AVISO: O episódio do RESET que se segue, com apoio da Delta Q, pode fazê-lo sentir muita fome. 

O último episódio deste podcast tem um gostinho especial, aquele gosto de quem tem duas estrelas Michelin. José Avillez é confrontado por Mariana Cabral (Bumba na Fofinha), na mesa onde o julgamento não tem que ver com o facto de a comida estar ou não no ponto, mas com a autocrítica de alguém que afirma que “quando se chega ao topo é sempre solitário”. Entre um croquete que não fritou na perfeição ou um menu menos bem conseguido, o chef fala sobre as suas vulnerabilidades dentro e fora da cozinha, ele que não tem vergonha de dizer que chora, até porque, afinal, o RESET serve mesmo para falar dos momentos mais difíceis.

“Nós partilhamos os sucessos, mas as derrotas são minhas”, afirma Avillez quando fala sobre a sua equipa e a sua ética de trabalho. É autocrítico por natureza e por vezes dá por si a “questionar tudo”. As horas de sono são poucas, mas chegam para ter pesadelos com um cenário onde não é capaz de cozinhar. Perfeccionista, considera que em Portugal existe um pouco o "síndrome do caranguejo”, de querer ficar mais perto do melhor, não porque se pode também melhorar, mas porque se "pisou" o outro. E mostra algum incómodo com uma espécie de competitividade com pouco fair play no mundo da cozinha. Ainda assim, garante: “adoro ir a um restaurante de um colega concorrente meu e sair de lá esmagado”. 

Uma carreira tão completa, cheia de exigências, tem, no entanto, uma fatura a pagar. Durante quinze anos, José Avillez trabalhou dezassete horas por dia, seis dias por semana. Uma vez, emagreceu dez quilos em três semanas e acabou a soro no hospital, à beira de um esgotamento nervoso. Por questões de saúde, decidiu abrandar (ainda com muito trabalho). O seu pai morreu com 36 anos, altura em que o chef tinha apenas 7, um evento o perseguiu durante algum tempo (sendo que a diferença etária que tem para o seu filho mais velho é exatamente a mesma). 

Pela família, aprendeu a conciliar melhor o seu tempo e a deixar alguns projetos cair por terra. Chegou a passar semanas em que só via os filhos enquanto dormiam, chegou a ser chamado pelo filho mais novo por “o pai do mano” e chegou a induzir os filhos em erro ao vestir o casaco durante umas férias, por acharem que se estava a ir embora. As férias, essas, tenta aproveitar da melhor forma que pode, mesmo cansado, mas sempre com um certo “sentimento de culpa”. Sobre este quebra-cabeças que é conjugar o trabalho com a família, José Avillez fala sobre a dificuldade que é fazê-lo quando se trabalha às horas das refeições e a maioria dos restaurantes fecham muito tarde. É neste contexto que explica o facto de haver poucas mulheres em altos cargos na cozinha, já que muitas “nem conseguem engravidar pelas horas que passam de pé e pelo ritmo de vida que levam”. 

No que toca a pontos baixos da sua carreira (que não foi só feita de estrelas Michelin), recorda um take-away, que teve há mais de 10 anos, que faliu. “Estava tudo mal pensado”, afirma, e no fundo “foi só um devaneio de ser dono de uma empresa”. Mais perto dos dias de hoje, a pandemia foi, naturalmente, um grande abalo, por ter de fechar alguns restaurantes e ter de dizer adeus a alguns trabalhadores. “O COVID fez-me perder tudo o que nós tínhamos ganho financeiramente nos últimos quatro anos da empresa”, conta o chef. No entanto, e com o abrandar da pandemia, Avillez confessa que é até engraçado o desafio de repensar tudo de novo. 

Por vezes, tem pena de conceber coisas que depois, na prática, acaba por não cozinhar (tarefa que fica a cargo dos membros da sua equipa no terreno). No entanto, realça esta capacidade cognitiva ligada à culinária, que afirma passar muito pela “memória do paladar”, um jogo de sentidos que acontece muitas vezes longe dos tachos. “A criatividade passa-se 90% sem ires ao fogão”, explica. Frequentemente, a inspiração chega quando tem fome, por exemplo, em aviões, onde a ementa é poderá não ser inesquecível, ou em jejuns propositados. Depois, é preciso pensar na logística de reproduzir algo centenas de vezes, para centenas de pessoas, porque adornar um prato com pétalas de uma flor estranha pode ser complicado à escala de restaurante que quer servir várias refeições por dia, por semana, por mês.

Em casa, a comida é mais simples, mas os ingredientes vêm da horta, onde até já chegou a ter galinhas. Filho de uma mãe que “não sabia nem estrelar um ovo”, foi assim que começou a ganhar o gosto pela cozinha, apesar de todos os "fracassos" revelados neste RESET.

Marcar na agenda:

Este foi o penúltimo de oito episódios da primeira temporada do RESET, um podcast que poderá ouvir em formato de áudio no Spotify e em vídeo no canal do Youtube. Nestes locais, poderá ainda ver ou rever as entrevistas anteriores a Ricardo Araújo PereiraCarolina DeslandesRui Maria Pêgo e Gisela João, Salvador Sobral e Capicua. Os convidados são sempre surpresa.

De destacar que este podcast tem ainda uma componente social. Todos os episódios, os entrevistados escolhem uma causa à qual a Delta Q doa 500 euros. Desta vez, José Avillez escolheu a Casa dos Rapazes, uma instituição que acolhe crianças e jovens dos 6 aos 18 anos, e que as ajuda, juntamente com as suas famílias, a organizar a vida com o objetivo de depois regressarem a casa.

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