Natália Correia, escritora, poeta, política, nasceu a 13 de setembro de 1923, na Fajã de Baixo, ilha de São Miguel (Açores), tendo rumado, com 11 anos, a Lisboa, onde construiu uma sólida carreira de escritora e poeta, mas também a imagem da intervenção cívica e política, tendo fundado o famoso Botequim, espaço de tertúlias, frequentado por intelectuais, onde passou a última noite da sua vida.
Na sessão plenária de hoje, coube ao deputado Rui Tavares, do Livre, abrir as intervenções, recordando o espírito crítico de Natália Correia, bem patente na sua desilusão com os EUA por nada terem feito conta a ditadura em Portugal, quando este foi um país fundador da NATO, e posterior desilusão com a Europa – depois de a ter enaltecido no ensaio “Descobri que sou europeia” -, quando a “escolha europeia nos levou a fechar a porta aos irmãos de língua portuguesa”.
Rui Tavares, para quem Natália Correia “foi uma estrela da manhã”, deixou no ar a questão: “O que não teria sido ela, se não tivesse nascido num Portugal, para o qual alguns, pelos vistos, nos querem voltar a atirar".
Pelo PAN, a deputada Inês Sousa Real, evocou a faceta “consciente da senciência dos animais”, lembrando como se opôs à tourada defendendo medidas que poupassem o sofrimento aos animais.
“Furou a disciplina partidária para criticar o Governo do seu próprio partido por tratar a cultura como um parente pobre, votando mesquinhamente no orçamento, uma crítica que continua a fazer sentido, quando em 2023 o 1% para a cultura está longe de ser uma realidade”, afirmou.
Para Inês Sousa Real, numa altura em que se aproxima a celebração dos 50 anos do 25 de Abril e a revisão constitucional, “as suas causas estão mais vivas do que nunca”.
A deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua começou por afirmar que tentar resumir Natália Correia era “domesticá-la”, algo impossível para uma mulher que “era o seu próprio país”, “una, indivisível, autónoma, irrevogável, suprema na ordem interna, igual na ordem externa, como todas as soberanias são”.
“O seu conceito de liberdade chocou o país, o Portugal que vivia fora dela, marcado por uma ditadura putrefacta, que se contém e se prolonga nas reverências reumáticas ao salazarismo” (como a própria escreveu), disse Joana Mortágua, questionando de seguida se Portugal ainda será esse país.
A deputada terminou agradecendo a Natália Correia por ter tido a “coragem de sonhar um país à imagem do veludo vermelho de um botequim”.
Alma Rivera, do PCP, lembrou não só a autora de uma “vasta obra poética e literária” e divulgadora do melhor que os poetas portugueses escreveram, mas também a “parlamentar combativa em defesa dos direitos das mulheres”, “controversa, corajosa, indomável, resistente antifascista”.
“Combativa em defesa da cultura e dos direitos das mulheres, perseguida pela ditadura pela sua intervenção cívica e pela sua atividade literária, enfrentou os tribunais do fascismo”, recordou.
Evocando o julgamento em que Natália Correia foi arguida, pela publicação da censurada “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”, a deputada recordou o verso que, então, dirigiu aos juízes: “Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer.”
Para a deputada, este verso ficará para sempre como “um dos gritos da alma da resistência cultural” e Natália será sempre um “exemplo de inconformismo” que nunca suscitou “indiferença”.
Pela Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, quis “evocar os valores dos quais Natália foi exemplo e que começam a escassear na política portuguesa”, assinalando que para esta figura da cultura e política portuguesa, “o respeitinho não era bonito, era do mais feio que há”.
Apontando a sua “irreverência”, o deputado afirmou que Natália Correia foi um “exemplo da liberdade política, pessoal e artística”, considerando que, neste caso, a liberdade artística “não é uma questão estética, mas política”.
“Cria o novo e alarga as fronteiras do possível. A arte tem de arriscar, não pode ter medo de mudar”, disse, acrescentando que é “essencial a liberdade artística que não tem medo da mudança”.
“E é por isso preocupante esta sensação que eu tenho de que talvez hoje na nossa vida pública esta mulher livre não fosse totalmente compreendida e talvez fosse até cancelada”, afirmou, considerando que “fazem falta pessoas como Natália Correia”.
Pedro Pinto, do Chega, assinalou a “luta incansável pela liberdade”, de uma mulher “irreverente, polémica, nem sempre consensual, mas com grande capacidade intelectual”, num discurso feito sempre com um cigarro apagado na mão.
Recordando o percurso político de Natália Correia, as suas intervenções políticas “sempre aguardadas com expectativa e sempre surpreendentes”, Pedro Pinto não recitou, mas evocou o poema “Truca-Truca”, que a então deputada ofereceu ao colega do CDS João Morgado a propósito das suas declarações no debate sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, da qual era defensora.
Lembrando ainda a fumadora que Natália Correia era, Pedro Pinto terminou especulando sobre qual seria a sua posição hoje em dia face à proibição de fumar nos espaços públicos, e terminou afirmando que “hoje, ela acenderia o cigarro e gritaria liberdade”.
A deputada socialista Alexandra Leitão repetiu os mesmos adjetivos já usados pelos colegas parlamentares para definir Natália Correia, tendo considerado ainda ser um “caso de simbiótica entre criação e criadora”, pois “a sua obra não se pode dissociar da pessoa”.
Recordando que foi a escritora “mais censurada” do antigo regime, alguém que não aceitava os “grilhões da repressão da ditadura”, a deputada enalteceu a forma como a escritora “desbravou caminhos de igualdade”.
A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, começou a sua intervenção a saudar os Capitães de Abril, que se juntaram à homenagem, antes de fazer um curto périplo pelo percurso da autora desde o seu nascimento nos Açores, até à vinda para Lisboa, onde juntou no seu Botequim “a Cultura e a Política do país a construir-se em democracia”.
“Quem não se lembra da sua passagem pelo hemiciclo, do tom desafiante das suas intervenções, das provocações das respostas em verso, das quadras xistosas dirigidas aos colegas deputados”, disse, salientando que Natália Correia “abriu novos caminhos às gerações seguintes pela coragem de ser disruptora, aquilo a que chamaríamos hoje de politicamente incorreta”.
Ana Catarina Mendes sublinhou ainda que a escritora “vestiu sempre a palavra liberdade”, para a seguir desabafar: “E que falta que nos faz”.
A última intervenção coube a Fernando Negrão, deputado do PSD, que destacou a forma como Natália Correia “era sempre o único centro das atenções”, uma mulher “imprevisível, indomável, bela, culta…”, que afirmou: “Não aceito nenhuma disciplina imposta, sem que me demonstrem a razão dela”.
Na opinião do deputado social-democrata, essa é a frase que caracteriza Natália Correia, uma mulher a quem “era impossível ficar indiferente”: “Imprevisível, indomável, bela, contraditória, inteligente, culta”, que lutou sempre pelos direitos das mulheres e que, nos anos de 1960, “circulava com desenvoltura em meios masculinos”.
Fernando Negrão deixou também uma palavra para o Botequim de Natália, “espaço de encontro de intelectuais” onde estavam sempre intensamente presentes “liberdade, literatura, poesia, política”.
Para o deputado, que terminou como começou Joana Mortágua, confessando "a impossibilidade de resumir Natália Correia”, a frase que mais “define a sua essência” é o famoso verso, também recordado por Alma Rivera, do PCP, “Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer.”
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