A música dirigida à pequena burguesia, a edição da Romano Torres para o grande consumo, os encontros políticos e culturais no café lisboeta Vá-Vá, a imprensa relacionada com a guerra e com a revolução, o nascimento da rádio, ou a popularização do audiovisual com a televisão fazem aperte da cultura popular nacional, que é um dos “três pontos essenciais” do congresso “História da Cultura em Portugal no Século XX”, que começa na quinta-feira, na Biblioteca Nacional de Portugal.

Quem o explica é Luís Trindade, um dos organizadores do evento - a cargo do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da NOVA -, contando que a ideia deste colóquio culmina um processo desenvolvido há mais de dez anos, entre investigadores de universidades de Lisboa, Coimbra e Porto, que se têm debruçado sobre a cultura de Portugal no século XX.

“O que conseguimos perceber é que o desenvolvimento de estudos sobre o cinema, sobre a rádio, sobre a imprensa tem-se desenvolvido a tal ponto que já é possível fazer uma espécie de balanço e síntese do que foi a cultura em Portugal no século XX”, disse à Lusa.

São três os “pontos essenciais” que o investigador aponta como base desta estrutura, desde logo tentar perceber como é que há formas culturais que circulam na sociedade portuguesa: “para nós, interessam-nos tanto as produções do tecido português, como o cinema de Hollywood ou o rock inglês”.

Por isso, Luís Trindade insiste tanto na ideia de que se trata de um congresso da “cultura em Portugal” e não de “cultura portuguesa”, porque tem que ver com o modo como a cultura se relaciona com a sociedade.

Outro “ponto importante” tem a ver com a forma como os objetos culturais não são só produzidos, mas como são consumidos. Haverá, por isso, algumas abordagens sobre os públicos e sobre os consumos culturais a vários níveis.

Como consequência disso – e aqui chega-se à terceira ideia base do congresso -, “não interessa só chamar a cultura erudita, aliás, a maior parte do colóquio vai debruçar-se sobre a cultura popular”.

O primeiro dia do congresso será marcado por temas como a "cultura de massas em Portugal entre 1870 e 1925", “as músicas do rés-do-chão: sobre os consumos culturais da pequena burguesia urbana na Lisboa da primeira metade do século XX”, a edição de livros para grande consumo pela editora Romano Torres, a ação da revista &etc no início dos anos 1970, o “tempo das meninas da rádio”, a cultura cinematográfica ou a literatura e a imprensa relacionadas com a guerra e com a revolução.

O segundo dia terá painéis dedicados à educação das mulheres, ao associativismo, ao ensino técnico e universitário, ao ensino autodidata, à implantação do mercado fotográfico, à programação musical e televisiva, à industrialização musical, aos espaços de partilha de ideias – concretamente os primórdios do teatro Trofa, o circulo Eborense e o respetivo gosto musical da “classe dominante”, “o café do Vá-Vá, do cinema novo à política nova (1958-1968)” – bem como à banda desenhada, ilustração e figurinismo no cinema.

Os painéis do terceiro e último dia debruçam-se sobre o jornal, o jornalismo e a comunicação - relacionados com a Primeira República e com a censura salazarista -, o corpo, a sexualidade e a performance, bem como a questão do colonialismo e do império (também avaliadas na perspetiva da ideologia e cultura popular), ou da política das imagens e dos sons.

Sobre a interligação de todos estes temas, Luís Trindade lembra que percorrem "a própria história do século XX" em Portugal.

“Desde o momento que podemos datar, do final do século XIX, até meados do século XX, em que a cultura é dominada pelo objeto escrito, já há uma massificação da imprensa, nalguns casos do livro e, aos poucos, em meados do século, começa a aparecer a indústria discográfica, a rádio, o cinema também se populariza, até chegarmos a um momento, já na metade do século XX, em que se pode dizer que o campo cultural está dominado pelo audiovisual, sobretudo a partir do momento em que chega à televisão e se populariza”.

O investigador destacou duas áreas “particularmente estimulantes e que se desenvolveram nos últimos dez anos, que têm sido os estudos cinematográficos e os estudos da música popular”.

Para o futuro, “um dos objetivos principais vai ser juntar muita gente e dar a conhecer aos outros o que cada um anda a fazer, e eu penso que a partir daí podem estabelecer-se novos projetos e novas relações”, afirmou Luís Trindade, acrescentando: “eu espero que [esta] seja uma das consequências principais deste colóquio”.