Após ter visto muitas coisas sobre a peça clássica de Molière, incluindo muitas encenações da ‘comédie française’, o encenador António Pires optou por não se “agarrar a nada do que tinha visto”, optando por pôr em palco “o lado do autor que tem muito de ´commeddia dell´arte` e do teatro popular”.
Até porque Molière (1662-1673) andou de um lado para o outro durante anos antes de chegar ao palácio (do rei Luís XIV), indicou o encenador.
“Aquela coisa de ela [Elvira, uma das personagens amadas e abandonadas por Don Juan] andar por ali a dançar, aquelas coisas de quase palhaço, o jogo do palhaço, as ´chapadas` com as mãos, que eu acho que colavam no texto” dá muto a ideia de uma ´comeddia dell´arte”, sublinhou António Pires.
O encenador frisou ainda ter optado por uma encenação que privilegia o jogo, algo que usa com frequência no seu trabalho.
Daí que nesta encenação de “Don Juan”, todas as personagens façam muito jogo com as pernas, entrem muito de um lado e de outro no palco, num jogo em que as marcações são quase visíveis, tanto quanto os truques, resultando num jogo “muito ingénuo e sem sofisticação na marcação”.
O cenário está fixado de forma simples — uma floresta — dando ideia de um teatro à italiana com os atores a entrarem ora do lado direito ora do esquerdo da cena, num espaço seco e despojado onde apenas pontua um banco de madeira e, por escassos momentos mais tarde, uma mesa, também de madeira.
Homenageando o autor de teatro barroco francês nos 400 anos de nascimento de Molière, António Pires põe em cena um teatro com telões pintados explorando a tridimensionalidade do espaço e a perspetiva.
O tema de Don Juan, que surgiu pela primeira vez por volta de 1630, com uma peça de Tirso de Molina, centra-se numa personagem, implacável, um homem dissoluto e imoral, incapaz de se arrepender, em que Molière se inspirou para escrever esta peça que sucedeu a “Tartufo”.
A personagem central da peça é um sedutor infiel, mentiroso e orgulhoso que despreza a hipocrisia e não tem consciência moral, pondo em questão valores da época, como a honra, o casamento, a família e a religião, ignorando e troçando do castigo divino.
Don Juan é, pois, uma personagem que não mostra arrependimento nem mesmo no final da peça, quando é levado para a morte.
Como contraponto a Don Juan, surge o seu criado Esganarelo, que nesta peça assume quase o ‘alter ego’ do seu amo, chamando-o à razão, tentando sempre que se integre na sociedade ao recordar-lhe com insistência as consequências da vida que leva, fazendo com que se assista a uma encenação no repique das duas personagens.
A verdade e a mentira, os amores e os desamores, exibidos em palco nas personagens em collants, perucas brancas e bochechas rosadas não deixam, contudo, de fornecer o público o texto de Molière todo ele perpassado pelo tema da hipocrisia.
Com tradução de Fátima Ferreira e Luís Lima Barreto, interpretam “Don Juan” Carolina Campanela (Elvira), Carolina Serrão (Carlota, Violette), Catarina Vicente (Maturina, Espectro), Francisco Vistas (Gusmão, Don Carlos), Hugo Mestre Amaro (Don Alonso, senhor Domingos), Jaime Baeta (Don Juan), João Barbosa (Esganarelo), Luís Lima Barreto (Don Luís, estátua do Comendador), Mário Sousa (Pedrito, pobre).
A conceção do cenário é de Alexandre Oliveira, com desenhos e pinturas de Jacqueline de Montaigne e os figurinos são de Luís Mesquita.
No desenho de luz e de som estão Rui Seabra e Paulo Abelho, respetivamente.
A peça vai estar em cena até 27 de fevereiro, com sessões de quarta a sexta-feira, às 21:30, e aos sábados e domingos, às 18:00.
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