Numa altura em que a sociedade vive quase ao que parece ser à velocidade da luz, urge a vontade em satisfazer os desejos e necessidades dos clientes de acordo com essa realidade. Entregas à velocidade "rápida" já não chegam; é preciso "meter a quinta" e fazer entregas de maneira "ultrarrápida". No fundo, é estarmos a fazer o jantar e à última da hora darmos por falta de um ingrediente e não ser preciso improvisar à boa maneira portuguesa ou sequer abortar o planeamento da refeição em causa. É só meter em lume brando, que numa questão de minutos está alguém a tocar à porta com o ingrediente que falta.
Ora, foi a pensar neste tipo de situações que nasceu a Getir, que se assume como a "pioneira" e a "retalhista mais rápida do mundo" no que concerne às entregas "ultrarrápidas" de mercearia. Ou seja, a empresa viu uma oportunidade no mercado e criou um serviço que permite ao cliente encomendar produtos sem escolher um horário de entrega — o utilizador escolhe o quer dentro da lista disponível e a empresa começa logo, no imediato, a tratar do pedido. E num curto espaço de tempo, vamos dizer 10 minutos, a pessoa tem em casa os ingredientes que faltam para fazer, por exemplo, o jantar.
- Como é que a Getir consegue fazer este tipo de entregas de forma tão rápida? A resposta a isso está no modelo deste tipo de empresas que operam com uma aplicação online. Para fazerem tempos tão rápidos, estas estão dependentes das suas 'Dark Stores', um conceito que combina o espaço de loja com o espaço de armazém em ambiente urbano, que operam como lojas com produtos já predefinidos, em que os estafetas só tem de ir recolher as encomendas e ir entregar ao cliente (que tem de estar a um máximo de dois quilómetros de alguma 'Dark Store' para que os tempos "ultrarrápidos" sejam cumpridos).
- Por falar em 'Dark Stores'. Diga-se que os governos, nomeadamente o espanhol e francês, estão em cima destas operações há vários anos. Em França, a luta foi mesmo para tribunal, com um juiz a dar razão à autarquia de Paris, que se queixou que estas empresas ocupam os espaços de forma ilegal — estes espaços têm de ser considerados armazéns e não lojas, pelo que a tutela do município tem poder para decidir se podem ou não manter atividade. E ao que parece, a vontade é "correr" com os armazéns para as periferias e voltar a abrir lojas de comércio que façam circular pessoas. Decisão que a Bloomberg diz satisfazer os residentes do centro de Paris (que se queixam do barulho das cargas/descargas durante a noite e de as ruas estarem minadas de bicicletas de distribuição destas empresas) e dos lojistas locais (que manifestaram a sua preocupação com o facto de as 'Dark Stores' estarem a exercer pressão sobre o seu negócio).
- O modelo de negócio. De acordo com a Sifted, o modelo da Getir e das outras empresas de entregas ultrarrápidas passa por vender produtos de mercearia em grande quantidade, com margens de ganhos relativamente pequenos. Ao mesmo tempo, procura fazer frente aos supermercados tradicionais — empregando menos pessoas, alugando imóveis mais pequenos e mais baratos, mantendo um inventário relativamente mais curto e vendendo produtos de conveniência a um preço superior.
Fundada em 2015 na Turquia, a Getir é a referência das entregas rápidas e no seu auge atingiu uma avaliação de 11,8 mil milhões de dólares depois de anunciar um financiamento de 768 milhões, numa ronda que incluiu o Mubadala (um dos principais fundos soberanos Abu Dhabi), Tiger Global e Sequoia como investidores maioritários.
Não obstante, 2022 aconteceu e os 5,5 mil milhões investidos no setor na Europa passaram a ser apenas uma miragem do passado. E nem esta gigante parece ser imune ou avessa a problemas.
"A situação é que não há dinheiro"
Nos últimos 18 meses, o setor das entregas rápidas sofreu um duro revés, uma vez que a inflação e a redução do financiamento levou a que muitas empresas não fossem capazes de atingir a rentabilidade ou simplesmente não tivessem condições para continuar a operar. E é também por esses motivos que se registaram uma data de aquisições e vendas no setor.
- Exemplo: A Getir adquiriu a rival alemã Gorillas no final de 2022 (negócio avaliado em 1,2 mil milhões de dólares) e a própria Gorillas já havia adquirido a Frichti, uma startup francesa que entregava refeições prontas a comer. Mas não foi só a Gorillas, a Getir comprou também a espanhola Blok e a britânica Weezy.
No entanto, o clima de aperto é sentido até mesmo por esta gigante que está a engolir a concorrência na Europa — e que é a prova viva que ser ultrarrápido não é sinónimo de ser rentável.
- Do Reino Unido, surgem relatos de que a Getir está com dificuldades em fazer pagamentos (e já se fala que o fundo soberano de Abu Dhabi está em "conversações avançadas" para liderar uma nova injeção de capital por esse motivo). Segundo revelou um funcionário à Sifted, "a situação é que não há dinheiro", pelo que a gigante de entregas rápidas estará mesmo a ter dificuldades em pagar aos seus fornecedores, que já ameaçam romper com a parceria. E para fazer face à situação, de acordo com outro trabalhador, a empresa turca está a procurar novas formas para encurtar custos, nomeadamente diminuindo o número de escritórios alugados e acabando com regalias como a oferta de pequenos-almoços.
- Em França, a Getir anunciou, no final de junho, que ia acabar com a operação no país, decisão que deixa 1.800 trabalhadores sem saber se vão ter ou não emprego (escolheram o mesmo caminho que a Flink, uma concorrente com quem alegadamente está em conversações para uma eventual aquisição).
- Em Espanha, o El Periódico noticiava há dias que a Getir estava a ter dificuldades em gerar receitas com as suas 'Dark Stores' e que ia iniciar um processo de restruturação que pode afetar até 1.000 funcionários.
Em Portugal desde 2021
A Getir está presente em Portugal desde outubro de 2021 (ano em que a empresa turca comprou a Blok, uma aplicação de entregas espanhola, que já tinha planos para entrar no mercado português e italiano). No site oficial, a promessa é a de que oferece um serviço em que as compras são entregues em pouquíssimo tempo. "De alface a cerveja fresca, levamos-te o que precisas (ou te apetece) em minutos", pode ler-se. Contudo, "por agora", as entregas são feitas apenas em Lisboa. "Se ainda não entregamos no teu bairro, em breve o faremos", dá ainda conta.
Segundo a informação divulgada pela própria empresa, em 2022 foi ultrapassado o "marco das 150 marcas portuguesas na sua aplicação, materializando assim a sua estratégia de apoio ao comércio local". Ao todo, explica a empresa, são mais de 2000 produtos disponíveis para entrega, sendo que, por cá, 30% dos seus produtos correspondem a pequenas e médias empresas.
2023, de resto, tem sido um ano de novidades a nível nacional. Já assegurou a distribuição de produtos da Delta Cafés, assumiu uma parceria com a REFOOD para apoiar pessoas necessitadas, além de ter lançado outras campanhas como o seu Clube do Vinho.
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