A crítica de Abílio dos Reis. Johnny English Volta a Atacar, de David Kerr, com Emma Thompson, Jake Lacy, Olga Kurylenko e Rowan Atkinson, estreou esta quinta-feira, dia 4 de outubro, nas salas portuguesas.
«Portanto, podemos todos concordar que o género de espionagem já foi parodiado até à exaustão?». Esta é a frase de abertura do icónico crítico de cinema do Chicago Sun-Times, Roger Ebert, em alturas de estreia da comédia que nos apresentou Johnny English (2003), uma paródia de Rowan Atkinson (o eterno Mr. Bean) ao agente secreto de Ian Fleming. (Caso tenha curiosidade, existe extensa lista no conhecido IMDb com cerca de 250 exemplos de paródias semelhantes que vão beber à personagem Bond.)
Ora, quinze anos e dois filmes depois, a pergunta mantém-se mais honesta do que nunca. Mais ainda em era cinematográfica em que os filmes de ação/espionagem já comportam com eles fortes doses de comédia (i.e, Kingsman: Serviços Secretos, 2015). Mas não é difícil de perceber o porquê e as razões para que esta última incursão pelo mundo de English tenha visto a luz do dia. Analisadas bem as coisas são mais ou menos 320 milhões de razões, e.g, os 320 milhões de dólares (277 milhões de euros) que as duas primeiras sessões do agente secreto que faz o obséquio de satirizar James Bond arrecadaram a nível mundial, levaram à produtora Working Title avançar com um novo episódio à agora trilogia.
Johnny English (2003) e O Regresso de Johnny English (2011) não são exatamente aquilo que se descreveria como sendo duas criações incrivelmente espirituosas, mas tiveram o seu quê de interesse devido à curiosidade que o comportamento de Mr. Bean em modo agente especial secreto trapalhão trouxe com ele. Sobre estes, houve quem não apreciasse, quem por eles se deixasse tolerar, e ainda os há, aqueles a quem simplesmente a paciência não permite que um humor que se disseca quase exclusivamente pelo carácter expressivo da personagem leve a melhor. No entanto, será justo dizer que são filmes com os seus momentos. Este último, porém, tem muito pouco destes. Algumas situações parece que o guião força situações altamente improváveis — mesmo no contexto de um trapalhão-mor — para explorar a criatividade motora de Atkinson.
Convenhamos que se está perante uma sátira em que ator britânico vai continuar a agradar ao espetadores num contexto de audiência familiar. Assim aconteceu com os dois títulos anteriores e com o terceiro capítulo não deverá ser diferente visto que a premissa é idêntica. Johnny English continua desastrado e perigosamente incompetente para quem tem por vezes literalmente o destino da nação nas mãos, mas que é automaticamente saudado pelo fado e destino para se desvencilhar das situações em que se mete. Não vai ser nem mais nem menos do aquilo que já foi. Só que agora o inepto agente secreto do MI7 (que alimenta o sonho de ser o mais prestável que um ser humano consegue à Coroa) vive numa era que o povo britânico não sabe muito para lado balançar devido ao Brexit.
Se no primeiro somos brindados com múltiplas cenas em que nos deparamos como perigosamente incompetente Johnny English pode vir a ser, neste estamos perante um espião analógico a tentar deslindar um caso de ciberterrorismo que ameaça não só o Reino Unido, mas como grande parte do globo, caso o vilão consiga levar a sua avante. E se no primeiro filme English obteve a ajuda da roliça Lorna Campbell (Natalie Imbruglia), aqui conta com a ajuda de uma espiã russa interpretada por Olga Kurilenko, atriz que, por curiosidade, até deu vida a Camille no 007 oficial, em Quantum of Solace (2008).
A premissa de Johnny English Volta a Atacar é de que o Reino Unido está sob um ciberataque que identificou e descortinou a localização de todos os agentes secretos do MI7 no ativo. Ou seja, não restam muitas alternativas às altas esferas de Downing Street, a não ser recorrer a ex-agentes em idade de reforma para descobrir o autor deste ataque. Mais: ainda que esta situação por si só seja altamente sensível, a primeira-ministra (Emma Thompson, que faz o que pode com aquilo que o guião lhe dá) vê o seu apogeu diário de preocupações culminar com a sua primeira recepção à Cimeira do G12. Thompson, que faz uma sátira de Theresa May, nesta sátira de 007, para sobreviver aos constantes problemas diários da nação e para conseguir dormir face à miríade de situações altamente improváveis que assolam a sua sempre muito preenchida agenda, recorre à fermentação do sumo de uvas («precisei de duas garrafas de vinho para adormecer») com relativa frequência e começa as manhãs ao sabor de uma vodka tónica «sem tónica».
Por seu turno, English é agora professor numa escola pomposa do ensino básico e está aposentado das missões ultrasecretas. Mas nem por sombras se pense que o seu âmago patriótico está a desvanecer…! É que para além da disciplina que leciona, os seus alunos aprendem também a arte da espionagem — não vá estar dentro da sua sala de aula o próximo agente secreto do MI7. Até que recebe uma chamada inesperada do departamento que representou com tanto orgulho naquilo que parece ser já outra vida. Pois bem, chamado a comparecer em Londres, em poucos minutos, sem surpresa, num momento que podia muito ter sido de Mr. Bean, English elimina a sua concorrência e estabelece-se como o único agente secreto (reformado ou a descoberto) disponível e capaz de ajudar a resolver a situação. Depois, no tempo que resta, é constatar um agente analógico a combater um mal tecnológico.
É que a maior parte do filme assenta na base de que English é alguém completamente avesso à tecnologia, que utiliza métodos ultrapassados e que parecem ter saídos diretamente dos filmes de Sean Connery. Porque English não necessita de smartphone, nem de outros gadgets modernas, nem quer “um Prius turbinado e ecológico”. Para quê um carro moderno quando se pode utilizar um Aston Martin clássico que, num momento de perseguição, gasta tanta gasolina que não consegue acompanhar um carro elétrico. (Sim, esta é uma das piadas do filme.)
De sequência em sequência, de piada fraquinha a piada preguiçosa, o guião lá faz avançar o herói até o momento de glória; desde enganar-se num comprimido que faz inchar de inveja alguém que fica muito acelerado durante uma incursão nocturna, a pensar que uma espiã russa o quer seduzir, até experimentar um capacete de Realidade Virtual bastante à frente (sobre o qual recebeu o aviso para ter cuidado redobrado visto que «a experiência é perigosa por ser muito subversiva») e causar o pânico nas ruas da capital inglesa enquanto luta com duas baguetes na mão com um capacete em plena croissantaria.
Por sorte, não está nesta missão sozinho, pois conta com o Bough (interpretado novamente por Ben Miller), o seu compatriota no terreno e a personagem mais sensata do filme. Ainda assim, Johnny English, o espião do MI7 que é baseado numa personagem de Atinks para uma série de anúncios do Barclays na década de 90, consegue salvar o mundo das mãos de um jovem muito rico, mas muito, muito, muito bom com computadores, que detém uma empresa muito, muito, grande e popular, de conseguir romper o sistema de segurança das nações mundiais. Lá está: fará certamente rir aos fãs do género, de uma audiência mais nova e familiar. A fórmula é repetida, pouco original e faz-nos sentir falta do Mr. Bean; já de Johnny English, nem tanto.
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