De acordo com o decreto-lei que regulamenta o atual estado de emergência e que vigora desde terça-feira, é proibido comer e beber – como acontecia, por exemplo, com pipocas e refrigerantes - dentro de salas de espetáculo, designadamente salas de cinema.
“Nas áreas de consumo de cafetaria, restauração e bebidas destes equipamentos culturais devem respeitar-se as orientações definidas pela DGS [Direção-Geral da Saúde] para o setor da restauração, não sendo permitido o consumo de alimentos ou bebidas no interior das salas de espetáculo ou de exibição de filmes cinematográficos”, lê-se no diploma que regulamenta a aplicação do estado de emergência.
Para o diretor-geral da FEVIP – Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais, Paulo Santos, esta foi “a cereja no topo do bolo para acabar com a atividade”, depois de terem sido proibidas as sessões à noite (que representavam 40% de receitas da bilheteira) e ao fim de semana a partir das 13:00, já que as receitas dos bares (que normalmente representam um terço do total), eram, atualmente, muitas vezes superiores às de bilheteira.
Isto significa que, ainda assim, era a venda de pipocas e refrigerantes que ia ajudando a manter as salas abertas e em atividade, mas agora com esta proibição, muitos cinemas vão fechar, mesmo os grandes, que se veem incapazes de pagar as rendas, disse Paulo Santos.
“Parece-nos que esta decisão será a causa direta e adequada ao encerramento prematuro de alguns que já eram expectáveis, porque os apoios não estão a aparecer, as linhas de crédito que foram criadas não são aplicadas, na maioria dos casos, aos cinemas, e portanto, se isto fosse batalha naval, eu diria que esta última decisão foi um tiro no porta-aviões, porta-aviões ao fundo”, disse Paulo Santos.
O responsável alerta ainda para a possível inconstitucionalidade da medida, uma vez que não está a ser aplicada de igual forma em diferentes setores.
“Quem tomou esta decisão esqueceu-se de uma coisa importantíssima. Nos aviões pode-se comer sem distanciamento social, nos restaurantes pode comer-se, e bem, com distanciamento social inferior ao que existe dentro nas salas de cinema, porque a disposição dos lugares é feita na diagonal, sem lugares à frente e atrás, o que deixa sempre um espaço nunca inferior a 1,80 metros/2 metros, e, portanto, se nos outros sítios com menos distanciamento social, se pode comer e aqui não, parece-me a mim que se violou o principio da igualdade e da proporcionalidade consagrado constitucionalmente, o que é extremamente grave”.
Na opinião do também diretor-geral da GEDIPE – Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores, “alguém tomou esta decisão sem pensar nas consequências, completamente desenquadrado da realidade, porque não há lugares seguros hoje em dia, mas não há um único caso conhecido de contaminação dentro de sala de cinema em Portugal”.
As preocupações com esta “decisão não ponderada e não pensada e que viola dispositivos constitucionais” já foi transmitida à tutela e vai ser transmitida a outros ministérios, adiantou Paulo Santos.
“Esperamos que vão a tempo de corrigir”, afirmou, confessando, no entanto, não ter muita esperança, porque vê um “desnorte muito grande”, em que se promete o céu e se dá o inferno às pessoas”.
Paulo Santos prevê que resultem desta medida mais de mil desempregados, que vão engrossar as filas dos centros de emprego, e contou que já foi contactado por trabalhadores deste setor a chorar, pelo receio de perderem o emprego e a fonte de rendimento e sustento da família.
“Isto é terrível para quem esta nesta área a assistir a estes dramas, que são diários, são reais, são com pessoas reais, e a que não são dadas respostas que poderiam ser e de uma forma muito simples: linha de crédito específica”.
Deste modo, “empurrávamos o problema para a frente” e quando o mercado recuperasse - o mercado é economicamente viável (no ano passado foram 15 milhões de pessoas a salas de cinema) - pagavam os seus empréstimos e “o Estado não ficava a perder rigorosamente nada”, acrescentou.
“Vamos aguardar quais vão ser as decisões politicas, mas com muito pouca esperança, porque fala-se muito e faz-se muito pouco”.
No começo deste mês, a FEVIP alertava que mais de metade das salas de cinema pode encerrar até ao final do ano se não houver mecanismos de apoio face à pandemia da covid-19.
"Estamos a atravessar um período negro, de que ninguém tem culpa e temos de encontrar soluções, todos, que nos permitam ultrapassar isto, sob pena de fechar", afirmou, na altura, Paulo Santos.
O número de espectadores nas salas portuguesas de cinema caiu 82,1% em outubro, face ao mesmo mês de 2019, com uma descida idêntica ao nível das receitas, revelou o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) no começo de novembro.
Enquanto em outubro do ano passado tinham sido registados 1,39 milhões de espectadores, este ano verificaram-se 249 mil entradas nas sala de cinema, contrariando a relativa melhoria dos números de setembro, o que representa uma quebra acumulada de 72,7% nos números de espectadores em 2020 face ao ano anterior, ou seja, menos 9,3 milhões do que em 2019.
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