“De certa maneira é um falso romance histórico, na medida em que acompanha a história de Angola até um certo ponto, e a partir dali é uma outra história (…) Tem uma história alternativa, o Reino do Bailundo, que nunca chega a submeter-se ao poder colonial português, permanece independente até à independência de Angola”, contou Agualusa, em entrevista à Lusa, em Maputo.
O escritor, que habitualmente reside na Ilha de Moçambique, revelou que no novo livro regressa aos finais do século XX, no planalto central de Angola, para narrar a história do Reino de Bailundo, oferecendo, a partir daí, uma visão alternativa do que pode ter sido a história de um país, sobretudo no período colonial português.
“O livro começa no planalto central de Angola no início do século XX e é narrado por uma mulher que está nos dias de hoje a contar a história que, no fundo, é da sua família e de uma herança que ela recebeu”, explicou.
A partir do “Mestre dos batuques”, Agualusa defende que a colonização portuguesa em Angola, tal como em Moçambique, durou sete décadas, contrariamente aos 500 anos referenciados nas versões oficiais.
“É, em grande medida, sobre o Reino do Bailundo, que foi um dos últimos reinos em Angola a render-se ao poder colonial. Toda zona do planalto central de Angola, que tinha vários reinos como Bailundo, Bié, Huambo, permaneceram independentes até século XX”, declarou o escritor luso-angolano.
“Normalmente, quando pensamos na história do colonialismo, sempre se repete esta ideia de que os portugueses estiveram em Angola 500 anos, não é verdade. Isso é verdade para as cidades do litoral, mas não é para, por exemplo, no planalto central de Angola que esteve sob o domínio colonial, na verdade, relativamente pouco tempo, 70 anos”, acrescentou Agualusa.
Com a obra, o escritor volta igualmente ao lugar de infância, explorando paisagens e geografias que estão guardadas na memória.
“Angola são muitos países no fundo, são muitas nações e muitas vezes essas diferentes nações conhecem-se mal. Acredito que, assim como as populações do centro do planalto central conhecem mal a história, por exemplo, do reino do Congo, provavelmente a maior parte das pessoas que vivem no norte não conhece tão bem a história das populações do sul”, disse.
A literatura é uma das soluções para fornecer visões alternativas sobre a história, visando a construção de uma nação: “Acho que é sempre bom ter várias perspetivas. Neste caso, é uma perspetiva angolana, mas mais do que isso, é uma perspetiva a partir daquela região do planalto central de Angola. Porque a história de Angola é muito diferente se olhada a partir de Luanda ou do Huambo ou do Bailundo”.
José Eduardo Agualusa, que vive entre Angola e Moçambique, com passagens recorrentes entre Portugal, Alemanha e Brasil, nasceu na cidade angolana do Huambo, em 13 de dezembro de 1960, tendo estudado Agronomia e Silvicultura.
Na calha tem também, avançou, um livro baseado na “experiência real” de viver na Ilha de Moçambique, província de Nampula, que descreve como sendo “carregada de história”: “Comecei a escrever e ainda não sei bem o que é, quando a gente começa a escrever não sabe bem o que é. O que estou a escrever não sei se vai dar um romance, espero que dê, mas que passa pela minha experiência direta na ilha de Moçambique, e este é mais um testemunho”.
Agualusa publicou em 2020 o romance “Os vivos e os outros”, ficcionando um encontro entre escritores que decorre na Ilha de Moçambique, norte do país, onde vive desde 2016, e que agora volta ao seu processo criativo, retratado com recurso a testemunhos recolhidos no local.
“Não sei até que ponto terá ficção, mas é mais um testemunho, uma recolha de histórias de pessoas da ilha”, disse o escritor.
Romancista, contista, cronista e autor de literatura infantil, vários dos seus livros têm sido distinguidos com prémios como o Grande Prémio de Literatura RTP (atribuído a “Nação Crioula”, 1998), e o Independent Foreign Fiction Prize (“O Vendedor de Passados”, 2004) , tendo sido igualmente finalista do Man Booker Prize e do International Dublin Literary Award com “Teoria Geral do Esquecimento” (2012).
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