Existe o mito de que um realizador - "the director" - só o é na sua plenitude quando já passou ou está muito perto dos 50. E existe uma realidade que comprova que a maior parte dos realizadores premiados não são jovens - e alguns chegaram já efetivamente à idade de ouro.  Relembremos alguns dos favoritos recentes: Iñárritu, Cuarón, Ang Lee, Danny Boyle, irmãos Coen, para não falar em nomes como Polanski, Ron Howard, e claro, Scorcese e Clint Eastwood. Muitos dos grandes  nomes da realização começaram a fazer filmes relativamente cedo nas suas carreiras, mas só acabaram reconhecidos após vários anos de atividade. Alguns nunca ganharam sequer um Óscar -  como é o caso de Stanley Kubrick e do próprio Alfred Hitchcock.

Tomemos o exemplo de Clint Eastwood que se tornou famoso com os seus papéis em filmes como Dirty Harry, mas que foi premiado pela primeira vez como realizador em 1992, na altura já com 62 anos. Spielberg tinha 47 anos quando venceu com o filme A Lista de Schindler - e foi considerado um jovem vencedor na altura. Scorsese já tinha 64 anos quando ganhou com Entre Inimigos. Woody Allen venceu o seu único Óscar com Annie Hall, na altura tinha 42 anos (convenhamos que, mesmo com a mudança na forma como se olha para a idade, não estamos a falar propriamente a falar de um jovem).

Parece haver uma lei geral no cinema que consiste em não poder haver um realizador premiado que apresente menos de 40 anos

Os exemplos sucedem-se - nos  anos mais recentes como no passado mais distante. Quando, por dois anos seguidos, ganhou o Óscar como melhor realizador (1940, As vinhas da ira, 1941, O vale era verde) John Ford já tinha, respetivamente, 46 e 47 anos. Alejandro Iñárritu, melhor realizador consecutivamente nos últimos dois anos (em 2014 com Birdman e em 2015 com The Revenant) já tinha passado dos 50 (nasceu em 1963).

Resumindo, parece haver uma lei geral no cinema que consiste em não poder haver um realizador premiado que apresente menos de 40 anos. Em 88 edições da cerimónia dos Óscares, 72 dos realizadores premiados tinham mais de 40 anos, sendo que a faixa etária em que se encontram mais oscarizados é entre os 40 e os 50 anos. A teoria da validação após os quarenta parece confirmar-se, a experiência acaba por ser valorizada na altura de premiar os realizadores.

O que torna Chazelle excecional e uma exceção à regra em Hollywood?

Claro que há excepções. Em 2000, Steven Soderbergh saiu vencedor com Tráfico quando tinha apenas 37 anos. Um ano antes, em 1999, Sam Mendes, levou para cada a estatueta por Beleza Americana e ainda tinha 33 anos, faria 34 anos meses mais tarde. Mas, até à data, o realizador mais novo de sempre a receber a estatueta foi Norman Taurog, em 1931, na altura com 32 anos e 260 dias, pelo filme Skippy. Este recorde, que se mantém há oitenta e quatro cerimónias, pode ser batido esta noite por Damien Chazelle que com a realização de La La Land e, após ter completado 32 anos em Janeiro, é tido pelos críticos como o principal candidato a vencer o prémio este ano. O que torna então Chazelle excecional e uma exceção à regra em Hollywood?

Damien Chazelle nasceu a 19 de Janeiro de 1985, altura em que Milos Forman se preparava para receber o Óscar de Melhor Realização com Amadeus. Filho de um casal de professores, Chazelle começou a sua carreira como baterista numa banda amadora de jazz que não correu muito bem, mas que acabou por o levar a prosseguir a sua eterna vocação: o cinema.

Decidiu estudar a sétima arte em Harvard, acabou o curso em 2007 e  dois anos depois, estreou a sua primeira longa metragem, Guy and Madeleine on a Park Bench. Este filme de baixo orçamento, sem cor, foi o primeiro esboço para a criação de algo que, sete anos mais tarde, viria a ser La La Land. Baseava-se nas mesmas premissas: um filme musical que conta a história de um trompetista de jazz que desenvolve uma louca paixão por uma tímida jovem da cidade de Boston. Foi com Guy and Madeleine que Chazelle começou a desenvolver o seu estilo, com planos energéticos entre personagens e com a primazia pela componente musical.

A segunda aposta de Chazelle foi Whiplash, inspirada na sua experiência enquanto baterista-estudante, constantemente desafiado pelo seu professor de música a alcançar a perfeição. O que começou como uma curta metragem premiada no Sundance Film Festival de 2014, deu ao realizador a atenção necessária nas ruas de Los Angeles para, um ano depois, poder dirigir o filme baseado no argumento anteriormente escrito. Este acabou por vencer três Óscares da Academia, com destaque para a performance de J.K. Simmons como professor perfeccionista. Foi com Whiplash que Chazelle teve a primeira oportunidade de demonstrar o seu talento para contar histórias e, finalmente, abrir caminho para o seu projeto de vida (até à data): La La Land.

