Venceu o Festival da Canção na noite em que a sua ilha tremeu. Só o soube no final da gala e pela pergunta de um jornalista. Diz que a sua equipa a protegeu dessa informação porque sabiam que tal a afetaria. Mas nem um sismo de magnitude 5.3 estragou a festa que estava preparada para assistir à emissão que lhe daria um bilhete para os Países Baixos.
Foi com "Medo de Sentir" que ganhou a atenção (e os pontos) do júri e fãs. Nesta conversa conta como nasceu o tema, que é assinado por Marta Carvalho, e responde às perguntas que todos os fãs querem saber. Irão voltar a dividir o palco na Eurovisão? A canção sofrerá mudanças?
Entre dúvidas e certezas, Elisa só não esconde o receio da Eurovisão estar em risco com a Europa como foco principal da epidemia do novo coronavírus. "Gostava que se realizasse, mas acho que o que importa, acima de tudo, é a saúde de todos", salienta.
"Acho que só quando estiver em Roterdão é que me vai cair a ficha"
Já deu para parar, respirar e ver as imagens da gala da final?
Por acaso já consegui. Consegui ver com amigos enquanto jantava. Vi a gala toda, mas não vi mais nada. Como vídeos no YouTube.
Qual foi a primeira coisa que pensaste quando são revelados os 10 pontos do público e se percebe que seriam vocês as vencedoras?
Sinceramente, não me lembro. Acho mesmo que não pensei em nada. Estava incrédula, e acho que isso dá para ver nas imagens. Não me lembro o que é que pensei. Talvez nada, era um deserto dentro do meu cérebro. Foi tudo muito rápido e não deu tempo para reagir.
Quando é que te apercebeste de tudo o que aconteceu? Quando chegaste ao quarto de hotel e paraste?
Acho que ainda não me apercebi muito bem. No momento em que subimos ao palco entendi a dimensão da coisa, mas mesmo assim parecia que ainda estava a sonhar. Acho que só quando estiver em Roterdão é que me vai cair a ficha.
Uma das grandes diferenças entre a primeira eliminatória e a final foi a presença da Marta em palco. Quando e porque é que tomaram essa decisão?
Tivemos poucos dias para tomar essa decisão, e foi tida em equipa e com a GreatDane [produtora]. Pensámos que ter a Marta comigo em palco faria todo o sentido e daria ainda mais força ao staging e à música. Tínhamos gravado há pouco tempo uma versão acústica juntas. O vídeo está no YouTube e recebemos imensos comentários a dizer que era lindo caso conseguíssemos incorporar esta versão no espetáculo. Ela estar comigo em palco deu-me imensa força.
Sentires que estavas acompanhada diminuiu o nervosismo?
Muito. Até porque antes de entrar em palco tivemos um momento muito bonito. Demos as mãos, viramo-nos uma para a outra e dissemos: 'Isto vai correr bem. Acreditas em mim? Eu acredito em ti!'.
"Gostava muito de ter a Marta comigo em palco na Eurovisão"
Tem-se falado que voltamos a levar uma dupla à Eurovisão. De quem é que se sentem mais próximas, do Salvador e da Luísa ou da Isaura e da Cláudia?
Não sei, nunca pensámos muito nisso. Ainda estamos em reuniões, mas gostava muito de ter a Marta comigo em palco na Eurovisão. Vamos ver o que é que decidimos. É normal que as pessoas nos estejam a comparar muito mais à Cláudia e à Isaura, até porque somos mulheres, mas acho que é tudo muito diferente.
Cantarem ou não juntas em Roterdão é uma das questões que tinha aqui de lado para fazer. A possibilidade tem despertado a curiosidade dos fãs portugueses da Eurovisão. Isso e se vão fazer alterações ao tema ou palco que vão levar a Roterdão. O que é que já está a ser planeado?
É como já disse, ainda estamos em reuniões. Mas é óbvio que todas as mudanças que fizermos vão ser sempre para melhorar e para dar mais ênfase à música. Porque o que interessa mesmo é a música e a mensagem que ela transmite. Queremos criar uma narrativa com o staging, mas ainda estamos em reuniões e ainda não está nada decidido.
