“Cristina Reis”, o livro, reúne cartazes, esquissos, estudos para cenários e figurinos, traçando o percurso profissional da cenógrafa e figurinista desde que, em 1975, ingressou no Teatro da Cornucópia, com Luis Miguel Cintra e Jorge Silva Melo, até ao cessar da companhia, em dezembro de 2016.

Segundo a retratada, em declarações à agência Lusa, a obra seguiu um critério acertado entre si e o responsável pela Coleção D da Imprensa Nacional, o designer Jorge Silva.

O critério seguido passou por “fazer com que cada conjunto de uma ou duas páginas pudesse, sucintamente, apresentar algum material que compusesse alguma coisa que uma pessoa pudesse ler com os olhos”, porque “ler não é só ler, é também ler com a cabeça, inventar”, disse Cristina Reis à Lusa, na sessão de apresentação do livro, ocorrida ao final do dia de quinta-feira, na Biblioteca da Imprensa Nacional, em Lisboa.

O novo volume dedicado aos mestres portugueses do design reúne assim cartazes de espetáculos, esquissos e estudos de Cristina Reis sobre os cenários e figurinos que projetou nos 41 anos em que esteve n’A Cornucópia.

Por isso, o livro, segundo as palavras da artista, põe em papel “alguns farrapos que são memórias do que foi”, porque “o teatro não fica”.

“O teatro é efémero, não existe nada a não ser alguns farrapos que são memórias do que foi”, sublinhou Cristina Reis, à margem do lançamento do livro.

Com o material que tem e com o que a companhia de teatro fundada em 1973 já editara em dois volumes, foi possível ter uma ideia “do material” que havia para colocar na obra para a qual o editor Jorge Silva desafiara Cristina Reis, pouco tempo depois do fecho da Cornucópia, recordou a artista à Lusa.

Depois, até porque “se meteu a covid-19”, afirmou, a obra acabou por só ser editada agora, o que deu algum tempo para “pensar melhor” o que ali seria colocado.

Assim, a cada página, “se está um espetáculo, está um cartaz, estão desenhos sobre o espetáculo, esquissos e alguns focos sobre o cenário, bem como de outros elementos que compuseram [esse] espetáculo”, explicou.

Nascida na capital portuguesa em 1945, Cristina Reis fez o curso de Pintura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Em 1960, começou a formação em design no atelier de Daciano Consta, onde trabalhou até 1966, em design de interiores.

Nesse ano rumou a Londres onde, até 1970, completou o curso de Arte e Design Gráfico no Ravensborne College of Art and Design, tendo depois regressado a Portugal.

O cartaz que elaborou para a 1.ª Exposição do Design Português, em 1971, e o catálogo para a 2.ª Exposição do Design, que fez com Alda Rosa, em 1973, constam da parte final do novo livro, tal como o logótipo que concebeu, em 1972, com Margarida Reis, para a SATA — Companhia Aérea dos Açores, assim como os logótipos para a Associação Portuguesa de Atores (1991) e para a Casa da Achada (2008), bem como os desenhos para uma instalação que expôs no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito dos Encontros Acarte 1996.

O grande ‘miolo’ do livro, prefaciado por José Capela, docente na Escola de Arquitetura e Design na Universidade do Minho, é, todavia, ocupado pelo trabalho que fez para a companhia que designa como “família”, o Teatro da Cornucópia, onde passou grande parte da vida.

Imagens de oito peças, entre as quais “A mulher do campo” (1896), de William Wycherley, “A sonata dos espectros” (1986), de August Strindberg, “O casamento de Fígaro” (1999), de Beaumarchais, e “Pílades” (2014), de Pier Paolo Pasolini, são as primeiras mostradas no livro, que abre com uma imagem de Cristina Reis na montagem de “A missão” (1984), de Heiner Müller, em Veneza.

Editado em português e inglês, o livro conta ainda com o depoimento da encenadora francesa Christine Laurent, que colaborou com o Teatro da Cornucópia desde 1994.

A também realizadora francesa define Cristina Reis como “mulher corsário, capitão duma nave em estado de navegar”. E lembra o momento em que a viu pela primeira vez, em Lisboa, em “1983 ou 1984”, no Teatro da Cornucópia, quando a artista estava “de joelhos no palco” a “pintar um céu gigantesco”.

“Cristina é uma artista para quem a ideia de coisa acabada (o trabalho no teatro) tem de se combinar forçosamente, inevitavelmente, com um princípio de inacabado (a obra secreta e pessoal)”, conclui a encenadora francesa que pôs em cena peças com cenários e figurinos da criadora portuguesa.

Cartazes e figurinos da peça “Ah Kiu”, de Bernard Chartreux e Jean Jourdheuil, fotografias de cena de “Casimiro e Carolina”, de Odon Von Horváth, de 1976 e 1977, respetivamente, estudos para cenário da peça “Woyzeck” (1978), de Georg Büchner, a maquete para o cenário de “A vida é sonho” (2003), de Caldéron de la Barca, contam-se igualmente entre as imagens do livro.

Além das 127 páginas compostas sobretudo por objetos gráficos, o livro “Cristina Reis” contém ainda um desdobrável em quatro partes, sobre a capa, com 84 cartazes da artista para outras tantas peças.

Surgem como “uma espécie de selos em tamanho muito reduzido”, disse à Lusa a cenógrafa e figurista, que em 2019 esteve entre os protagonistas da Quadrienal de Praga, onde expôs “The English Cat”, cenografia que criara em 2000 para a ópera de Hans Werner Henze, coproduzida pelo Teatro Nacional São Carlos, em Lisboa, o Rivoli, no Porto e o Teatro da Cornucópia.

“No fundo, com mais ou menos momentos solitários, que toda a gente que faz coisas destas e de outras sabe que tem nos percursos naturais do fazer e da vida, nada disto ali estaria se não através da maravilhosa companhia, com altos e baixos, obviamente”, confessou Cristina Reis à Lusa, numa referência à Cornucópia.

Um livro “não se faz sozinho”, por isso Cristina Reis também se afirma grata e diz ser “importante lembrar” que ele existe, “está ali, porque houve outras pessoas” envolvidas na edição.

Uma obra ainda por cima lançada na Biblioteca da Imprensa Nacional, na rua da Escola da Politécnica, em Lisboa, na vizinhança do Teatro do Bairro Alto, a que a Cornucópia deu vida durante quase 44 anos, num bairro onde a artista “sempre viveu, na casa que era dos pais”, e que “fazia parte do seu percurso diário”, concluiu.