“AmarElo” foi o mote para uma conversa com Emicida, rapper paulista, que esteve em Lisboa para a última edição do festival NOS Alive. O tema dá título ao terceiro disco do brasileiro, que sucede a “Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa” (2015) e tem sido apresentado pelo músico como um projeto com um forte contexto social.

A escolha de amarelo, cor primária, central na bandeira brasileira, símbolo de riqueza e prosperidade, tem vários sentidos para Emicida. Um deles, explica em resposta a uma questão nossa, é a ressignificação de termos como "amarelou", que demonstra fraqueza. Mas mais do que isso, diz, amarelo é "tema central" de tudo o que quer fazer "para unir as pessoas". "Porque elas se afastam e se distanciam com uma facilidade impressionante. O Brasil, hoje, está rasgando o seu tecido social por causa de uma cultura de ignorância e distância. E o que eu quero fazer agora é diminuir essas distâncias".

"Quando penso em amarelo, penso na cor de atenção do semáforo. Tem um poema de um poeta curitibano, chamado Paulo Leminski, que diz: 'Amar é um elo entre o azul e o amarelo'. Esse poema pega em duas coisas que são de certa forma antagónicas e conecta elas".

"Tem uns caras que sobem no palco e mandam as mulheres mexer a bunda e descer até ao chão e funciona. Comigo não funciona, eu não sou esse cara. Eu gosto de chegar e conversar", continua. "A coisa que mais quero com a música é fazer as pessoas sorrirem. Já fiz as pessoas refletirem, já fiz as pessoas sentirem ódio. Agora gostava apenas de fazer com que as pessoas se abraçassem", diz.

"AmarElo", que inclui um trecho do clássico do cearense Belchior, “Sujeito da Sorte” — “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” —, conta também com as participações de Pablo Vittar e Majur.

"Ambas são símbolos de força, vencem sorrindo. Imagino cada uma das barreiras pela qual Pablo não teve de passar; imagino cada uma das barreiras pela qual a Majur teve de passar. Eu não sei me colocar na pele delas nem posso fazer isso. Mas eu posso falar alguma coisa a respeito de oportunidades. Eu já perdi várias oportunidades, e não gostaria de ver pessoas tão grandiosas, tanto elas quanto pessoas parecidas com elas, perder oportunidades só por serem quem são. Se eu tenho a atenção das pessoas, se tenho a oportunidade de fazer o mundo olhar para mim, então gostaria de dizer de perto que pessoas como elas precisam de ser respeitadas".

A mensagem é reforçada com o videoclipe gravado no Complexo do Alemão, um conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro, e abre com um depoimento anónimo e verídico de alguém próximo de Emicida que tentou cometer suicídio. "Parece que tenho que demonstrar que estou bem todo o dia, e nenhum ser humano consegue estar bem todo o dia", diz a voz masculina que abre o vídeo.

À semelhança dessa história com a qual teve contacto, Emicida conta que recebe várias mensagens de pessoas, "cada vez mais jovens", a falar sobre depressão e tentativa de suicídio. "Então, acho que é muito importante a gente falar disso e essas pessoas sentirem-se amadas de alguma maneira — como quando elas colocam phones nos ouvidos. Quando faço música tento ser o amigo que não tive".

"Reconhecer que você é fraco não é uma fraqueza, é um sinónimo de força", destaca Emicida. "Quando você reconhece a sua fragilidade, você precisa ser muito forte. O mundo não lida com facilidade com as pessoas que reconhecem as suas fraquezas — e todo o mundo tem as suas pressões, os seus momentos de loucura e de desespero", prossegue o rapper brasileiro.

"Há uma parada sobre a qual a gente precisa de refletir: onde os tabus nos levam? Acho que o tabu antecede a catástrofe. Sempre. Depressão é um tabu. Se a gente não fala, a gente não faz nada; se a gente não faz nada, as tragédias acontecem. E acho que ainda há tempo de fazer muita coisa".

Sobre a importância de trazer este tema para primeiro plano, o rapper fala na "urgência da falsa comunicação" e critica as redes sociais "sufocadoras", que nos empurram "para uma espécie de abismo" onde, diz, toda a gente precisa de ter, ou aparentar ter, uma "postura forte".

"As redes sociais incentivaram a gente a conduzir a nossa existência como se estivéssemos a conduzir uma campanha de marketing de nós mesmos. Então todo o mundo está bem, na praia, está feliz. E a impressão que dá é que só você está para baixo, só você não foi bem sucedido".

"AmarElo" ainda não tem data definida para o lançamento. Antes tema-título já tinha sido conhecido “Eminência Parda”, que junta Emicida, Dona Onete, Jé Santiago e o português Papillon.