“Lua amarela”, do dramaturgo e diretor de teatro escocês David Greig, é “uma balada” sobre a história de dois adolescentes e a forma como a vida deles “é uma espécie de ´Bonnie and Clyde` moderno, mas um ´Bonnie and Clyde` não por opção, mas por consequência”, disse à agência Lusa o encenador Pedro Carraca.

A ação gira em torno de Lee, um adolescente perturbado, bem conhecido da polícia e dos serviços sociais de Glasgow, e de Leila, uma muçulmana de 17 anos, boa rapariga, muito estudiosa e que se está a preparar para entrar na universidade.

Leila, que desistiu de conversar com quem quer que seja, carrega um segredo: passa as noites de sexta-feira a ler revistas de celebridades enquanto se corta.

Lee mata uma pessoa, exatamente como o pai, muitos anos antes, fizera, sendo catapultado para uma espécie de repetição da vida do pai.

“O rapaz tem uma má decisão a um determinado momento da vida e isso catapulta-os para uma espiral de acontecimentos aos dois: ela por escolha, ele por consequência”, frisou Pedro Carraca, acrescentando que esta parte da peça levanta questões sobre se uma pessoa está destinada “a seguir o caminho” de quem a educou ou se é possível escolher algo diferente.

Leila cruza-se com Lee, trazendo-lhe a hipótese de redenção, uma vez que é ela quem lhe dá a conhecer o amor e o lado humano da vida.

Ao contrário de Lee, que vem de um meio social mais pobre e cujas perspetivas de vida passam por ganhar dinheiro a vender droga ou algo semelhante, Leila, filha de refugiados muçulmanos, tem outras possibilidades na vida.

A jovem acaba por acompanhar Lee e com o passar do tempo vai-lhe demonstrando que há outras hipóteses e outras formas de vida.

“E, na verdade, é esse companheirismo, não é só o amor, que vai fazendo com que ele [Lee] se vá apercebendo de que, realmente, pode tomar a vida nas suas mãos”, não tendo de seguir um caminho que à partida lhe “parecia mais simples, ou mais correto, mas que, na verdade, é quase como se já estivesse traçado”.

“Lua amarela” acaba também por convidar os espectadores a que, ao mesmo tempo que observam a forma como os dois jovens se vão regendo ao longo da aventura, façam uma introspeção sobre si próprios, as suas escolhas e a falta de tempo nas sociedades modernas.

Questionado sobre a escolha de peça, que sucede à encenação de “Birdland”, que também abordava questões sobre os jovens, Pedro Carraca adiantou que a próxima que irá encenar – “Taco a taco”, a estrear em março de 2022 – também abordará questões semelhantes.

Talvez a escolha de peças que abordem temas sobre a passagem para a idade adulta se devam ao facto de o ator e encenador ter um lado que se interessa “muito” em trabalhar com os mais jovens.

Porque os jovens levantam certos problemas que lhe parecem mais legítimos do que os levantados pelos mais velhos ou também porque os jovens “veem a forma como as coisas se põem na cena” de forma diferente da sua geração.

Os mais jovens “veem muitas vezes muitas vezes as coisas com dois focos de atenção simultânea dentro da cena”, enquanto os mais velhos acham isso “distrativo” porque estão habituados a que a câmara ou a luz se dirija para uma única cena.

Os jovens já não precisam disso “talvez por estarem habituados a estar ao telemóvel, ao mesmo tempo que estão ao computador, ao mesmo tempo que veem televisão, ao mesmo tempo que fazem os trabalhos de casa”. “Têm realmente uma maneira de concentração que parece mais fraca do que a nossa mas que, na verdade, é só diferente. Porque conseguem estar concentrados em mais coisas ao mesmo tempo”, argumentou.

Além disso, os temas dominantes das peças mais recentes são, na maioria, sobre a igualdade sexual e a discriminação racial, que Pedro Carraca considera “temas importantíssimos”, mas está convencido “de que não é a melhor pessoa para falar deles”.

Daí que opte por procurar peças sobre ”outras coisas que não deixam de acontecer” mas das quais “se fala menos”, justificou.

Com tradução de Pedro Marques, “Lua amarela” tem interpretações de Gonçalo Norton, Rita Rocha Silva, Paulo Pinto e Inês Pereira.

A cenografia e os figurinos são de Rita Lopes Alves, a luz de Pedro Domingos e a música de Mário Rebelo.

No Teatro da Politécnica, a peça estará em cena até 18 de dezembro, com récitas de terça-feira a sábado, às 19:00.