Já pensaram fazer uma versão em inglês do tema?
Por acaso, não. Nunca falámos sobre isso. Pelo menos a meu ver — a música não é minha e a Marta se quiser, faz —, quando se traduz alguma coisa para outra língua há sempre algo que se perde. Nunca é 100% a mesma coisa. A música tem uma mensagem tão bonita e a letra em si faz tanto sentido com as palavras portuguesas que acho que iria perder alguma coisa caso fizéssemos em inglês.
O facto de existirem duas Elisas nesta edição do Festival da Canção pode ter confundido o público?
Acho que não, de todo. Somos duas Elisas diferentes. Ela Elisa Rodrigues, eu só Elisa. As duas músicas são muito diferentes, a vibe das atuações era muito diferente... Quem estivesse atento não ficaria confundido.
Tu assinas Elisa desde sempre?
Assinava Elisa Silva.
Quando é que se dá a mudança?
Quando vim trabalhar para a GreatDane e quando quis começar a lançar os meus originais. Elisa faz mais sentido. É um nome pequenino e está a andar.
Foi na GreatDane que conheces a Marta, mas como é que vieste parar a estes estúdios?
Sou da Madeira e vim para Lisboa em 2018, apenas para estudar. Queria ter entrado na Escola Superior de Música de Lisboa mas não passei na primeira audição. Tive de ir para o meu plano b, que era Estudos Artísticos na Faculdade de Letras. Estava a distanciar-me imenso da música e, um dia, decidi aparecer numa jam session no Menina e Moça. No final, uma rapariga vem ter comigo, disse que se chamava Tainá, que estava a gravar um álbum e perguntou se tinha alguma coisa. Respondo que não, que estava completamente longe da música naquele momento. Então ela disse-me para passar nos estúdios da GreatDane, onde estamos, e onde ela estava a gravar. Vim cá, gostei muito deles, e eles de mim, e fizeram-me uma proposta.
Só conheci a Marta uns meses depois de ter entrado. A primeira conversa profunda que tivemos foi quando ela me convidou para interpretar um tema no Festival da Canção.
"Às vezes tenho medo de sentir porque do nada parece que o chão pode cair"
E disseste logo que sim?
Aceitei sem pensar duas vezes. Nem estava a acreditar que aquilo estava a acontecer.
O que é que sentiste quando cantaste pela primeira vez o tema escrito pela Marta?
Tivemos uma conversa, dias depois dela me ter convidado, e, a certa altura, eu disse 'às vezes parece que tenho medo de sentir'. Ela pegou nisso, começou, do nada, a escrever e compôs o tema num dia.
O que é que te fez dizer que às vezes parece que tens medo de sentir?
Eu sou uma pessoa muito sensível. Todos nós passamos por obstáculos e coisas que nos deitam abaixo. Depois, quando acontece uma coisa muito boa, não conseguimos ficar felizes e temos medo do que possa vir a seguir. Eu sei que isto pode parecer super dramático, mas às vezes a minha cabeça pensa dessa forma. Era disso que estava a falar com a Marta. Às vezes tenho medo de sentir porque do nada parece que o chão pode cair.
Tu não tens sotaque nenhum.
Isso é mentira.
Disseste ali um 'bonito' onde te denunciaste, vá.
Quando a terra tremeu na Madeira, poucos minutos antes da final ir para o ar, soubeste no momento ou já não havia telemóveis por perto aquela hora?
Já o tinha acontecido na primeira semifinal, fiquei longe do telemóvel umas boas horas antes. O mesmo aconteceu na final. As pessoas podiam ligar ou mandar mensagem que eu estava noutra.
A minha equipa sabia só que decidiu não contar para não me deixar alarmada, e fizeram muito bem. Sabiam que aquilo ia afetar-me. Na conferência de imprensa [no final da gala] alguém perguntou: 'sei que é uma pergunta parva, mas acha que este sismo tem alguma a ver com o ter ganho?'. A responsável pela imprensa olha para mim com uma cara e diz: 'A Elisa não sabe o que aconteceu'. Só soube aí.
Nem te apercebeste que alguém já o tinha dito no momento em que o júri regional da Madeira deu a sua pontuação?
