É uma pintura ao ar livre que já levou muitas voltas. A original demorou uns dois ou três dias e foi feita pouco depois da queda do muro de Berlim. Em cima de um escadote, Ana Leonor Madeira Rodrigues recordou o desastre de Chernobyl, fazendo uso do azul, do preto e de vários jogos de sombras.

O convite partiu da artista alemã e sua amiga Ursula Wunsh, que vivia do lado oriental de Berlim. Conheceram-se num ‘workshop’, ainda com um muro erguido, e ainda hoje vão mantendo contacto.

“Ela disse-me que iam pintar no lado proibido do muro e que as obras tinham de ter um tema ligado à ecologia (…). As primeiras pinturas andavam à volta disso. Depois, com o tempo, foi-se abandonando esse tema. Ela perguntou-me se eu queria participar”, contou à agência Lusa a artista plástica portuguesa, acrescentando que não precisou de pensar muito no que dizer.

“Claro que quero! Vou fazer uma pintura no muro”, respondeu Ana Leonor Madeira Rodrigues, que confessa ter uma grande paixão por Berlim, podendo assim ter uma “ligação para sempre” à cidade.

Pouco tempo depois a pintura foi vandalizada e, mais tarde, restaurada pela própria, num projeto de renovação que envolveu vários dos artistas originais. No fundo da obra, a letras brancas, a artista portuguesa deixou o endereço de ‘email’.

“Como eu deixei lá o meu email, de vez em quando tenho notícias de pessoas que me escrevem ou que me enviam uma fotografia da pintura. A última que recebi fez-me ganhar o dia. Era um senhor do Canadá a dizer-me que adorou a minha pintura e que marcou a ida dele a Berlim. Para um artista ler isso é bestial”, conta.

Ana Leonor Madeira Rodrigues foi para a Berlim ocidental uns meses antes da queda do muro. “Tinha vendido duas pinturas grandes na Alemanha. Já tinha vivido em Munique e visitado Berlim, cidade de que gostei muito. Então decidi ir à aventura”, revela à Lusa.

“Imaginar uma cidade cercada por um muro, completamente livre, sem parar, muito alternativa e criativa. As lojas não tinham hora para fechar. A habitação era mais barata, havia muitas casas ocupadas. Foi mudando devagarinho”, descreve com saudade.

“Claro que aquela era uma situação de repressão enorme [para quem estava na RDA, no lado leste]. O ideal comunista era tudo menos ideal, era uma vida dificílima e muito controlada. Mas já eram tantos anos que se tornou um mundo. A situação da Alemanha é muito complicada”, partilha a artista plástica a viver atualmente em Lisboa.

Ana Leonor Madeira Rodrigues tinha o estúdio no bairro de Kreuzberg, em Adalbertrasse, não muito longe de um dos ‘check points’ por onde se podia cruzar do lado ocidental para o oriental.

“Já havia uma certa abertura dos países à volta, mas que o muro se abrisse, acho que era algo em que ninguém acreditava muito [na altura]. Foi tudo muito rápido depois”, explica.

A artista plástica, que viveu em Berlim até 1992, recorda a alegria da maior parte das pessoas com a queda do muro e a confusão dos primeiros dias.

“Havia muitos alemães do lado oriental a chegar, obcecados com as compras. Havia uma espécie de loucura consumista, pilhas e pilhas de bananas para vender”, lembra, “e muitas cascas de banana também”.

“Havia uma grande atração das pessoas do lado oriental da Alemanha, pelo lado ocidental. Um fascínio. Havia essa vontade de que o muro acabasse, mas não sei se havia vontade de que as coisas mudassem como mudaram (…) Eles vivem de uma forma muito dolorosa esse apagar de um passado. Eles deixaram de existir em muitos aspetos”, explica, sublinhando que muitos, da ex-RDA, “ficaram sem passado e sem país”.

A artista plástica visita Berlim com frequência e vai sempre “dizer um olá” à pintura que ainda se mantém num dos monumentos mais conhecidos da cidade, a “East Side Gallery”.