Caro leitor,
Bem‐vindo a As Sete Irmãs — e à história de Maia!
Quando tive a ideia de escrever uma série de livros baseada nas Sete Irmãs das Plêiades, não fazia ideia de onde isso me levaria. Senti‐me impe‐ lida pelo facto de cada uma das irmãs mitológicas ser uma mulher única e forte. Há quem diga que elas foram as Sete Mães que semearam a terra, e não há dúvida de que, nas suas histórias, todas eram muito férteis! E queria celebrar as conquistas das mulheres, especialmente no passado, quando tantas vezes o seu contributo para tornar o nosso mundo no que é hoje foi ofuscado pelas conquistas mais frequentemente documentadas dos homens.
No entanto, a definição de «feminismo» é igualdade, não dominação, e as mulheres sobre as quais escrevo, tanto no passado como no presente, aceitam que querem e precisam de amor nas suas vidas. Não necessariamente na forma tradicional de casamento e filhos, mas a série As Sete Irmãs celebra claramente a busca interminável pelo amor e explora as consequências devastadoras quando este é perdido.
Quando viajo pelo mundo, seguindo os passos das minhas personagens femininas reais e fictícias para pesquisar as suas histórias, fico constantemente comovida e maravilhada pela tenacidade e coragem das gerações de mulheres que me antecederam. Seja quando lutam contra preconceitos de género e raciais do passado, quando perdem os seus entes queridos para a devastação da guerra ou da doença, ou quando constroem uma nova vida do outro lado do mundo; estas mulheres abriram caminho para a liberdade de pensamento e ação de que desfrutamos hoje. E que tantas vezes damos como garantida. Nunca me esqueço de que essa liberdade foi conquistada por milhares de gerações de mulheres notáveis, talvez reme‐ tendo diretamente às próprias Sete Irmãs...
Espero que aprecie a jornada de Maia — de acordo com a lenda, era a mais bonita de todas as irmãs, mas também a mais solitária. De alguma forma, deve encontrar a força interior para não mais se esconder do mundo, mas confiar nele — e no amor — para poder viver novamente.
Lucinda
Maia
Junho de 2007
Primeiro quarto de Lua
13; 16; 21
1
Hei de lembrar‐me sempre exatamente de onde estava, e o que fazia, quando me disseram que o meu pai tinha morrido.
Estava sentada no jardim bonito da moradia da minha amiga em Londres, um exemplar da Odisseia de Penélope no colo, aberto mas não lido, a gozar o sol de junho enquanto a Jenny ia buscar o filho ao jardim de infância.
Sentia‐me calma e apreciava a bela ideia que tinha sido aquela fuga. Estudava a clematite em flor, encorajada pela parteira soalheira a parir num leque de cores, quando tocou o telemóvel. Olhei para o ecrã e vi que era a Marina.
— Estou, mãe, como estás? — perguntei, na esperança de que ela também ouvisse simpatia na minha voz.
— Maia, eu...
A Marina calou‐se e, nesse instante, soube que algo de mal se passava. — O que foi?
— Maia, não há maneira fácil de te dizer isto, mas o teu pai teve um ataque cardíaco aqui em casa ontem à tarde e, esta madrugada, ele... morreu. Fiquei calada enquanto me passava pela cabeça um milhão de pensamentos diferentes e ridículos, sendo o primeiro que a Marina, por qualquer razão, tinha decidido pregar‐me uma partida de mau gosto. — És a primeira das irmãs a quem estou a dizer, Maia, por seres a mais velha. Queria perguntar‐te se preferes ser tu a contar ao resto das tuas irmãs, ou deixar comigo. — Eu...
Os meus lábios continuavam a não articular palavras, conforme me apercebia de que a Marina, a querida Marina, a pessoa mais parecida com uma mãe que eu jamais tivera, nunca me contaria uma coisa destas se não fosse verdade. Tinha de ser. Nesse momento, o eixo do meu mundo mudou por completo.
— Maia, por favor, diz‐me que estás bem. Esta é a pior chamada que já tive de fazer, mas não me restava alternativa. Sabe Deus como as outras raparigas vão receber a notícia.
