Tradição secular e realizadas pela última vez em 2015, as Festas do Povo de Campo Maior são conhecidas por apresentarem dezenas de ruas, sobretudo no centro histórico, ‘engalanadas’ com milhares de flores de papel, feitas pela população de forma voluntária.

Maria do Céu Militão é uma das habitantes daquela vila raiana que vive de forma “intensa” as festas e relata à agência Lusa que “nasceu a fazer flores de papel”, pela mão da sua avó.

É este legado que Maria do Céu e os habitantes de Campo Maior esperam que seja, agora, classificado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

A candidatura destes festejos, desenvolvida pela câmara, Entidade Regional de Turismo (ERT) do Alentejo e Ribatejo e Associação das Festas do Povo de Campo Maior (AFPCM), vai ser apreciada na 16.ª reunião do Comité do Património Mundial da UNESCO, que se realiza entre esta segunda-feira e sábado, em Paris (França).

Maria do Céu, uma das artesãs que guarda este saber, está confiante na atribuição do ‘selo’ da UNESCO, que, a vir, significa um reconhecimento e “homenagem às pessoas mais antigas” da vila.

“Acho que é um grande agradecimento a elas”, o facto de “valorizarem esta festa tão bonita como nós temos”, defende.

Promovidas pela AFPCM, as festas, que normalmente decorrem no final de agosto ou princípios do mês de setembro, são já hoje reconhecidas internacionalmente pela sua originalidade e cariz popular, com os habitantes a prepararem, meses a fio, a ornamentação das ruas.

Esta tradição, identitária do povo de Campo Maior, tem vindo a ser transmitida de geração em geração oralmente e de forma informal, com os mais velhos a ensinarem aos mais novos os ‘segredos’ da elaboração das flores que ornamentam os espaços públicos da vila.

“Começamos a trabalhar nas nossas ruas em janeiro, por aí. Se, porventura, a coisa já estiver muito ‘germinada’ no nosso corpo e na nossa cabeça, começamos a fazer [flores de papel] em dezembro, mas levamos esses meses todos até se realizarem as nossas festas”, explica à Lusa a artesã.

José Galão, um dos poucos homens que é ‘cabeça de rua’, uma espécie de ‘capitão de equipa’, não tem dúvidas de que, após o trabalho árduo, “o melhor é a semana das festas”, com os comes e bebes nas ruas e o convívio com os visitantes.

“O turista vai passando e começa a olhar” e trocamos impressões sobre se “o vinho é bom”, conta, frisando: “Eu adoro quando a pessoa vem e se senta ali a falar das festas”.

Mas, se o presente das festas está ‘vivo’, já as gerações mais novas precisam de outros incentivos para se envolver na organização, o que normalmente acontece por alturas da ‘enramação’, ou seja, da noite em que são colocadas as flores na rua, relata, por sua vez, Cristina Pepe, outra das artesãs que diz ter “nascido” a fazer flores.

Também já a contar com a classificação, está Vanda Portela, a presidente da AFPCM: “Vamos receber o ‘selo’ de património imaterial da humanidade”, porque “Campo Maior merece”.

Segundo a responsável, os moradores da vila têm “dedicado ao longo destes anos, de forma voluntária, o seu tempo, a sua imaginação. E eu acredito que vamos receber esse ‘selo'”, insiste.

Na mais recente edição das festas, foram gastas “aproximadamente 30 toneladas de material”, contando com vários tipos de papel, arame, madeiras, cartão, cartolinas, cola, entre outros utensílios, realça Vanda Portela.

E o número de voluntários que participa regularmente na iniciativa também é expressivo. Só em 2015, foram “à volta de quatro ou cinco mil” habitantes que se disponibilizaram para trabalhar, tendo essa edição das festas custado cerca de “um milhão de euros”.

“É muito difícil falar de números, porque é sempre muito relativo. A mesma rua, num ano, pode custar 100 e, noutro ano, custar 200. Tudo depende da imaginação, do trabalho que é idealizado” e “que é elaborado pela rua”, acrescenta.

