É um homem expressivo, quase se diria elétrico, uma daquelas pessoas que nos fazem pensar que o cérebro anda a uma velocidade bastante superior àquela com que se conseguem exprimir — o que causa uma espécie de desacerto entre a mente e o corpo. Tim Berners-Lee foi o primeiro orador da edição de 2018 da Web Summit que esta segunda-feira arrancou em Lisboa. O cientista inglês que há 30 anos, no CERN (Laboratório Europeu de Física de Partículas), criou o conceito de hipertexto — a que hoje todos nos referimos como www — foi recebido com aplausos numa sala cheia, como tem sido habitual em todas as cerimónias de abertura.
Trouxe algumas memórias desse tempo e também dos primeiros 15 anos da internet, uma época em que "as pessoas esperavam que a Web fizesse grandes coisas…". E houve grandes coisas, recorda também: Wikipedia, Khan Academy, blogs. "Se tivesse que escolher um aspeto do design que nos levou à construção da Web, seria a universalidade".
O que podia correr mal então, lança em modo retórico para a audiência. O que podia correr mal surge no ecrã onde lemos palavras como "cyberbulling", "privacy" ou "fake" — a ponta mais visível do icebergue do que não tem corrido bem. "Pessoas falsas com ideias falsas e que divulgam verdades falsas".
Mas hoje o pai da internet quer falar de futuro. Agora que nos aproximamos do ponto "em que metade do mundo está ligado". Não são tudo boas notícias, embora possa parecer. Quase metade da humanidade está "ligada" mas os novos utilizadores da Internet estão a diminuir. E olhando para as duas metades, Berners-Lee constata o óbvio que é tudo menos fácil: "Temos a obrigação para olhar para os dois lados do mundo". "Conseguimos fazer isso, não?", volta a disparar para a audiência. "Garantir que as pessoas que estão ligadas à Web têm a Web que querem e ajudar os outros a ligarem-se", afirmou.
A solução que traz é a que tem vindo a trabalhar na fundação World Wide Web, que preside, e passa por lançar "um contrato para a Web". Um contrato que vincule governos, empresas, tecnológicas e utilizadores. Juntos no compromisso de fazerem um mundo melhor que hoje passa "por fazer da Web um lugar melhor". É esse o sentido da assinatura do projeto — "Pela Web" (For The Web) — e que tem implícito um conjunto de valores para melhorar esse espaço que é a Internet.
No seu jeito desajeitado, Tim Berners-Lee despede-se com quase um grito de ordem: "Podemos fazer isto juntos! Hashtag 'For The Web'", antes de seguir para a entrevista em palco com a jornalista da CNN, Lauren Sigal. E seria a jornalista a lançar a derradeira questão, já depois de passarem em palco nomes ligados às empresas tecnológicas, como Michael Geer, da empresa de cibersegurança de Silicon Valley Anchor Free, e uma das vice-presidentes da Google, Jacqueline Fuller, com uma pergunta simples, quase pueril: "Vai ficar tudo bem?". Lauren fez a pergunta depois de recordar o episódio, há duas semanas, em que a CNN, à semelhança de outros destinatários nos EUA, recebeu na redação um pacote suspeito com engenhos explosivos. "Vai ficar tudo bem", respondeu-lhe Tim Berners-Lee. Porque "essas pessoas vão afastar-se e os mitos sobre a forma como as coisas funcionam vão ser postos de lado", assegurou. Uma espécie de final feliz.
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