“Eu espero que este livro faça aparecer novos testemunhos de pessoas que até agora não falaram: da Comissão de Extinção, do MFA (Movimento das Forças Armadas), das pessoas que mandaram durante aquele período e que foram os militares. Espero que venha a desencadear novas fontes”, disse à Lusa Irene Pimentel autora do livro que questiona se foram julgados, ou não, os principais agentes da ditadura portuguesa.
“O que eu tentei foi fazer uma organização sobre tudo o que se sabe, porque é muito interessante. Não posso dizer que não houve justiça na transição para a democracia porque houve elementos da PIDE/DGS presos, houve processos instruídos, houve uma comissão de extinção, houve tribunais militares e neste caso é muito interessante saber-se quem os julgou”, explica a historiadora, autora de uma extensa obra sobre a Polícia Internacional e da Defesa do Estado/Direção Geral de Segurança (PIDE/DGS), a polícia política da ditadura (1926-1974).
Irene Pimentel concluiu que se verificaram vários "movimentos" sobre o julgamento dos ex-agentes e a proporcionalidade das sentenças tendo sido “muito marcados pela situação circunstancial e política do país” recordando que Marcelo Caetano (presidente do Conselho) e Américo Tomás (Presidente da República) não foram julgados tendo sido enviados para o exílio por decisão do MFA.
“Eu não faço julgamentos. É evidente que havia uma vontade de se evitar uma guerra civil e nesse aspeto o 25 de Abril foi exemplar, mas além dos soldados, vítimas da guerra colonial, também houve presos políticos que não puderam fazer o seu luto e ser ressarcidos judicialmente”, destacando o “Caso Humberto Delgado”.
“O grande processo é o ‘Caso Humberto Delgado’: a Justiça não prestou um grande trabalho, mas há várias interpretações sobre o assunto”, diz Irene Pimentel referindo-se ao assassínio do "General Sem Medo" em 1965.
Irene Pimentel recorda que em Portugal, “a partir do 25 de Novembro”, havia legislação sobre a ex-polícia política e que estavam presas pessoas por pertencerem à PIDE/DGS, e vontade de as levar a tribunal, mas que, “por outro lado”, havia vontade de as libertar.
Em 1976 começaram os julgamentos dos agentes da PIDE/DGS e alguns foram punidos, mas, refere Irene Pimentel, “como se houvesse uma tabela”: um indivíduo que tivesse estado em prisão preventiva um ano e meio era sentenciado a um ano e meio, ou dois anos se houvesse testemunhas ou então libertado se houvesse uma atenuante.
“Havia receios e vivia-se a Guerra Fria e talvez isso ajude a perceber a forma como decorreram os processos sobre os agentes da ex-PIDE/DGS. Como é que a igreja ia reagir? Como é que os elementos do antigo regime iam reagir? Na altura não se sabia e havia uma vontade de lutar pelo presente e pelo futuro próximo, até do ponto de vista ideológico”, diz a autora da investigação.
Neste contexto, Irene Pimentel sublinha que ao contrário dos casos ocorridos no fim das ditaduras da Grécia, Espanha ou Argentina, o único país onde se viveu um processo revolucionário foi em Portugal.
O livro inclui, entre outras, tabelas com ordens de libertação provisória (de 21 de março de 1975 a 1982), lista de libertação de elementos da PIDE/DGS, entre 1976 e 1978, com o posto onde se tinham que apresentar e listas com números relativos a sentenças pronunciadas até fevereiro de 1986.
A investigação enquadra o caso português no conceito de justiça de transição e refere-se aos vários casos ocorridos em países que viveram processos de passagem da ditadura para a democracia detalhando também o funcionamento da Comissão de Extinção da PIDE/DGS.
“Quem vai trazer o conhecimento vai ser a História. Já não é tempo de se fazerem julgamentos”, refere Irene Pimentel defendendo, no entanto, que o estudo do passado recente pode também ajudar a perceber a situação da Justiça portuguesa.
“Até que ponto a falta de julgamento dos juízes dos Tribunais Plenários (instituídos em 1945 pelo Estado Novo) não tem uma influência indireta sobre o atual estado da justiça em Portugal?”, questiona a historiadora que alerta que ainda falta investigar a polícia política nas colónias, o papel dos “informadores” da PIDE/DGS, e o “mistério” do desaparecimento de uma parte dos arquivos, alegadamente roubados pela União Soviética depois de 1974.
"O Caso da PIDE/DGS - Foram julgados os principais agentes da Ditadura Portuguesa", de Irene Flunser Pimentel (editora "Temas e Debates"), lançado na semana passada e com apresentação marcada para o próximo sábado no Teatro São Luiz, em Lisboa.
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