A maior adesão à “moda” dos anos 90 vem dos millennials, ou geração Y, cognome com que ficaram rotulados os nascidos entre 1981 e 1996. Um millennial nascido, por exemplo, em 1988, tem hoje 30 anos. Em 2002, tinha 14 anos e quando ligasse a rádio provavelmente ouviria Eminem, que dominava as tabelas, ou a música do verão desse ano, “The Ketchup Song (Asereje)” das espanholas Las Ketchup. Também nesse ano, Avril Lavigne, os Tribalistas e Justin Timberlake lançaram os seus primeiros álbuns e Christina Aguilera lançou o provocatório “Stripped". Foi também o ano em que as Spice Girls e as Salt n Pepa se separaram. A coletânea “Now Dance 2003”, lançada em outubro de 2002, tinha músicas como “Follow Da Leader” ou “Around The World (La La La La La)”.

Agora que estamos situados, façamos o seguinte teste: quem conhecer pessoas nascidas a partir dos anos 2000, que pergunte se sabem o que é um Walkman. Ou um Tamagotchi. Ou quem foi o Batatinha. Ficaram a sentir-se um bocadinho mais velhos? Deslocados? Pois bem, foi como me senti, apesar de fazer parte da tal geração geração millennial – isto é, não posso propriamente considerar-me “velha”.

Acontece que, no que diz respeito a referências em comum, sinto uma desconexão em relação a pessoas apenas seis, sete ou oito anos mais novas. Sempre existiram falhas de comunicação ou compreensão entre gerações, mas o nascimento da primeira geração digital (os nascidos a partir de 1997) marca um antes e um depois completamente diferente.

Os millennials, pelo menos os mais velhos, lembram-se certamente do som do modem a ligar (sim, era assim que a Internet funcionava), de ver os filmes de trás para a frente quando se punham as cassetes VHS a rebobinar no respetivo leitor ou de usar disquetes para gravar trabalhos da escola.

Já os meus irmãos mais novos, parte da Geração Z (os tais nascidos a partir de 1997), não sabem o que são estes objetos. Eu vivi a transição para o mundo digital – tive um discman, mas também um iPod; usei VHS e DVD’s –, enquanto eles nasceram já imersos nesta realidade, com as músicas em plataformas de streaming, os filmes na cloud e os jogos no tablet.

A mudança de paradigma tecnológico talvez seja o principal fator que separa estes pós-millennials de todas as gerações anteriores - os millennials viveram grande parte da sua infância sem redes sociais ou smartphones (o Facebook alargou o seu registo ao público geral em 2008 e o primeiro iPhone foi lançado em 2007), ao passo que hoje existem bebés com contas de Instagram.

Em 2002, apenas 15% dos agregados domésticos portugueses tinha ligação à Internet em casa; em 2018 esse número foi de 79%. Os millennials e a geração Z não têm muitos anos de diferença, mas se verificarmos as referências tecnológicas nestes dois grupos poderíamos estar a falar de gerações separadas por 50 anos: em 2017, 99% dos jovens portugueses entre os 16 e os 24 anos usava a Internet; em 2002 eram 42,8%.

Posto isto, serão os anos 90, a década de infância ou adolescência dos millennials, a última geração com uma identidade comum? Se a Internet contar como algum tipo de barómetro, a resposta será um indubitável “sim”, em letras maiúsculas e com vários pontos de exclamação.

Ó tempo, volta para trás...!

É verdade que vivemos (durante mais alguns dias, pelo menos) em 2018, mas no mundo virtual mais parece estarmos em 1998, tal é a forma como a nostalgia pelos anos 90 parece ter apanhado tudo e todos. O revivalismo não é algo “novo” – as saudades dos 90’s andam “de mãos dadas” com a que se registou pelos anos 80 há mais ou menos 10 anos. Além disso, os movimentos culturais sempre beberam inspiração em épocas passadas.

