“Não perco o sono por causa do que fiz nem tenho pesadelos com isso”. A citação é de Dennis Nilsen, psicopata escocês, assassino em série e necrófilo sentenciado a prisão perpétua. Abre o 11º capítulo de um livro que não tem por base um estudo de análise comportamental nem uma qualquer tese forense. São 283 páginas de um tratado de como ser pai nos dias que hoje.
“Psicopaita”, assim se chama esta compilação de histórias assinadas por Luís Coelho, que junta citações de assassinos e psicopatas. 22, uma por capítulo. “Presos, condenados à morte e mortos na prisão”, relata este diretor criativo de profissão, que tem no curriculum o livro “Faz-te Homem”, obra que trata de “gajas, porrada, copos, carros, pelos no peito, futebol, gadgets, bares de strip, rabos, regabofe e vaginas”, conforme se lê na promoção da obra.
Depois do manual para os homens de barba rija, este é um relato cru e com humor, um tanto ao quanto negro, da paternidade, escrito na primeira pessoa.
Sem procurar o tradicional orgulho de pai no “o meu filho disse...” ou “a minha filha faz”, Luís Coelho, pai de um menino e uma menina, resume tudo a uma frase inscrita na capa: “tudo o que as crianças fazem que dá vontade de as esganar”.
O livro demorou a ganhar vida, embora fosse ganhando vida própria ao longo de cinco anos. O culpado foi Pedro Sampaio Nunes, pediatra, responsável pelo prefácio, que na consulta de preparação para a vida do primeiro filho (André) avisou os pais: “quando um estiver com a cabeça em água vai apanhar ar, e o outro aguenta as pontas, e depois trocam”, recorda o diretor criativo, que ficava “tresloucado com os choros e birras” e que quando “ia apanhar ar” apontava “num caderno de notas” a sã loucura sentida.
“O miúdo fez isto e aquilo”, escrevia em “papéis” e no “telemóvel”, anotação redobrada com o nascimento da filha (Sofia). “Muitas não utilizei por já não me lembrar do contexto”, refere. “Era o meu exorcismo”. garante.
Admite que escreveu o livro em momentos de “irritabilidade e tensão”. Mais calmo, “quando os miúdos dormem”, chocava-se com as palavras. “É pá estava mesmo lixado com o puto”, exclama. “A bipolaridade dos pais é muito engraçada. Se alguém ler o livro quando está de cabeça perdida, dirá isso mesmo. Se estiver feliz às mil maravilhas, perguntará como é que alguém pode escrever isso”, admite.
“Queria duas pilas porque para mim era mais fácil educar rapazes”
Antes de escrever, pôs-se na posição de leitor do livro do psiquiatra Pio de Abreu "Como Tornar-se Doente Mental?". Luís Coelho vislumbrou que bastava apresentar “três de cinco sintomas para ser diagnosticado psicopata (idêntico a ser pai)”. A saber: “estado de irritação constante (noites sem dormir); incapacidade de realizar projetos (um filho não dá tempo para nada); mentir e enganar os outros para proveito próprio, que é o que os pais fazem... se não comes vem o papão”, identifica, um a um. Por isso, com naturalidade, assume que um pai vira “psicopata por causa dos filhos”.
A paternidade chegou aos 30 anos. Tal como a primeira máquina da roupa. “Dei por mim a falar com a minha sogra de temperatura, lãs e algodões”, recorda.
Quando o primeiro filho nasceu não lhe pegou ao colo. “Sei o que acontece aos telemóveis quando os tenho nas mãos. Deixar cair um telemóvel é diferente...”, ri. Ao segundo filho (neste caso, filha), descobriu que são de borracha. “Um amigo meu, pai de 4, dizia que quando o primeiro filho engole uma moeda vai tudo para as urgências. No segundo, esperamos que sai no cocó. No terceiro, desconta na mesada”, explica.
Assume que a filha foi tratada “mais à bruta”. Agora, pois quando soube que era menina ficou em choque. “Apostei pilinha, calhou pipi”. Queria “duas pilas”, por ser mais “mais fácil educar rapazes”, assume. “Compreendo melhor e antecipo o percurso”. Pelo meio, assume, tem “medo” que a filha “encontre uma das personagens do meu anterior livro ("Faz-te homem")”, e arrepia-se. “Vou ser muito mais protetor em relação a ela. É retrógrado”, reconhece, dizendo-se preparado para enfrentar toda a espécie de comentários.
