Tudo muda. A verdade da imutabilidade raramente se comprova. Os bebés crescem, saem dos aquários e vão lá ser adultos, depois de crianças, como todos os outros. Mesmo os monumentos, marcas que os homens erguem a servir de testemunho da passagem contemporânea se transformam, seja pela degradação natural, pela mudança nos pigmentos ou pela decadência paisagística.
O Parque das Nações, em Lisboa, surgiu como a “cidade imaginada” que acompanhou a Expo'98, transformando uma zona degradada da capital numa área moderna, planeada de raiz, onde as casas são hoje das mais procuradas, apesar dos preços.
Velhos vindos do Restelo, mas também de Sintra ou Moitelas ou Sobral de Monte Agraço, pisaram a calçada acabada de pôr, molharam os dedos na água fresca e abriram a boca espantados com aquele pavilhão e também aquele.
Outros velhos, porventura vindos das mesmas localidades ou de outras, indagaram pelo futuro daquilo que em pouco mais de cinco anos se ergueu nas terras de uma lixeira às portas da capital, já não do império, mas de um país prestes a entrar num novo milénio.
Na véspera de 2000, Portugal, que encerraria definitivamente a expansão marítima com a oficialização da entrega de Macau à China, chega a 1998 com uma exposição mundial em Lisboa.
Faz hoje vinte anos. A Exposição Mundial de Lisboa, inaugurada a 22 de maio de 1998, foi o mote para a transformação da zona oriental da capital portuguesa, até então completamente degradada, “uma lixeira a céu aberto” e fábricas desativadas, numa nova cidade imaginada de raiz.
Um dos medos era que depois da grande exposição, a zona oriental voltasse ao abandono. Acabasse como um enorme campo, pejado de elefantes brancos muito enfeitados, à beira do Tejo.
O presente desmente o passado e mostra que esses temores eram injustificados. Hoje, ironicamente, só o Pavilhão de Portugal, cuja enorme pala, desenhada por Siza Vieira, ainda desperta fascínios, continua sem uso definido.
Entre reconversões e demolições, a zona da Expo, hoje Parque das Nações, mantém-se viva. Menos polida, é certo, mas ainda com muitas marcas desse verão em que Portugal se pôs a gritar a plenos pulmões ao mundo.
O SAPO24 esteve no Parque das Nações e mostra-lhe como está a Expo que ainda resta de 1998. Para navegar nas imagens, deslize com o cursor para a esquerda ou direita.
As bandeiras ainda dançam com o vento
Comecemos pelo início. Saindo na Gare do Oriente, de Calatrava, a entrada na Expo era feita através daquilo que é hoje o Centro Comercial Vasco da Gama. O enorme telhado envidraçado, por onde escorre água, ainda lá está, embora agora acompanhado pela parelha de torres que são dois dos edifícios mais altos do país.
O espelho de água, onde ainda dançam os símbolos das nações do mundo, continua a correr lentamente pelo empedrado.
As corridas agora são feitas na calçada, com um telemóvel colado ao ombro
Em 1998, vários atores interpretavam dinâmicas criativas nas ruas do Parque Expo. Aqui, um grupo deles caminha no lago. As árvores, jovens, pouca altura têm.
Hoje, a paisagem está diferente. Há pessoas a passear, outras a correr. As que correm vestem equipamento apropriado e vão ligadas a máquinas que registam cada centímetro e cada bufadela que expiram da boca cansada. As árvores, já para lá da adolescência, já dão sombra.
Metamorfose constante
Quantas vidas tem um fóssil? O Pavilhão da Utopia, com formas interiores inspiradas na construção naval e uma carapaça exterior que lembra uma trilobite, já teve muitos nomes. A função, essa, continua a ser a de maior sala de espetáculos do país.
