A cerimónia arranca de pronto com os Queen (+ Adam Lambert) a cantarolar no palco que tanto indignou a Internet por se assemelhar ao cabelo de Donald Trump. Sem ai, nem ui. Cru, direto e uma performance assim-assim, que nem aqueceu nem arrefeceu — apenas aconteceu, e no dia seguinte cá estamos a escrever sobre isso. E se é facto que ninguém (categoria) ficou de fora, como a dada altura se pensou, a verdade é que acabou por não se conseguir encurtar a duração da transmissão do evento dos vestidos aparatosos, das celebridades e, claro, do cinema. Tudo somado, as três horas pretendidas passaram a quatro.

E a maneira mais fácil de resumir tudo aquilo que se passou com verdadeiro interesse nesta noite? Assumindo o papel de aluno universitário, segue um asbtract da noite dos Óscares:

Resumo: " O vestido com coelhos da Melissa McCarthy a fazer troça da Rainha Ana serviu para entreter numa altura em que era preciso um abanão. O discurso de aceitação de Spike Lee valeu pelo seu hilariante "não liguem essa m*rda de cronómetro" (fazendo alusão ao facto de que a organização podia apagar a luz ou colocar música para "acelerar" a mensagem de agradecimento). A humildade de Olivia Coleman que, naquele que era o seu momento, quase que pediu desculpas à veterana Glenn Close por ter ganhado. Green Book levou a almejada estatueta da noite, a de Melhor Filme. Muitos discursos pediam para se acreditar em sonhos. Uma curta-metragem sobre período (o feminino) ganhou um Óscar. Podia ter sido a noite perfeita para a Netflix, mas acabou por ser apenas uma noite bem boa para o realizador Alfonso Cuarón. A cerimónia não foi tão má quando podia, mas também não foi encantadoramente surpreendente. Nem má, nem boa, só meh."

Palavras-Chave: Spike Lee, Olivia Coleman, Sonhos, Ainda-Não-Foi-Desta-Netflix

Queen Brian May e Adam Lambert, no backstage da Cerimónia
Matt Petit / A.M.P.A.S / AFP

Foi uma noite pãozinho sem sal, sem grande alarido. O que nos obriga a um exercício de franqueza: nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos. Se há problemas de trocas de envelopes, é porque há trocas de envelopes e é uma vergonha. Se é o mesmo filme a ganhar todas as estatuetas, é uma vergonha. Se há anfitrião, criticamos porque foi pouco ou muito político. Senão há, é porque "há trinta anos que tal não acontecia". Se há, não tem piada. Ora, mas alguém consegue estar satisfeito? Hoje em dia, parece ser difícil. O que a noite reservou não foi uma coisa má, só que também ninguém explodiu de entusiasmo. Porém, não quer isso dizer que tenha sido uma cerimónia desprovida de Óscares inéditos, com uma mega surpresa no final e com um ou outro discurso mais político.

Ou seja, mesmo sem anfitrião oficial, não foi uma coisa desastrosa, como aconteceu em 1989 e como se preconizou que podia vir a acontecer. Só que foi tudo demasiado politicamente correto, sem episódios de "envelopes" e até as estatuetas foram repartidas "pelas aldeias". (O máximo que um filme conseguiu arrecadar foram 4 estatuetas, no caso "Bohemia Rhapsody").

No liveblog do SAPO24, que seguiu a cerimónia dos Óscares com os humoristas Pedro Silva e Pedro Durão, escreveu-se que "a Academia adora tanto a Netflix que até deu o Óscar ao Green Book". Porque ainda que alguns sites da especialidade apontassem "Green Book" como um dos possíveis vencedores, a verdade é que nunca se pensou que chegasse a ser muito mais do que isso: uma possibilidade. Mas foi. Cannes não estava preparada para celebrar um filme da Netflix e negou-lhes a possibilidade de participar, mas parece que os votantes da Academia também não.

"Enquanto artistas, o nosso trabalho é olhar para onde os outros não olham. É uma responsabilidade que se torna ainda mais importante quando nos dizem para olhar para o lado", disse Cuarón. A "Roma", ninguém parece ter desviado o olhar. Porque é unânime: até mesmo para aqueles que o consideram chato e aborrecido, lá bonito de se olhar é ele. Daí não se estranhar — de todo — o prémio para Melhor Fotografia. Já quanto à distribuidora Netflix? Aí, a história é outra. Parece que o mundo dos prémios norte-americanos ainda não está preparado para vassalar à gigante do streaming, ainda que esta tenha gasto milhões de dólares a promover o filme. Em categorias importantes, sim. Mas à maior de todas elas [Melhor Filme], pelos vistos, não. No entanto, "Roma", ainda assim, tornou-se no primeiro filme mexicano a ganhar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Em suma, foi uma noite boa, mas agridoce para "Roma".