Chazelle, juntamente com Justin Hurwitz, amigo da faculdade e braço-direito na sua carreira, percorreram um caminho de obstáculos, antes de conseguirem luz verde para a produção do seu projeto seguinte. Inicialmente, em Hollywood, ninguém estava convencido com a ideia do filme. Os musicais já não eram reconhecidos, especialmente as produções originais, e tendo em conta a pouca rentabilidade do estilo jazz, a falta de charme da cidade de Boston e o facto de os protagonistas não acabarem juntos num romance interminável, tornava o projeto bastante “ambicioso” para não dizer de difícil concretização.

Mas isso não os fez  desistir. Aliás, Chazelle confessou que tinha em mente não largar as cenas mais arrojadas do filme, mesmo antes de assegurar qualquer orçamento de produção. Foi graças ao espírito aventureiro da produtora independente Lionsgate que o projeto foi devidamente para a frente, com os custos de produção ajustados às ideias do realizador, o que permitiu que o filme fosse  tão inovador e capaz de concorrer com as mega-produções repletas de efeitos visuais e explosões que recentemente caracterizam o cinema norte-americano. Também terá contribuído para a boa vontade dos investidores o factor de a história passar a centrar-se em Los Angeles em vez de Boston.

Com um orçamento superior a 20 milhões de dólares assegurado e com a entrada de Ryan Gosling e Emma Stone no cartaz, deu-se início ao desenvolvimento do que é considerado o novo “clássico musical de Hollywood”.

A cena inicial foi gravada durante dois dias inteiros, com centenas de dançarinos e com uma temperatura de 40º.

Para Chazelle, era vital o filme começar com grandiosidade, com uma cena que demonstrasse de que é que o filme se tratava mas que, simultaneamente, criasse impacto na audiência porque, segundo o mesmo, “o início é quando a audiência está mais suscetível, o mais vulnerável e o mais fértil”. A cena inicial foi gravada durante dois dias inteiros, com centenas de dançarinos e com uma temperatura de 40º. Para concretizar a sua visão, Chazelle contou também com a dupla Stone e Gosling que cantaram ao vivo em grande parte das gravações para garantir integridade musical e que se prepararam exaustivamente para fazer as cenas num só take, com improviso frequente. Muito do mérito é, no entanto, atribuído a Hurwitz, que mais uma vez foi o responsável pelo elemento musical, com uma banda sonora ousada onde se destaca a música City of Stars com o assobio de Gosling a ficar melodiosamente no ouvido. O final do filme também vai ao encontro da sua visão, com uma longa cena, sem voz, sem diálogo e com um plot twist - em termos correntes, a chamada reviravolta à mistura para surpreender a audiência.

É fácil pensar que alguém que chegou ao topo tão cedo, especialmente numa indústria tão competitiva, teve a vida facilitada. Mas não foi isso que aconteceu. O caminho de Chazelle para chegar aonde estará na noite de hoje foi longo e demorado, apesar da sua idade. (claro que a ideia de tempo é sempre relativa; Martin Scorcese demorou 30 anos a conseguir fazer o filme Silêncio e nem sequer teve direito a nomeação para os Óscares deste ano). Mas, sendo Chazelle tão jovem e sendo os jovens tão impacientes, podemos admitir que soube esperar e soube não desistir. O  argumento de Whiplash demorou três anos até se tornar um projeto viável. O projeto de La La Land enfrentou vários desafios para ser credibilizado devido a todo o risco que englobava.

Mas se há um fator que poderá justificar o sucesso de Chazelle é a mestria com que usa a nostalgia nos seus filmes. Em Whiplash, através da sua história e do seu sonho, relembra que a capacidade de superação, mesmo quando não somos os melhores à partida, depende de nós. Em La La Land, tenta simplifica um mundo moderno cada vez mais online, usando registos que se conheciam há cinquenta, sessenta  anos. Não conhecem em concreto os seus próximos projetos, mas a sua valorização deve muito à valorização que procurou trazer à história de Hollywood, à música e -  porque sendo um tema universal é especialmente querido à América - à  perseguição de sonhos. Uma trilogia simples com que acabou por atrair o público em geral e ao mesmo tempo receber críticas notáveis da indústria. Não foi surpresa vêmo-lo tornar-se no mais jovem realizador de sempre a receber a estatueta de Melhor Realização este domingo.

[Notícia atualizada às 05h02 com a vitória de Damien Chazelle]

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