Duas décadas depois da abertura, já com o nome Altice Arena, acolheu o festival Eurovisão. Pelo caminho foi ainda Pavilhão Atlântico e MEO Arena. Nas escadas, que mais que escadas não se chamam, não há atores a rebolar. Apenas grades e um grande aparato prepara o concerto de um Pink Floyd, dentro de horas.
Sobre o vulcão, a torre
Esta é talvez uma das comparações mais impressionantes. A imagem, na vertical, mostra o impacto da construção das torres de São Rafael e São Gabriel na paisagem do Parque das Nações. À parte essa grande mudança e a maior formosura das palmeiras, tudo — incluindo as erupções do vulcão — permanece idêntico.
O país das exposições
Ao lado do Pavilhão da Utopia, uma série de outros pavilhões alinhava-se para receber alguns dos países que se quiseram representar em Lisboa. Finda a festa, os equipamentos transformaram-se num importante salão de exposições, dando à cidade (e ao país) a possibilidade de acolher grandes eventos internacionais dos mais diversos setores.
Nas costas do Oceanário
No extremo oposto, as ondas do mar nasciam na terra — literalmente. A relva subia e descia, num campo que tanto pode ser maqueta de um Alentejo irrigado, ou fotografia de um oceano eutrofizado.
Hoje, as árvores cresceram e a relva permanece ondulada.
Cascata continua a molhar turistas
Para além do Gil, um dos ícones da Expo'98 (e do Parque das Nações) é a cascata no Jardim da Água, entre o Oceanário e o Teatro Camões. Um arco de estreitos fios de água projeta-se sobre quem passa, criando o enquadramento ideal para as ‘selfies’, quer em 1998, quando ainda se chamavam simplesmente aquilo que são — fotografias —, quer em 2018, quando são feitas com um simples telemóvel.
As naus continuam a levar os portugueses
Por mera coincidência, no dia em que a fotografia atual do edifício Nau foi tirada, dentro de um dos restaurantes que lá existem estava um ex-primeiro-ministro num almoço que uns seus apoiantes lhe deram.
Vinte anos depois, a nau que ali aportava zarpou há muito, deixando apenas os espetos do que foi seu ancoradouro. O cais virou estacionamento — não de barcos em doca seca, mas de automóveis.
Ainda se mergulha nos rios do Parque?
O Parque das Nações é atravessado por um rio artificial, pontuado por vulcões coloridos, do laranja ao verde. Nos dias quentes da Expo'98, serviam para refresco dos pés doridos e para piscina de crianças como a Cátia, que se diverte nesta praia fluvial improvisada num tanque citadino.
Em 2018, só as folhas das árvores descansam nas águas de onde vem o cheiro aos químicos que lhe mantêm a salubridade e lembram da artificialidade do lugar.
O livro do Tombo são dois cornos de ferro
Cornos ou megafones de alta potência. Poderá ser que não sejam nada disto, servindo apenas como atual livro de assinaturas do Parque das Nações. Os jovens de 1998 já menos jovens hão de ser agora. A atração dos tubos metálicos, porém, continua a funcionar.
De Macau para Lisboa; de Lisboa para Loures
Um dos mais interessantes pavilhões da Expo'98 já não existe no Parque das Nações. O Pavilhão de Macau, cuja fachada replica as ruínas macaenses da Igreja da Madre de Deus, foi dos mais concorridos em Lisboa.
Hoje, descansa, debilitado, no Parque da Cidade Loures, para onde foi levado (não é caso único, o Pavilhão da Água está no Porto e o palco da Praça Sony esteve para ir para a Amadora).
Tudo muda
Acabemos por onde se começou. Tudo muda, dita este texto logo no princípio. Tanto assim é que, por mais rigor e empenho, algumas réplicas são praticamente impossíveis de fazer. Primeiro, nem todos os lugares onde as imagens de 1998 foram tiradas continuam a existir ou estão acessíveis da mesma forma que estavam durante a exposição, daí que nalguns casos se notem diferenças nos enquadramentos e ângulos.
Também os aspetos técnicos das próprias câmaras e lentes usadas influem no resultado final.
