Assinada pela atriz egípcia Samiha Ayoub, a mensagem do Instituto Internacional do Teatro (ITI, na sigla original em inglês), aponta ao estado do mundo, “a esta vil imagem de brutalidade, racismo, conflitos sangrentos, formas de pensamento único e de extremismo”, e visa o reencontro com o ser humano livre e tolerante, reconhecendo no teatro e na sua capacidade da representação da vida, sob todas as perspetivas, a possibilidade de “enfrentar as trevas da ignorância e do extremismo”.
“Convido-vos a levantarem-se todos juntos, de mãos dadas e, ombro a ombro, gritarem bem alto, como é hábito fazermos nos palcos dos nossos teatros, e a deixarem sair as nossas palavras para despertar a consciência do mundo inteiro, para encontrar em nós mesmos a essência perdida da Humanidade”, escreve a atriz egípcia escolhida pelo ITI para redigir a mensagem oficial do Dia Mundial do Teatro 2023.
“A nossa humanidade, que se tornou duvidosa”, talvez “volte um dia a ser uma certeza categórica que nos fará sentir orgulho em sermos humanos”, prossegue Ayoub, num apelo que estende aos profissionais das artes de palco, “dramaturgos, encenadores, atores, cenógrafos, poetas, coreógrafos e técnicos, todos sem exceção”.
“Por estarmos na vanguarda da confrontação com tudo o que é feio, sangrento e desumano […] com tudo o que é belo, puro e humano […], somos nós, e mais ninguém, quem tem a capacidade de espalhar vida”, frisa a atriz, exortando os profissionais a agir “em nome de um só mundo, de uma só Humanidade”.
Veterana dos palcos egípcios e uma das mais premiadas atrizes do seu país, Samiha Ayoub afirma que “cada fibra” do seu ser “estremece perante o fardo” imposto pelas “pressões esmagadoras e sentimentos contraditórios” do mundo atual, com os seus “conflitos, guerras e catástrofes naturais” devastadores, à paz psicológica e ao mundo espiritual, agravando o próprio peso da responsabilidade de ser ator.
A atriz defende que nunca como agora os seres humanos estiveram “tão estreitamente ligados uns aos outros”, nem “tão dissonantes”, apontando assim “o paradoxo dramático que o mundo contemporâneo impõe”.
Apesar das atuais formas de comunicação, “que venceram todas as fronteiras geográficas, os conflitos e as tensões a que o mundo assiste ultrapassaram os limites da perceção lógica e criaram, no meio dessa aparente convergência, uma divergência fundamental que nos afasta da verdadeira essência da humanidade”, escreve Samiha Ayoub.
“O teatro, na sua essência original, resume-se a um ato puramente humano baseado na verdadeira essência da humanidade, que é a vida”. Por isso, prossegue, dirigindo-se aos profissionais, quando entrarem num teatro, “deixem toda a poeira e sujidade lá fora”, todas “as preocupações mesquinhas […] que estragam as vossas vidas e desviam a atenção da arte”, escreve, parafraseando o dramaturgo e pedagogo russo Konstantin Stanislavsky, autor de “O Método”.
“Assim que subimos ao palco, fazemo-lo com a única vida que há em nós, aquela que existe num único ser humano”, uma vida com “uma enorme capacidade de se dividir, de se reproduzir e de se transformar em muitas vidas”.
“Somos nós quem dá à vida o seu esplendor. Somos nós quem a personifica em carne e osso. Somos nós quem a torna vibrante e lhe dá significado. E somos nós quem lhe confere as razões para a compreender. Nós somos aqueles que usam a luz da arte para enfrentar as trevas da ignorância e do extremismo”, opondo-lhes “os valores da verdade, do bem e da beleza”, porque “a vida merece ser vivida”, conclui Samiha Ayoub.
Nascida em Shubra, na capital egípcia, em 8 de março de 1932, Samiha Ayoub tem uma carreira de mais de meio século no teatro, cinema e televisão. Vencedora do Prémio Nilo das Artes, administrou The Modern Theatre, nos anos de 1970, e dirigiu o Al-Qawmy Theatre, de 1975 a 1985. A sala principal do Teatro Nacional do Egipto tem o seu nome.
Iniciativa do ITI, organismo afeto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO), o Dia Mundial do Teatro assinala-se a 27 de março, desde 1961.
A tradução portuguesa da mensagem oficial deste ano foi feita pelo ator Tiago Fernandes, do elenco residente e da direção do Teatro do Noroeste — Centro Dramático de Viana.
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