Os historiadores David Castaño e Maria Inácia Rezola escreveram, em 470 páginas, “Conselho da Revolução 1975-1982 – uma biografia” (Edições 70), a primeira história “como um todo” do “órgão de direção da revolução”.

O CR foi um “órgão de soberania com particular destaque no sistema político português entre 1975 e 1982, é um organismo vivo, com uma história intensa e interessante” que não estava totalmente feita, apesar de algumas obras parcelares, afirmou Maria Inácia Rezola, em respostas, por escrito, a perguntas da Lusa.

Também à Lusa, David Castaño afirmou que o livro procura preencher uma “lacuna importante na história contemporânea portuguesa” e apresenta uma “interpretação e análise dos factos e dos acontecimentos mais marcantes da vida deste órgão de soberania”, o que explica “o subtítulo ‘uma biografia’”.

O CR existiu entre março de 1975 e outubro 1982, representou a institucionalização do Movimento das Forças Armadas (MFA) num período em que Portugal saiu de uma ditadura, no 25 de Abril de 1974, entrou num Processo Revolucionário em Curso (PREC), antes da consolidação do regime democrático.

Num país a construir um novo regime, o CR foi um órgão de soberania que juntou poderes da Junta de Salvação Nacional (JSN), do Conselho de Estado, mas também o poder legislativo do Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores em termos militares, entrando-se num choque de legitimidades, a revolucionária, e a eleitoral, dos partidos após as eleições para a Assembleia Constituinte.

Na investigação para este livro, David Castaño, autor de “Mário Soares e a Revolução”, afirmou que o “lado mais surpreendente, por ser o menos conhecido” foi “o das dinâmicas e das tensões existentes no interior do CR”.

Mais visíveis em 1975, “elas não acabaram a 25 de Novembro”, o movimento militar que ditou o princípio do fim do processo revolucionário e o início da consolidação democrática, e “nos meses e nos anos seguintes há um constante medir de forças entre as diferentes sensibilidades”.

“O Conselho nunca foi um bloco monolítico. Pelo contrário foi sempre palco de tensões, discussões, debates e polémicas. Nesse sentido era até bastante democrático. Por isso afirmamos que uma das particularidades do CR foi a de não ter sido um órgão estático. O CR foi-se adaptando às circunstâncias e a evolução da sua composição reflete essas adaptações”, descreveu.

Maria Inácia Rezola, que escreveu a biografia “Melo Antunes, uma biografia política”, tem uma opinião idêntica, ao verificar como o CR foi central no primeiro ano (1975/76), “momento em que a sua vida se confunde com a história nacional/da revolução”.

Depois, “paulatinamente”, descreveu, o conselho transfigura-se e, “mesmo deixando de ter um lugar central no sistema político e sendo um órgão cada vez mais distante da população em geral”, “continuou a ser um órgão de soberania fundamental da consolidação democrática”.

“No período da revolução é surpreendente verificar que, mais do que no próprio organismo, o poder residia nos seus membros”, concluiu. Do CR fizeram parte Costa Gomes, Presidente da República, Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON, Vasco Gonçalves, primeiro-ministro, e Melo Antunes, ministro e um dos mentores do “grupo dos nove”.

Olhando à distância, Inácia Rezola afirmou que o CR “foi revolucionário e catalisador desde o início”.

“Durante o seu primeiro ano de existência, apresentou-se, e pretendeu ser, o motor da Revolução. Mas na realidade o seu poder não foi sempre o mesmo, sobretudo quando, legitimados por eleições, os partidos políticos começaram a reivindicar a transferência do poder para a sociedade civil. A luta entre a legitimidade revolucionária e a eleitoral, tão característica do Verão quente e do Outono escaldante de 1975, perpassou o próprio CR”, afirmou.

Depois de “constitucionalizada a democracia”, acrescentou, o “caracter revolucionário foi-se esvaindo, no organismo como um todo”, o que “não significa que alguns dos seus membros – pense-se, por exemplo, em Melo Antunes – tenham perdido o ‘fervor revolucionário’”.

“O que acontece é que já não é essa a essência do Conselho da Revolução”, concluiu.

Já David Castaño assinalou que os “defensores da via revolucionária” não desistiram até quase à extinção, em tentar que “a sua ação seja compatível com o seu próprio nome, com a sua designação”, só que essa linha “não se consegue afirmar”.

A partir de 1976, ano um da Constituição, o CR “passou a garantir não o avanço da revolução, mas a manutenção do ‘status quo’ e a preparar a subordinação do poder militar ao poder civil”, em 1982.

“Pela primeira vez na sua longa história, Portugal era uma democracia e, ao contrário do que era comum em diversas latitudes e em diferentes épocas, os militares tinham desempenhado um papel fundamental nesse trajeto”, conclui o livro.