Ainda assim, procurámos estar no exato local em que cada imagem foi feita, permitindo ver não apenas quanto cresceram as árvores, mas também quanto do que houve em 1998 se mantém hoje.
Este é o primeiro trabalho feito com os materiais que nos foram enviados pelos leitores do SAPO24.
Cidade dentro da cidade
Durante cerca de quatro meses, mais de nove milhões de pessoas visitaram a Expo'98 e, só no último dia, estiveram na exposição 200 mil pessoas, num evento que foi considerado um sucesso por todos.
Tendo como mascote o boneco Gil — batizado em homenagem ao navegador Gil Eanes —, a Expo ofereceu programas culturais, exibições de rua durante todo o dia, vulcões de água, um teleférico e o espetáculo de luzes e fogo de artifício Aquamatrix à noite.
Estiveram representados na Exposição 146 países e 14 organizações internacionais, tendo cada um o seu pavilhão, onde dava a conhecer a sua história, cultura e gastronomia.
A exposição foi visitada por 38 chefes de Estado e acreditou 6.312 jornalistas estrangeiros e 5.204 portugueses.
Só no dia da inauguração passaram pela Expo'98 mais de três mil convidados, entre os quais o príncipe Aga Khan, os Presidentes do Brasil, Alemanha, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné-Bissau, os primeiros-ministros da Namíbia, Costa do Marfim e Angola, o príncipe herdeiro de Marrocos e o presidente da Comissão Europeia. Também o rei de Espanha Juan Carlos e a rainha Sofia marcaram presença.
Jorge Sampaio, como presidente da República, e António Guterres, como primeiro-ministro, estiveram lá 20 vezes.
No recinto foram erguidos pavilhões temáticos como o do Futuro (atual Casino de Lisboa), o da Realidade Virtual, o da Utopia (Altice Arena, ex-Pavilhão Atlântico), o do Conhecimento dos Mares (Oceanário), o do Território, o da Água (transferido para o Parque da Cidade do Porto) e o de Portugal, um dos ex-líbris da Exposição Mundial, conhecido pela sua pala, desenhado por Siza Vieira e que, 20 anos depois, está em vias de ser utilizado pela Universidade de Lisboa.
Com a Expo, foi também criada uma marina, a linha Vermelha do Metro de Lisboa para transportar os visitantes e a gare do Oriente.
Quando Portugal ganhou a candidatura para a realização da Expo’98, “ganhou” também a tarefa de reabilitar uma faixa de cinco quilómetros da zona ribeirinha oriental da cidade de Lisboa, incluindo uma parcela do concelho de Loures, mas onde coexistiam uma refinaria, tanques de armazenamento de petróleo, um matadouro, um depósito de restos de materiais das guerras de África e uma lixeira.
Quando a Expo'98 fechou portas, em 30 de setembro de 1998, iniciaram-se os trabalhos de urbanização do atual Parque das Nações, que tinha de estar completo até 2010, com espaços empresariais, de lazer e de habitação, aproveitando as estruturas da exposição para serem adaptadas à vida no novo espaço urbano.
Vinte anos depois, o Parque das Nações é uma ‘cidade dentro da cidade’, uma das zonas mais cosmopolitas e caras de Lisboa e a mais nova freguesia da capital, com mais de 15 mil residentes.
A criação daquela freguesia, em 2012, esteve envolta em polémica, uma vez que o Parque das Nações estava dividido em dois concelhos (Loures e Lisboa) e todo o território passou para o concelho de Lisboa, em prejuízo do de Loures.
Feitas as contas, as autoridades portuguesas, arquitetos, urbanistas, engenheiros e todos os envolvidos na criação daquela ‘cidade’ conseguiram assim cumprir o objetivo de não deixar que acontecesse em Portugal o que aconteceu em Sevilha (Espanha) quando acabou a Expo’92 — o abandono do território. 20 anos depois, o resultado está à vista.
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