"Green Book" surpreendeu tudo e todos ao ser galardoado na categoria de Melhor Filme num volte face surpreendente que fulminou de súbito o superfavorito "Roma" naquela categoria. No filme, seguimos a história verídica de Dr. Shirley, um génio da música negro que precisa de um homem multifacetado e que desempenhasse quer as funções de guarda-costas, quer de motorista. É então que contrata Tony 'Lip' Vallellonga para trabalhar numa das suas tours no sul da América, na década de 60, e a aventura do filme começa aí.

A comédia dramática que faz com que todos se fiquem a sentir bem no final, com Mahershala Ali e Viggo Mortensen nos principais papéis, sai desta noite vencedora, mas teve problemas com a família (viva) de Don Shirley (a personagem de Ali) durante a época de prémios. É que os familiares do músico alegam que a história que dá origem ao filme não faz jus à realidade. Isto é, a amizade entre o chauffeur Tony Lip e o genial pianista, não existiu daquela maneira. Ora, isto não deixa de ser irónico, porque Ali, quando subiu ao palco para os agradecimentos, mencionou a família de Shirley e dedicou-lhes o prémio. Já a família diz que o filme é uma "sinfonia de mentiras".

“Isto é hilariante — ganhei um Óscar!” Outro choque mais ou menos inesperado.

E porquê inesperado? Porque Glenn Close, de 71 anos, já leva 7 nomeações no portfólio. Haverá alguém que goste mais de dar um prémio nestas condições a uma figura honorária do que a Academia? Não. E como assim é, estava tudo à espera que o desempenho em "A Mulher" permitisse galardoar finalmente um dos nomes históricos da representação norte-americana. Porém, tal não verificou.

“Isto é hilariante — ganhei um Óscar!”, disse Olivia Colman, vencedora do Óscar de Melhor Atriz. "A Favorita" é considerado o filme mais “light” do grego Yorgos Lanthimos, mas Colman faz uma interpretação que ninguém pode dizer não seja merecedora do prémio. Porque é — ninguém fica a pensar o contrário. Claro, há pena em ver novamente Glenn Close sair derrota. Tanto assim é que a própriaOlivia disse que “não queria ganhar assim”, como que se tivesse a pedir desculpa por ter ganho.

Depois, num discurso que aqueceu o coração de todos aqueles que o ouviram, que teve tanto de humilde, como de hilariante, agradeceu ainda às outras duas nomeadas do elenco, Emma Stone e Rachel Weisz. Pois bem, isto tem que ser visto como apenas um aquecimento para o que aí vem, pois apesar de Coleman dizer que “não vai acontecer outra vez”, ninguém acredita que depois desta interpretação, não venha aí uma nomeaçãozinha pelo papel em The Crown — sim, vai voltar a vestir o papel de uma Rainha de Inglaterra e não se estranhe que o faça de forma menos exuberante e destemível. De resto, esta sua vitória, diga-se, foi mesmo a única de "A Favorita". Se há “derrotado” da noite, poderá caber esse obséquio ao filme de Lanthimos. Em 10 nomeações, ganhou 1.

“Posso não ter sido a escolha mais óbvia, mas penso que até resultou”

Não foi primeira escolha, mas foi aquela que ganhou um Óscar. Fico impressionando sempre que o vejo, mas ao mesmo tempo não consigo esquecer a prótese dentária que me teima em atazanar a cabeça. E atazanar porquê? Porque não consigo deixar de olhar para Malek e não pensar que o Conde Drácula saiu do seu caixão para ir ao Halloween. Os fãs de Freddie Mercury que me perdoem, mas esta é a verdade. Porque, atenção: não é a performance, é só a prótese. Não era o meu favorito (esse era Bale), mas não tenho problemas com a atribuição.