Foi então que ouvi o sofrimento na voz dela e compreendi que precisava de me contar, para o seu bem e para o meu. Por conseguinte, passei à minha zona de conforto habitual, que consiste em confortar os outros.
— Claro que digo às minhas irmãs, se preferires, mãe, embora não saiba bem onde é que estão todas. A Ally não foi treinar para uma regata?
Enquanto continuávamos a conversar sobre o paradeiro das minhas irmãs mais novas, como se tivéssemos de as reunir para uma festa de anos e não para fazer luto pela morte do nosso pai, a conversa adquiriu um tom surreal.
— Quando te parece que devemos fazer o funeral? A Electra está em Los Angeles e a Ally algures em alto‐mar, só podemos pensar nisso para a semana, no mínimo? — perguntei.
— Bem... — Ouvi a hesitação na voz da Marina. — Talvez o melhor seja falarmos quando chegares a casa. Agora na verdade não há pressa, Maia, se quiseres passar os últimos dias de férias em Londres, não faz mal nenhum. Aqui não há mais nada a fazer por ele... — A voz dela sumiu‐se de tristeza.
— Mãe, é claro que apanho o próximo avião para Genebra, se conseguir! Vou já marcar voo, e depois farei o que puder para contactar toda a gente. — Tenho tanta pena, chérie — disse a Marina numa voz triste. — Sei bem o quanto o adoravas.
— Sim — disse eu, com a estranha calma que sentira quando falávamos
das coisas a tratar a desaparecer subitamente, como a quietude antes de uma trovoada violenta. — Depois ligo‐te, quando souber a que horas chego. — Por favor, tem cuidado contigo, Maia. Sofreste um choque terrível. Premi o botão para terminar a chamada e, antes que as nuvens de tor‐ menta no meu coração desabassem e eu submergisse nelas, subi ao quarto para ir buscar os documentos de voo e contactar a companhia aérea. À espera de que me atendessem, olhei para a cama onde tinha acordado naquela manhã para Simplesmente Mais um Dia. Agradeci a Deus por os seres humanos não terem o poder de vislumbrar o futuro.
A funcionária que acabou por atender não foi nada atenciosa e percebi, enquanto ela falava de voos lotados, penalizações financeiras e pormenores do cartão de crédito, que o meu dique emocional estava prestes a rebentar. Finalmente, assim que me marcaram de má vontade um lugar no voo das quatro horas para Genebra, o que implicava atirar tudo para dentro da mochila imediatamente e apanhar um táxi para Heathrow, sentei‐me na cama e olhei durante tanto tempo para o papel de parede com rebentos que o padrão começou a dançar diante dos meus olhos.
— Ele foi‐se — sussurrei —, foi‐se de vez. Nunca mais o vou ver. Contava que a palavra falada provocasse uma torrente revolta de lágrimas, mas fiquei admirada por não acontecer nada. Antes pelo contrário, fiquei ali sentada, dormente, a cabeça ainda cheia de afazeres. Só de pensar em dizer às minhas irmãs, todas as cinco, ficava horrorizada, e pesquisei no meu arquivo emocional aquela a quem ligar primeiro. Era inevitável que fosse a Tiggy, a segunda mais nova de nós, seis raparigas, e a irmã a quem sempre fui mais chegada.
Com os dedos a tremer, procurei o número dela nos contactos e marquei. Quando passou ao voicemail, eu não sabia o que dizer, além de umas palavras entarameladas a pedir‐lhe que me ligasse com urgência. Ela estava algures nas Terras Altas da Escócia, a trabalhar num centro para veados órfãos e doentes.
Quanto às outras irmãs... Sabia que as reações delas iriam variar, exteriormente pelo menos, da indiferença ao desabafo dramático das emoções. Como não sabia bem para que lado penderia na balança da mágoa quando falasse realmente com qualquer uma delas, decidi‐me pela cobardia e enviei uma SMS a todas a pedir que me ligassem assim que possível. Depois despachei‐me a encher a mochila e desci a escada estreita até à cozinha para deixar um recado à Jenny a explicar porque é que me ia embora com tanta pressa.
Decidida a arriscar‐me a apanhar um táxi preto nas ruas de Londres, saí de casa e percorri rapidamente a meia‐lua arborizada de Chelsea, como qualquer pessoa normal num dia normal. Acho que até disse olá a um cão que passava na rua e consegui sorrir.
