O amor, conforme o nível ou plano em que seja considerado, tem sido perene na literatura, uma vez que os mais antigos textos literários conhecidos, ou as mais primitivas e arcaicas mitologias, reflectem alguma concepção do que por este termo se tem definido, ou o que ulteriores culturas interpretaram segundo as suas próprias concepções mais ou menos dominantes. Será um truísmo afirmar da perenidade do que é um dos impulsos elementares da natureza ou da condição humana, ou, se quisermos, a tensão emocional resultante do instinto sexual que a humanidade em comum possui com as outras espécies animais. Mas não é um truísmo sublinhar que o amor, ou o que por ele se entende ou pretende entender, sempre dependeu de prevalentes concepções sociais, e até o seu significado biológico tem dependido dos preconceitos religiosos ou sociais dos biólogos que têm observado as actividades sexuais dos seres vivos.

No mês dedicado às mulheres, o É Desta Que Leio Isto celebra a escrita no feminino com a leitura de "Uma Paixão Simples" de Annie Ernaux. A convidada para a sessão — marcada para 23 de março, pelas 21h — é Cátia Vieira, escritora, influencer literária e assumidamente fã da escrita da Nobel francesa.

Romancista a dar os primeiros passos na carreira, Cátia Vieira publicou "Lola" em 2021, estando a trabalhar no segundo. A sua paixão pela literatura e o ritmo com que acumula leituras estão bem documentados na sua conta de Instagram, onde tem mais de 50 mil seguidores, sendo assumidamente uma fã de Annie Ernaux.

Além de ter um percurso académico ligado às letras — com licenciatura e mestrado em Estudos Portugueses e doutoramento em Modernidades Comparadas, na Universidade do Minho —, Cátia Vieira fundou a Alma Interior Design Studio, uma marca de design de interiores, e faz trabalho freelance nas áreas da comunicação e do marketing.

Quanto a "Uma Paixão Simples", é um dos romances com que Annie Ernaux construiu a sua reputação literária, tendo a francesa sido a vencedora do Prémio Nobel da Literatura de 2022.

Para se inscrever no encontro basta preencher o formulário que se encontra neste link. No dia do encontro receberá um e-mail com todas as instruções para se juntar à conversa.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações.

Amor é termo ambíguo que se aplica igualmente à vida sexual ou ao desejo puramente sexual (e o admitir-se que esse desejo possa existir, sem «amor», implica já certa concepção deste), como também à variedade de emoções e paixões eróticas ligadas ao sexo (e reguladas socialmente pela tradição, os costumes, a cultura, a religião, etc.), e ainda a uma vasta gama de progressivas abstracções ou sublimações do complexo sexual (amor do próximo, amor da humanidade, amor de Deus, o amor como ente epistemológico, etc.). De um ponto de vista erótico-social, o amor tem sido «puro» ou «impuro», «normal» ou «anormal», «santificado» ou «pecaminoso», admitido ou proibido por tabus sociais, etc. – e a coincidência entre o «sim» e o «não», como entre a teoria e a prática, tem variado muito com a história e os grupos sociais, desde a mais alta Antiguidade: o que a literatura tem espalhado, quer expressamente, quer indirectamente, quer criticamente, quer pelo que pode interpretar-se do que foi dito ou não dito. Quer se considere que o desejo sexual e as suas diversas sublimações estão na base de toda a actividade humana, quer se prefira supor que um impulso transcendente ou imanente ao Universo é o motor não só da vida como da própria existência do Mundo («O Amor que move o Sol e as mais estrelas», como Dante diz no último verso da sua Divina Comédia), o «amor» aparece-nos como um imenso denominador comum, em função do qual tudo pode ser interpretado – apenas variarão as interpretações de tudo e do próprio Amor. Do que resulta que não haverá, na literatura, conceito ao mesmo tempo mais vulgar e mais complexo, já que podemos vê-lo aonde ele pareça que está de todo ausente, e é possível suspeitar criticamente de épocas em que ele foi, em determinados termos, apresentado como o centro das preocupações humanas. Que ele, sob uma forma ou outra, o foi sempre – eis do que não é lícito duvidar. Mas é lícito interrogarmo-nos sobre se o foi realmente nos termos propostos, ou se estes correspondiam à «mistificação» social que a literatura era chamada a traduzir em termos estéticos. O que é da maior importância, quer de um ponto de vista de sociologia da literatura, quer do ponto de vista do entendimento estético, que não são necessariamente coincidentes. Aquela «mistificação», entendamo-nos, significa, neste contexto, não forçosamente uma maligna distorção da realidade social, mas uma intencionalidade em relação a esta, um desejo de «idealizá-la» (o que muitas vezes terá sido o suplementá-la com a delicadeza ou a elegância que ela efectivamente não possuía). Outro aspecto fundamental – e directamente conexo com aquela «idealização» – é o das relações entre o «amor» e a «beleza».