Pensava que era a brincar, não entendi de todo. Passou-me ao lado, e ainda bem que me passou ao lado. Claro que depois da conferência de imprensa liguei logo para a minha família que estava na Madeira. Estava tudo bem, foi só um susto.
"Lembro-me de esgotar o saldo dos telemóveis do meu pai e da minha mãe a votar. Queria tanto que a Vânia Fernandes ganhasse, e ganhou"
Um susto num dia em que havia preparativos para uma grande festa com direito a ecrã gigante para acompanhar a emissão da RTP?
Havia e houve. Eu sou da Ponta do Sol, na zona oeste da Madeira. Tenho muita sorte, sempre me apoiaram. E, desta vez, decidiram instalar um ecrã gigante no Centro Cultural John dos Passos.
Era como se o Ronaldo estivesse a jogar?
Por acaso lembrei-me disso. Quando vemos os jogos da seleção também se instalam estas coisas. Foi assim só que versão Festival da Canção. Já agradeci, mas volto a agradecer. Foram incansáveis, deram-me muito carinho e mandaram-me muitas mensagens... E isso teve um impacto muito grande em mim.
Foi nestes moldes que em 2008 assististe à vitória do Festival da também madeirense Vânia Fernandes?
Eu tinha 8 ou 9 anos, assisti em casa. Não conhecia a Vânia nessa altura, mas depois ela foi minha professora de canto. Ela é uma pessoa incrível. Merecedora deste mundo e do outro. Lembro-me de esgotar o saldo dos telemóveis do meu pai e da minha mãe a votar. Queria tanto que ela ganhasse, e ganhou. Depois disso toda a gente cantava a "Senhora do Mar".
"Tivemos de ir à farmácia, tirámos uma senha, que ainda tenho guardada, e dizia 'E07'. 'E' tanto dá para Elisa como para Elvas e '07' era a música e o dia"
Ela deu-te algum conselho para a tua participação no Festival?
Não me deu muitos, apenas disse para aproveitar o momento, não olhar para a Internet, e fazer o que gosto mais de fazer, que é cantar. Ela ligou-me logo quando soube que ia participar no Festival, e deu-me os parabéns. Mas todos os conselhos que deu foram muito orientados para a minha parte emotiva e para o meu bem-estar.
Por acaso quando comecei nas aulas de canto com ela perguntei-lhe como é que tinha sido na Eurovisão e ela disse que [lá] era tudo muito fixe, apesar de haver alguma competição. Mas, no dia da final, um grupo passou pela comitiva portuguesa, mandou um sorriso e fez um aceno de cabeça, como quem diz 'força, vai correr bem'. E que aquilo mexeu muito com ela, deu-lhe uma força.
Somos um país muito caloroso, eu própria senti isso na green room da final [do Festival da Canção]. Estávamos todos a torcer uns pelos outros. Já vi que nos outros países levam a coisa super a sério, mas não queria nada perder a amizade e a oportunidade de conhecer outras pessoas que fazem música.
Explica lá a tua teoria do número sete.
Eu nasci no dia sete de maio, por isso sempre gostei muito do número. E tem piada porque costumo ver o número sete em vários momentos especiais. Quando vim morar para Lisboa, sem saber, vim para um prédio que é o número sete, comecei a cantar quando tinha sete anos... Existem mais coisas. Quando vi que ["Medo de Sentir"] era a canção número sete e que a final era no dia sete de março fiquei super feliz. Pensei logo que ia dar sorte — não pensei que fosse ganhar. E por acaso aconteceu uma coisa muito engraçada quando chegámos a Elvas, reparei no telemóvel e eram 17h07. Depois, eu e a Marta tivemos de ir à farmácia, tirámos uma senha, que ainda tenho guardada, e dizia 'E07'. 'E' tanto dá para Elisa como para Elvas e '07' era a música e o dia. Acho que há aqui qualquer conspiração com o sete...
Continuando essa 'conspiração', sete e sete são catorze e tu atuas dia 14 de maio na segunda semifinal da Eurovisão.
Uau, não tinha pensado nisso. Gosto.
Ainda não é conhecida a posição do tema na ordem de atuações, mas aguardemos.