Para além da diferença de géneros, a hiperatividade é igualmente retratada, usando o humor para falar de coisas sérias. “É um problema sério, e que deve ser deixado a quem sabe do que está a falar e não aos pais que não têm paciência para aturar os filhos”, diz. “É o diagnostico mais rápido a fazer por parte dos pais. Embora lá dar Ritalina. Esses pais deviam levar umas bofetadinhas na trombinha”, assegura.
Escreve sobre a experiência de nascimento dos filhos, das mudanças que a filha trouxe, da mulher (Marta). Assume que, como qualquer pai, entrou várias vezes em pânico. “Na primeira queda com sangue na boca, fiz figura de tolinho (no hospital) a pensar que (a criança) tinha a boca toda partida, e afinal não era nada… Mandaram-nos para casa”.
O perigo é uma atração. “As crianças são atraídas por tudo aquilo que lhes pode fazer mal. Numa sala, com brinquedos e um cato, eles brincam com o cato”, sussurra.
“Não me chateies que agora está a dar o Benfica. E toma lá o tablet”
Reconhece ter sido, de início, anti-tecnologia. O fundamentalismo durou até ao momento em que “começamos a dar a comida à boca e, depois de muita birra, desenhos animados no computador e é um espetáculo”. Foi sol de pouca dura. “Fomos para o lado negro... Cedemos, e depois descambou, e tivemos que pôr travão” testemunha.
Com avanços e recuos, informa que a ama dos filhos tem “64 Gigas de memória, 4,7 polegadas e veio da China”. É uma saída fácil. “Não me chateies que agora está a dar o Benfica. E toma lá o tablet”. E por falar em preferências clubísticas, assegura, como pai e chefe de família, que enquanto o filho “viver lá em casa, será do Benfica”.
Fraldas? Banhos? Dá resposta rápida e limpa ansiedades. Banho foi sempre uma das suas tarefas. “O cocó deixo para a minha mulher”, informa. Se a mulher é compreensiva, “infelizmente os meus filhos não concordam comigo, e sempre que a mãe sai de casa e fico com eles em casa é a lei de Murphy”, encolhe os ombros.
Luís Coelho tem dois filhos. “Um filho por braço de pai é o limite". A mulher “concorda”, informa. “Não necessitamos de meter mais crianças no mundo. Necessitamos sim, de melhores crianças”, avisa. “É diferente. Enquanto não formos capazes de dar uma educação que forme melhores homens e mulheres, não vale a pena”, alerta, rindo.
Idas às festas fazem parte da obrigação de pai (e mãe). Quando os vai buscar sai sempre a pergunta pelo (bom) comportamento. “A regra é portarem-se mal”, dispara. Ora, como a “criança da vizinha porta-se sempre melhor que a minha”, quando, nessas ocasiões, recebe elogios, faz uma pergunta sem resposta. “Onde está este gajo? Ele não é assim em casa”, lamenta.
“Cá se fazem, cá se pagam”
Ora, se é em casa alheia que o bom comportamento se faz notar, deixa no ar uma sugestão de futuro relacionamento: “que vá viver para lá e depois marcamos um café para ver como está”. Ou então, “encontrar um conjunto de pais com miúdos da mesma idade e metê-los a rodar à semana, num 'agora fico com os teus, toma lá os meus'. Faziam estágios e tínhamos miúdos bem-comportados”, antecipa.
Por experiência anuncia que “há a fase do medo do escuro, xixi na cama, a do nascimento da irmã e a ciumeira”. Por isso, os filhos dormem sempre na cama dos pais. “Há sempre um no meio e quando nasceu o André, o quarto virou um triplo”, desvenda.
Admite que para os pais “fica mal” dizerem se têm filhos preferidos, mas os filhos não têm problema em assumir. “O meu filho está sempre a dizer que gosta mais da mãe”.
Se “até os psicopatas têm emoções” (Richard Ramirez), Luís Coelho, o pai, assume sem pestanejar que ama os filhos como nunca imaginou “amar um ser humano”. Um amor que “não implica que não tenha vontade de lhes limpar o sarampo de vez em quando”.
“Um dos trabalhos dos filhos é envergonhar os pais”, relata. Está desvendada uma das razões porque escreveu o livro. “Tenho o direito de os envergonhar”. A outra das razões é o perpetuar a vida a quatro — “assenta numa espécie de vingança”, frisa.
“Se o meu maior desejo era que eles se despachassem a sair de casa, a minha maior vingança será ir viver para casa deles quando for mais velho”, lê-se nas linhas finais do livro “Psicopaita”. Um livro que termina com um recado: “Cá se fazem, cá se pagam”. Fim.
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