Amor
Amor créditos: Guerra e Paz

Livro: "Amor"

Autor: Jorge de Sena

Editora: Guerra e Paz

Preço: € 12,60

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações.

As concepções do amor ou da beleza suposta máxima têm variado muito (para as últimas, basta comparar a figuração humana do «belo» na arte das mais diversas culturas e períodos, através dos tempos); mas não menos variaram, e não só por aquelas haverem sofrido variações, as relações que sejam estabelecidas entre um conceito e o outro. Na verdade estas relações são relativamente independentes daqueles conceitos, ao contrário do que habitualmente se supõe, e são elas sobretudo o que permite, em literatura como na vida, as divergências individuais quanto ao comportamento ou ao modo de considerá-lo. Compreende-se que assim seja, uma vez que se note que o amor e a beleza são já abstracções reguladoras, em que o juízo estético se diferencia, e que, em consequência, o erótico-sexual, assim separado em sujeito que deseja e objecto que é desejável, mais individualmente se revelará nas relações entre aquelas abstracções, adentro de uma estrutura de comportamento pré-estabelecida. Isto, transposto para o plano estético-literário, explica, em parte, as divergências individuais de «estilo», ainda quando elas se processem dentro de esquemas e modelos formais que, em certas culturas ou épocas, foram peculiarmente rígidos. Se acima dissemos «erótico-sexual», foi para usar de um termo mais genérico e menos necessariamente correlato com a chamada propagação e conservação biológica da espécie, e podermos examinar o «amor» de um outro ângulo.

Tabus primitivos, que sobretudo o cristianismo incorporou à sua visão do mundo, correlacionam estritamente aquele chamado instinto de propagação (que, menos do que um «instinto», é inerência da estrutura fisiológica dos seres vivos mais desenvolvidos) com o instinto sexual, e, assim, um acto sexual só seria legítimo e normal, se dirigido conscientemente para aquela propagação. Uma outra ordem de tabus, correlacionada com a anterior mais elementar, é a que estabelece proibições quanto a relações sexuais entre indivíduos no mais estreito plano de consanguinidade: e releva de uma organização hierárquica – matriarcal ou patriarcal – da família como unidade social. Todavia, os incestos contínuos das gerações dos deuses da Antiguidade Oriental ou Clássica, como a prática das dinastias faraónicas do Egipto (e mesmo absorvida pelos Ptolomeus helenísticos) de os faraós casarem com as irmãs ou as filhas, mostra que o incesto era visto como um imperativo de não diluir-se o sangue «divino» e exclusivo, por acção de outros que o fossem menos, se bem que aos simples humanos tal prática fosse vedada (precisamente para que a diluição do «sangue», neles, mais eficazmente se desse, ampliando a distância hierárquica entre eles e os «divinos»). De resto, ao longo dos séculos cristãos, e apesar das proibições da Igreja, o imperativo de separar o sangue real e os outros sangues, à medida que se organizavam as monarquias absolutas, foi tal, que é absolutamente impossível estabelecer árvores genealógicas completas das Casas Reais, pela continuidade quase incestuosa das uniões convenientes aos interesses endogâmicos das dinastias (a portuguesa de Avis, com os Habsburgos de Espanha e Áustria, é disso exemplo conspícuo). E pode mesmo dizer-se que, desde o século ix ao século xviii, a Europa realenga e aristocrática é, da Escandinávia à Sicília, e da Inglaterra à Rússia, uma imensa gaticânea, em que a consanguinidade é de regra (e os historiadores ditos sociais que ignoram estas realidades enganam-se grandemente, quando imaginam que as amantes de reis e príncipes, das quais a História conservou os nomes, por delas descender grande parte da aristocracia, não eram, como eles, de sangue real, porque o eram na maior parte dos casos).