Ninguém saberia o que acabava de me acontecer, pensava, quando consegui encontrar um táxi na concorrida King’s Road, entrei e disse ao condutor que seguisse para Heathrow.
Ninguém saberia.
***
Cinco horas depois, no preciso momento em que o sol descia ociosamente sobre o lago Genebra, cheguei ao nosso pontão particular na margem, de onde faria a última etapa da minha viagem para casa.
O Christian já estava à minha espera na Riva, a nossa lancha elegante. Pela cara dele, vi que já tinha recebido a notícia.
— Como está, mademoiselle Maia? — perguntou, a compaixão nos olhos azuis quando me ajudou a subir a bordo.
— Estou... contente por chegar — respondi com neutralidade, e rumei à parte de trás da lancha para me sentar no banco estofado a pele creme que fazia uma curva na popa. Regra geral, sentava‐me com o Christian no lugar do passageiro à frente, conforme zarpávamos pelas águas calmas nessa viagem de vinte minutos para casa. Porém, hoje estava a precisar de privacidade. Quando o Christian ligou o potente motor, o sol refletiu-se nas janelas das moradias fabulosas que orlavam as margens do lago Genebra. Eu costumava sentir, quando fazia esta viagem, que era a entrada para um mundo etéreo e desligado da realidade.
O mundo do Pa Salt.
Reparei na primeira prova vaga de lágrimas a marejarem‐me os olhos só de pensar na alcunha que tinha dado ao meu pai quando era pequena.
Ele adorava fazer vela e era hábito, quando voltava para junto de mim na nossa casa à beira do lago, cheirar a maresia. Não sei como mas a alcunha pegara e, quando as minhas irmãs mais novas se juntaram a mim, também o começaram a tratar assim.
Quando a lancha ganhou velocidade, a brisa cálida a soprar‐me no cabelo, pensei nas centenas de viagens anteriores que fizera à Atlântida, o castelo de conto de fadas do Pa Salt. Inacessível por terra devido à localização num promontório particular com uma meia‐lua de terreno montanhoso a erguer‐ ‐se bem íngreme na retaguarda, a única maneira de lá chegar era de barco. Os vizinhos mais próximos estavam a quilómetros de distância pelo lago fora, e a Atlântida era o nosso reino particular, separado do resto do mundo. Tudo o que lá havia era mágico... como se o Pa Salt e nós — as filhas — lá vivêssemos sob encantamento. Cada uma de nós tinha sido escolhida pelo Pa Salt em bebé, adotada nos quatro cantos do mundo e levada para casa para viver sob a sua proteção. Cada uma de nós, como o pai tanto gostava de dizer, era especial, diferente... éramos as suas meninas. Batizou‐nos com os nomes das Plêiades ou Sete Irmãs, a sua constelação favorita.
A Maia era a primeira e a mais velha.
Quando eu era pequena, ele levava‐me para o observatório de cúpula de vidro no cimo da casa, pegava‐me ao colo com as mãos grandes e fortes e eu via o céu noturno pelo telescópio.
— Lá está ela — dizia ele, a focar a lente. — Olha, Maia, é a bela estrela cintilante tua homónima.
E eu queria ver. Enquanto ele explicava as lendas na origem do meu nome e dos nomes das minhas irmãs, mal o ouvia, mas desfrutava simplesmente do amplexo dos seus braços, completamente ciente daquele momento raro e especial em que o tinha só para mim.
Acabei por perceber que a Marina, a qual pensara ser minha mãe — até passara a chamar-lhe «Mãe» — era ama, criada e enfermeira, empregada do pai para tomar conta de mim, porque ele estava muitas vezes ausente. Claro que a Marina era muito mais do que isso para todas nós. Foi ela quem nos secou as lágrimas, nos ralhou pelos maus modos à mesa e nos orientou calmamente na difícil transição da infância para a adolescência.
Ela sempre lá estivera, e eu não podia ter amado mais a Mãe se ela me tivesse dado à luz.
Nos primeiros três anos da minha infância, eu e a Marina vivemos sozinhas no nosso castelo mágico nas margens do lago Genebra, enquanto o Pa Salt viajava pelos sete mares em negócios. Em seguida, uma a uma, as minhas irmãs começaram a chegar.