Vamos ver, aguardemos pela [posição] 7 ou 17.
Ainda sobre a Eurovisão, e agora entrando na atualidade e no surto do novo coronavírus (Covid-19). Assusta-te a possibilidade desta edição ser cancelada ou adiada?
Sim. Ainda não se sabe ao certo o que vai acontecer, mas gostava que se realizasse. Mas acho que o que importa, acima de tudo, é a saúde de todos. Vamos ter de aceitar o que tiver de ser e fazer por que ninguém corra riscos.
Já ouviste alguns dos temas da tua concorrência eurovisiva?
Ainda não, acho que vou tirar um dia só para os ouvir. Não me importo nada de os ir ouvir a todos, música é a melhor coisa do mundo.
"Já vi que as pessoas levam a Eurovisão muito a sério. E eu em casa também levava"
Qual é a tua relação com as previsões e com os sites de apostas? Eleva a pressão ou reages com mesmo espírito que com que encaraste o Festival da Canção?
É levar as coisas sempre de forma... Bem, eu sou a minha pior inimiga e coloco sempre imensa pressão em mim. Por isso, seja qual for a opinião das pessoas, acho que vou ter sempre mais em conta a minha. A minha vai pesar imenso. Por exemplo, se alguém disser que eu estava linda, eu posso pensar que talvez não estava. O facto de haver favoritos ou não... Isto é tudo muito imprevisível. Acho que tem tudo muito a ver com a prestação e com o staging. A Bárbara [Tinoco] era a favorita e, da parte do júri [regional], não teve a melhor pontuação. Os Blasted Mechanism também eram favoritos e nem passaram [da primeira semifinal].
Mas tu tinhas o tema mais ouvido no Spotify.
Sim, tinha.
"Tenho recebido imensas mensagens a dizer 'estamos a cair para o final dos sites de apostas'"
Já queria dizer alguma coisa, não?
Não sei muito bem. Por acaso não dei assim tanta importância a isso. Porque é o que digo, o staging e a prestação em palco muda imenso. É esperar até ao dia e fazer com que corra tudo pelo melhor. Não podemos estar a guiar-nos por favoritos. Tenho recebido imensas mensagens a dizer que estamos a cair nos sites de apostas. E eu penso para mim: 'Tá bem, estamos a cair. Vai correr tudo bem'. Estou certa que vou fazer o melhor, óbvio que não posso agradar toda a gente. É impossível. Toda a gente tem gostos diferentes. Mas acho, sinceramente, que isso é a ultima coisa com que nos devemos preocupar.
E qual é a primeira?
Tanta coisa, como o coronavírus.
Referia-me à Eurovisão. Ainda que, como já falámos, esse seja um tema que também preocupe no âmbito do festival.
Já vi que os fãs levam a Eurovisão muito a sério. E eu, em casa, também levava. Mas acho que nunca ficava super chateada quando Portugal ou a minha música preferida não ganhava. Nunca vai ser possível agradar a toda a gente. Acho que nos devíamos focar no facto da Eurovisão ser uma celebração da música europeia, em várias línguas, de vários países e com várias mensagens diferentes. Devíamos dar importância à boa saúde da música e ouvirmos coisas diferentes. Acho que é isso que importa, não é bem a competição em si.
Tens contrato assinado com a Warner, podemos esperar álbum ainda este ano ou a Eurovisão mete-se um bocadinho no caminho?
Sim, apesar de já estar a trabalhar em originais e a tratar de singles. Mas ainda não temos datas. Estamos a levar as coisas tratando primeiro das prioridades. Sempre de forma a aproveitar esta rampa de lançamento que foi o Festival [da Canção] e a aproveitar a projeção que tenho tido.
A sair um álbum este ano, gostavas de incluir nele o "Medo de Sentir"?
Por acaso gostava, não sei se é possível. Mas era muito bonito [carrega no sotaque].
Agora sim, sentiu-se aí o sotaque madeirense. Tens marcado regresso em breve para a Madeira?
Ainda não, tenho tido muita coisa entre ensaios e entrevistas. E quero estar 100% disponível para tudo. Acho que a minha família e os meus amigos entendem.
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