Contudo, a verdade é que praticamente todas as áreas de consumo de bens abraçaram, de uma maneira ou outra, este “regresso às origens”: desde os veículos (quem não se cruzou com as renovadas “pão de forma”, que nos últimos verões têm ocupados estacionamentos nas praias da Costa Vicentina?), até à decoração de interiores (plantas em suportes de macramé e mobiliário vintage que até há uns anos ocupava lojas em segunda mão e casas de avós), à música (as festas Revenge of the 90’s são um dos maiores exemplos, assim como o ressurgimento da popularidade do vinil, a recente vaga de músicas que prestam homenagem a essa época e o regresso das Spice Girls, ainda que sem a Posh Spice), ao cinema (o número sem fim de remakes diz tudo), à televisão e ao streaming (a Netflix, em específico, tem-se dedicado a programas revivalistas, como Stranger Things, uma ode aos anos 80; os novos episódios de Gilmore Girls, uma década depois da série original; o Fuller House, uma sequela do original Full House; e a inclusão no catálogo de séries e filmes icónicos dos anos 90, como Friends ou Clueless), aos videojogos (tanto a PlayStation como a Nintendo lançaram versões modernizadas de consolas clássicas), à fotografia (o ressuscitamento de marcas como a Polaroid e a Kodak e o aparecimento de câmaras instantâneas modernas), à moda (apesar de ser cíclica, tem sido fortemente influenciada pelo estilo dos anos 90 – das “mom jeans” às t-shirts com estampagens de referências a essa época) e, por fim, aos fenómenos da Internet (não faltam memes, questionários e artigos em forma de lista).

Mas porque é que isto acontece? Este sentimento coletivo de nostalgia é comum, é um facto. Mas as saudades pelos tempos de infância e adolescência, em que o mundo parecia mais simples, pode levar a uma melancolia que nos aproxima de um estado de espírito com bastante mais negrume.

O termo nostalgia foi baptizado pelo médico suíço Johannes Hofer em 1688, uma tradução do alemão Heimweh (saudades de casa) que deriva de duas palavras gregas: "nostos" (regresso a casa) e "algos" (dor). A nostalgia identificada por Hofer referia-se às saudades que os soldados sofriam nos campos de batalha, em missões longe do seu país. Na altura, foi considerada uma espécie de doença mental, cujos sintomas iam da falta de apetite, palidez e fraqueza, até a uma tristeza generalizada, depressão e até morte. Palavras ou sentimentos que caracterizam este estado de espírito existem em várias línguas, a começar pela portuguesa e galega “saudade”, e todas elas englobam, de uma maneira ou outra, sentimentos de saudade e ânsia por algo que já não existe ou até que nunca existiu.

Nos dias de hoje a nostalgia não passa de uma aflição emocional, mas o seu poder continua a ser apelativo – há até um estudo que demonstra as suas consequências benéficas. Quando evocada, a nostalgia transmite tranquilidade, melhora a disposição e a auto-estima da pessoa em causa e faz com que se sinta mais conectada com os outros, com o passado e o futuro, e que atribua mais valor à vida e afaste pensamentos sobre a morte.

Dessa nostalgia por uma época que cremos mais simples, feliz e… analógica, surgiu o conceito “Revenge of the 90’s”. Começou como uma festa para amigos e conhecidos, evoluiu para um réveillon no Coliseu, prosseguiu numa festa dos Santos Populares no Campo Pequeno e culminou num primeiro aniversário na FIL com 8.000 “noventeiros" vestidos a rigor, antes de rumar em digressão por todo o país. Agora, entrou em cena o humorista e cronista do SAPO24 Diogo Faro para contar “a história do quanto nós fomos felizes nos anos 90.”

créditos: Rita Sousa Vieira | MadreMedia

Passar as músicas que dominaram pistas de dança e repetiam vezes sem conta no rádio não chegava. A “Revenge of the 90’s”, como explica Faro no livro que relata esta viagem às festas e também aos anos 90, “não podia ser só uma festa com música dos anos 90. Tinha que ir muito para além disso, tinha que ser como uma máquina do tempo, com todas as emoções que daí se arrebatam”.

“Também Tive um Pega Monstro”, editado pela Manuscrito, é uma espécie de enciclopédia dos anos 90. Seja para recordar “tempos áureos” ou mostrar aos filhos como foi aquela época, o livro cobre os grandes marcos desta década através dos filmes que se viam, dos brinquedos que marcavam presença nos recreios e da música que tocava nos discmans. É um livro para os “putos dos anos 90”, escreve Faro.

Dado que hoje a nostalgia já não é considerada uma doença contagiosa, estamos à vontade para sucumbir às saudades e deixarmo-nos levar numa viagem no tempo, mais precisamente até aos anos 90, cortesia da equipa do “Revenge of the 90’s”.