Regra geral, o pai trazia‐me uma prenda quando voltava a casa. Eu ouvia a lancha a chegar, corria pelos relvados e pelo arvoredo até ao molhe para o receber. Como qualquer criança, queria ver o que escondera nos seus bolsos mágicos para me encantar. Todavia, em dada ocasião, depois de me oferecer uma rena de madeira ricamente esculpida, que me garantiu vir diretamente da oficina de São Nicolau no Polo Norte, apareceu uma mulher de farda atrás dele e nos braços tinha uma coisa embrulhada num xaile. Este embrulho mexia‐se.
— Desta vez, Maia, trouxe‐te a prenda mais especial. Tens uma nova irmã. — Sorriu-me quando me pegou ao colo. — Agora já não ficarás sozinha quando tiver de me ausentar.
Depois disso, a vida mudou. A enfermeira da maternidade que o pai tinha trazido desapareceu passadas poucas semanas e a Marina encarregou‐ ‐se da minha mana mais nova. Eu não compreendia como é que aquela coisa vermelha e barulhenta que cheirava mal e desviava a atenção da minha pessoa podia ser uma prenda. Até uma manhã, quando a Alcíone — o nome da segunda estrela das Plêiades — me sorriu da sua cadeira alta ao pequeno‐almoço.
— Ela sabe quem eu sou — disse eu, maravilhada, à Marina, que lhe dava de comer.
— Com certeza que sabe, querida Maia. Tu és a mana mais velha, aquela a quem ela vai admirar. Cabe a ti ensinar‐lhe montes de coisas que tu sabes e ela não.
Conforme crescia, passou a ser a minha sombra, seguia‐me para toda a parte, o que me agradava e irritava na mesma medida.
— Maia, espera mim! — exigia ela, alto e bom som, a trotar atrás de mim.
Embora a Ally — como eu lhe chamava — tivesse começado por ser uma componente indesejada da minha existência onírica na Atlântida, não podia ter pedido uma companheira mais doce nem mais amorosa. Raramente chorava, quase nunca, e não tinha as birras típicas das crianças de colo. Com os caracóis ruivos dourados e os enormes olhos azuis, a Ally tinha um encanto natural que atraía as pessoas, incluindo o nosso pai. Nas ocasiões em que o Pa Salt vinha das longas viagens ao estrangeiro, eu reparava em como os olhos dele cintilavam ao vê‐la, de uma maneira que decerto nunca cintilaram por minha causa. Eu era tímida e reticente com estranhos, mas a Ally tinha uma abertura e prontidão em confiar que enterneciam toda a gente.
Também era uma daquelas crianças que parece ter jeito para tudo — para a música em particular, e qualquer desporto que envolvesse água. Lembro‐me de o pai lhe ensinar a nadar na nossa imensa piscina e, enquanto eu tinha dificuldade em flutuar e odiava estar debaixo de água, a minha maninha mais parecia uma sereia. Eu nem conseguia apreciar o Titã, o iate enorme e lindo que o Pa Salt levava ao mar, quando estávamos em casa, mas a Ally suplicava‐lhe que a levasse no pequeno laser que ele tinha ancorado no nosso molhe particular no lago. Eu agachava‐me na popa atravancada do barco enquanto o pai e a Ally pilotavam nas águas transparentes. A sua paixão conjunta pela vela constituía um laço que eu sentia nunca conseguir replicar. Embora a Ally tivesse estudado música no Conservatório de Genebra, e fosse uma flautista talentosa que podia ter feito carreira com uma orquestra profissional, desde que terminara a escola de música escolhera a vida de marinheira a tempo inteiro. Atualmente, competia regularmente em regatas e já representou a Suíça em várias ocasiões.
Quando a Ally tinha quase 3 anos, o pai chegou a casa com a nossa próxima irmã, a quem chamou Astérope, a terceira das Plêiades.
— Mas vamos tratá‐la por Estrela — tinha dito o Pai, a sorrir para a Marina, para mim e para a Ally, que observávamos a nova familiar deitada na alcofa.
