Jornalista no Expresso, Público, DN, RTP, Santos Pereira estava a concluir a sua tese sobre Spínola quando morreu, em 2020, que agora um grupo de amigos decidiu publicar e resultou no livro “O General Spínola e a Guiné – Contra os Ventos da História” (Edições Colibri).
António de Spínola (1910-1996) foi comandante militar e governador na Guiné-Bissau (1968-1973) durante a ditadura, escreveu o livro “Portugal e o Futuro”, em que admitiu que não seria possível uma solução militar para a guerra colonial (1961-1974), foi o primeiro Presidente após o 25 de Abril de 1974 e teve que se exilar quando Portugal viveu os tempos revolucionários, depois de uma tentativa falhada de golpe da direita, o 11 de março de 1975.
Mestre em História Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa, Santos Pereira recorreu a documentos, depoimentos, entrevistas, artigos para dar “um olhar crítico e distanciado” e “reequacionar” a “rutura do general com o regime de Marcello Caetano”, de quem recebeu o poder em 25 de Abril de 1974.
Apesar da ressalva de “aspetos revolucionários” do pensamento de Spínola – na relação com os povos da Guiné ou ao admitir que não havia solução militar para a guerra colonial -, Santos Pereira conclui, porém, que o general tinha “conceções reformistas em que não se percebe nenhum desacordo de princípio” com o regime.
A rutura entre Spínola e Caetano terá resultado, na tese do jornalista-historiador, mais do “choque entre as ambições políticas do general” e um “primeiro-ministro encurralado” do que de “conceções estratégicas” diferentes - deveu-se ao “bloqueamento a que a derrota na Guiné e no Ultramar” tinham conduzido os dois homens.
“O desenlace – 25 de Abril, queda do regime e descolonização – constitui uma derrota da política do Governo português, mas é também uma consequência do próprio fracasso político e militar do general Spínola no teatro da Guiné”, lê-se nas conclusões de Santos Pereira, autor de livros como “Os Novos Muros da Europa” e “Da Jugoslávia à Jugoslávia”.
Quando volta da sua missão na Guiné, em 1973, “Spínola regressa como um general derrotado”, mas “o mito está construído”: “Spínola é já uma figura de projeção nacional e internacional. E o confronto com Marcello Caetano transfigura, afinal, o seu fracasso em vitória, faz do general um herói, a grande esperança e a grande bandeira de quantos sentem chegada a hora de uma mudança de rumo.”
Apesar de reconhecer não ser uma ideia inédita, Santos Pereira conclui que o 25 de Abril, “tal como aconteceu, deu-se à margem do general e, em muitos aspetos, contra” a sua “vontade e planos”. Exemplo disso é o conflito, logo no dia 25 de Abril, por causa do Ultramar: o Movimento das Forças Armadas (MFA) defendia a independência das colónias, ao contrário do general, que falava numa “Nação soberana no seu todo pluricontinental” e numa “solução federativa”, a exemplo do Reino Unido com a ‘Commonwealth’.
Carlos de Matos Gomes, militar de Abril e autor de várias obras sobre este período, escreve um prefácio em que afirma que “a descolonização foi o nó górdio de Spínola” que “não soube desatar, nem cortar”.
“Julgou também que África e a descolonização eram o tema central das preocupações”, mas enganou-se, nas palavras de Matos Gomes: “A preocupação não era a posse das colónias, mas a guerra, (…) não era a África, mas Portugal, a sua vida em Portugal.”
O jornalista Carlos Santos Pereira, licenciado em História, trabalhou no semanário Expresso, de onde saiu para a fundação do Público, integrou a redação do DN e RTP e colaborou com a agência Lusa. Em maio de 2022, é publicado o livro com algumas das suas reportagens, “Do Solidariedade ao Afeganistão - Quatro décadas de vida de repórter”, em que se incluem alguns dos trabalhos sobre a Europa de Leste.
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