O próximo ano está ‘fora das contas’ para uma nova edição das festas, mas, caso a pandemia de covid-19 o permita, a AFPCM gostaria de realizar o evento em 2023. Segundo Vanda Portela, “há fome” de festa por parte da população.

“Há fome de Festas do Povo, há vontade de Festas do Povo, as pessoas adoram as festas e, neste momento, precisamos mesmo de alegria, de festa, mas também com muita cautela”, porque existe, ao mesmo tempo, “muito receio de fazê-las” devido à pandemia, argumenta.

créditos: NUNO VEIGA/LUSA

Candidatura à UNESCO mostra que Festas do Povo de Campo Maior são "únicas"

A candidatura das Festas do Povo de Campo Maior (Portalegre) a Património Cultural Imaterial pela UNESCO envolveu um trabalho "muito complexo" e "demorado", focado em demonstrar as características "únicas" deste evento, revelou hoje um dos coordenadores.

“Foi um processo demorado”, iniciado em 2014, e “muito complexo”, que “implicou uma equipa multidisciplinar”, com “sociólogos, historiadores, antropólogos, muita gente”, disse à agência Lusa João Custódio, um dos coordenadores do dossiê.

Promovida pela Câmara e Associação das Festas do Povo de Campo Maior (AFPCM) e a Entidade Regional de Turismo (ERT) do Alentejo e Ribatejo, a candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade vai ser, agora, apreciada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

A 16.ª reunião do Comité do Património Mundial deste organismo internacional vai decorrer entre esta segunda-feira e sábado, em Paris (França), tendo em ‘carteira’ a análise de 55 candidaturas, uma delas a de Campo Maior, segundo a UNESCO.

O coordenador da candidatura alentejana explicou que a elaboração do dossiê se focou “numa serie de aspetos” para “dar a conhecer” as festas da vila, que só se realizam quando o povo quer, e a forma como se tornaram “únicas” face a outros eventos onde existem também flores de papel.

“A flor de papel não é algo exclusivo das Festas de Campo Maior, existem vários eventos que usam este tipo de decoração. Evidentemente, a qualidade do trabalho destas festas é um elemento muito importante, porque é, de facto, diferenciador”, argumentou.

Mas há também “outras características da festa que as tornam únicas e o dossiê focou-se muito nesses aspetos”, acrescentou.

O “elevado” número de voluntários que fazem flores, o facto de as festas só se realizarem quando o povo quer ou a figura do ‘cabeça de rua’, uma espécie de ‘capitão de equipa’, foram alguns dos aspetos mencionados na candidatura.

“A questão do voluntariado é uma situação que não digo única, mas muito peculiar” e, de facto, “as festas só se fazem se o povo quiser”, já que “estamos a falar de uma força de trabalho de cinco mil pessoas, mais ou menos, por edição”, e, “sem eles não era possível fazer a festa”, vincou Joao Custódio.

No dossiê enviado à UNESCO, são também abordados outros temas que tornam estas festas “diferentes”, como “a arquitetura efémera” e a forma como a vila, “da noite para o dia, se transforma por completo” com as flores de papel.

A via pública passa “a ser quase privada, porque passa a ser a minha rua”, enquanto, em sentido contrário, “a propriedade privada passa a ser pública, porque a minha casa está praticamente aberta para os visitantes”, disse

O trabalho entregue na UNESCO, além de abordar a arte de transformar o papel em flores, foi mesmo “procurar” esse tipo de situações mais diferenciadoras, sublinhou.

Durante o processo de investigação feito pela equipa multidisciplinar que preparou a candidatura, foi possível apurar que as festas têm uma ligação ao culto de São João Batista, que é o padroeiro da vila de Campo Maior, relatou o coordenador.

“E é daí que as Festas do Povo nascem e evoluem até chegarem ao que são hoje”, destacou, indicando que a 1.ª edição do evento deve ter ocorrido no final do século XIX.

Tradição secular e realizadas pela última vez em 2015, estas festas tradicionais são conhecidas por apresentarem dezenas de ruas, sobretudo no centro histórico, decoradas com milhares de flores de papel, feitas voluntariamente pela população.