Naquela altura já eu tinha aulas todas as manhãs com um precetor, e a chegada da minha irmã mais nova afetou‐me menos do que afetou a da Ally. A seguir, apenas seis meses depois, juntou‐se a nós outro bebé, uma menina com doze semanas chamada Celeno, nome que a Ally abreviou imediatamente para CeCe.
Só havia três meses de diferença entre a Estrela e a CeCe e, desde que me lembro, as duas criaram laços muito fortes. Eram praticamente gémeas, falavam numa língua de bebé muito própria e, em parte, ainda assim comunicam até hoje. Habitavam o seu próprio mundo, para exclusão das outras irmãs. Mesmo agora, depois dos 20 anos, nada mudou. A CeCe, a mais nova das duas, foi sempre a líder, o corpo atarracado e a pele escura em acentuado contraste com a Estrela, pálida e magra.
No ano seguinte, chegou outro bebé — Taígete, a quem chamei logo «Tiggy» porque o seu cabelinho curto e preto espetava-se em ângulos estranhos na cabecita e fazia‐me lembrar o ouriço‐cacheiro do famoso conto de Beatrix Potter.
Por esta altura já eu tinha 7 anos, e criara um vínculo com a Tiggy desde que a vira. Era a mais delicada de todas, padeceu das doenças da infância umas atrás das outras mas, até de tenra idade, era estoica e nada exigente. Quando o pai trouxe outra menina para casa poucos meses mais tarde, a Marina perguntava‐me com frequência, esgotada, se não me importava de tomar conta da Tiggy, que estava sempre com febre ou mal da garganta. Finalmente diagnosticaram asma, e ela raramente saía do quarto das crian‐ ças, nem sequer no carrinho, não fosse o ar frio e o nevoeiro espesso do inverno genebrino afetar‐lhe o peito.
A Electra era a mais nova das irmãs e o nome assentava‐lhe como uma luva. Nesta altura já eu estava habituada a bebés e suas exigências, mas a minha mana mais nova foi sem dúvida alguma o maior desafio de todos. Tudo nela era elétrico; a sua capacidade inata de mudar num instante do escuro para o claro e vice‐versa traduzia‐se num lar, calmo até então, diariamente a tinir com gritos esganiçados. As birras faziam eco na consciência que eu tinha da infância e, conforme foi crescendo, aquela personalidade volátil não acalmou.
Em privado, eu, a Ally e a Tiggy temos uma alcunha para ela; entre nós três, chamávamos-lhe «Manhosa». Andávamos com ela nas palminhas, desejosas de não fazer nada que desencadeasse outra mudança de humor rápida como um raio. Posso dizer com sinceridade que houve momentos em que a abominei pelo transtorno que causava na Atlântida.
Todavia, quando a Electra sabia que uma de nós tinha problemas, era a primeira a oferecer ajuda e apoio. Tal como era capaz de enorme egoísmo, a sua generosidade noutras ocasiões também se destacava. Depois da Electra, a casa inteira aguardava a chegada da Sétima Irmã. Afinal, tínhamos os nomes da constelação favorita do Pa Salt e não estaríamos completas sem ela. Até já lhe sabíamos o nome — Mérope — e interrogávamo‐nos quem seria. Porém, passou um ano, outro, e mais outro, e não chegaram mais bebés com o nosso pai. Lembro‐me nitidamente de estar com ele no observatório. Tinha 14 anos e acabara de chegar à puberdade. Estávamos à espera de um eclipse, que ele me disse ser um momento seminal para a Humanidade e que geralmente acarretava mudanças.
— Pai — disse eu —, vais trazer para casa a nossa sétima irmã?
A sua figura forte e protetora pareceu imobilizar-se por segundos. De súbito, parecia que suportava nos ombros o peso do mundo. Embora não se virasse, pois ainda se concentrava em apontar o telescópio ao eclipse iminente, soube instintivamente que o perturbara com as minhas palavras.
— Não, Maia, não vou. Porque nunca a encontrei.
***
Quando avistei a tão conhecida sebe de abetos que escudava de olhares inquiridores a nossa casa à beira de água, vi a Marina de pé no molhe e a verdade pavorosa de perder o pai começou finalmente a pesar-me.
Assimilei que o homem que criara o reino onde tínhamos sido todas princesas já não estava presente para reter o encanto.
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