) criaram estruturas que permitem às pessoas autogovernarem-se com níveis inigualáveis de autonomia e liberdade. É apropriado que utilizemos esta tecnologia para honrar e proteger o maior instrumento histórico de governação humana: a Constituição dos Estados Unidos".
De acordo com a informação disponível nas perguntas frequentes (FAQ) publicada no canal Discord do grupo, é avançado por um colaborador central do projeto que após a compra inicial, a "comunidade poderá reestruturar a propriedade" em conformidade com a missão e os valores do grupo. Nas FAQ, é ainda feito um alerta a todos aqueles contribuíram: há possibilidade de hacking e roubo de dinheiro devido ao facto de no mundo das criptomoedas não existir uma entidade reguladora que supervisione a operação. No entanto, o grupo afirma que "tornámos tudo tão seguro e infalível quanto possível, dadas as limitações de tempo".
Esta criação de entidades descentralizadas é recente, mas não inédita. Em 2016, uns programadores que trabalhavam com a tecnologia Ethereum na Slock.it, uma startup alemã de blockchain, criaram a TheDAO. De acordo a BBC, permitia fazer angariações e investimentos que eram depois canalizados para projetos em que os contribuintes votassem e/ou considerassem que valia a pena o investimento. Foi desta forma que conseguiram angariar 150 milhões de dólares — embora tenham perdido 50 milhões num ataque por causa de uma falha no código.
O estatuto legal das DAO também não é claro. E, à BBC, a Sotheby's explicou que uma vez que as DAO não são entidades legalmente reconhecidas na maioria dos estados, exige que estas "tomem certas medidas legais" para participarem. Como resultado, o ConstitutionDAO teve de criar uma sociedade a fim de estar apto a participar no leilão e licitar pelo material analógico que compõe a Constituição que rege as leis e direitos dos cidadãos norte-americanos.
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