"Posso não ter sido a escolha mais óbvia, mas penso que até resultou", disse Rami Malek quando recebeu o Óscar para Melhor Ator pelo papel do ícone de "Bohemian Rhapsody", o primeiro ator norte-americano com descendência árabe a tê-lo feito. No entanto, nem uma palavrinha sobre o realizador Bryan Singer, acusado de assédio sexual. O que não impediu que o filme arrecadasse ainda os Óscares para Melhor Montagem, Melhor Edição de Som e Melhor Mistura de Som. Tudo somado, o biopic dos Queen — que os fãs queriam que fosse mais de Freddie Mercury — levou 4 estatuetas para casa.

Todavia, a noite foi também de Regina King, que levou para casa o Óscar de Melhor Atriz Secundária. (Na verdade, King foi a primeira a ganhar qualquer coisa nesta madrugada.) É certo que, nos BAFTA, Rachel Weisz levou vantagem, mas em solo norte-americano não se pensava que o mesmo acontecesse. O que não quer dizer que houvesse menos emoção ou lágrimas no discurso, porque houve. E agradecimentos não só ao realizador de Moonlight (Ben Jenkins), mas também a James Baldwin, autor do romance que deu origem ao filme "Se Esta Rua Falasse".

Não, não foi uma noite política. Aliás, já o tinha referido em cima. Mas também não é como se existisse uma "política zero" no que ao tema diz respeito. Na hora de apresentar o Melhor Filme em Língua Estrangeira, Javier Bardem fê-lo em espanhol (com devida legendagem, sinalizando que não houve assim tão grande improviso quanto deu a parecer): "Não há fronteiras ou muros que possam conter a engenhosidade ou talento", disse.

O abraço de Spike Lee a Samuel L. Jackson
VALERIE MACON / AFP créditos: AFP or licensors

Mais tarde, um senhor de 61 anos, chamado Spike Lee, ao ganhar o prémio de Melhor Argumento Adaptado por "BlacKkKlansman: O Infiltrado", o seu único Óscar sem ser aquele que recebeu de forma honorária em 2016, lembrou os norte-americanos que as eleições de 2020 estão aí na calha. “Temos de nos mobilizar, temos de estar no lado correto da história”, disse. Antes, saltou para o colo de Samuel L. Jackson, num momento que fez uma das fotos da noite.

Estava nomeado para oito Óscares, mas "Assim Nasce Uma Estrela" só conseguiu ver consagrada a sua canção original. Ao aceitar o prémio pelo tema "Shallow", uma chorosa Lady Gaga revelou: "Trabalhei no duro durante bastante tempo e não se trata apenas de vencer. Importa é não desistir. Se tiverem um sonho, lutem por ele". Sobre a canção, ou melhor dizendo, sobre a performance que deixou a Internet de boca aberta e coração derretido, para este espectador de sofá não foi memorável. Não é que tenha sido má, nem pouco mais ou menos. Mas será que foi um "dueto para a história" dos Óscares? Foi giro, fofo. Não creio que fique para a história. Foi, lá está, "meh".

E "Black Panther"? Não ganhou na categoria de Melhor Filme, mas registou vitórias históricas e inéditas. Ruth E. Carter ganhou para Melhor Guarda-Roupa pelo seu trabalho "afrofuturista" — à terceira foi de vez (teve nomeada por "Amistad" e "Malcom X") e foi a primeira afro-americana a vencer a categoria. Já Hanna Beachler também foi a primeira afro-americana a ganhar para Melhor Direção Artística. Para completar o trio de estatuetas, Ludwig Göransson, ganhou na categoria de Melhor Banda Sonora.

Mãozinha portuguesa em Free Solo

O documentário da National Geographic, "Free Solo”, de Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, ganhou na sua categoria. Só que a parte interessante — mais uma, vá — da jornada que seguiu o alpinista norte-americano Alex Honnold na escalada dos 900 metros de altura da parede de granito El Capitan, na Califórnia, sem quaisquer cordas ou proteções, foi que esta contou com dois portugueses no departamento de som. (De forma remota.)

À agência Lusa, Vasarhelyi, nos bastidores dos Óscares, revelou que “o áudio é tão importante quanto a incrível fotografia que tivemos, é nisso que acreditamos”. A Loudness Films, sediada em Lisboa, foi responsável pelo trabalho de "foley" do documentário, criando os sons impossíveis de captar nas filmagens, através da 'foley mixer' Joana Niza Braga e do 'foley artist' Nuno Bento. Segundo explicou, a escolha aconteceu por causa da supervisora de edição de som, Deborah Wallach, com a qual a realizadora trabalhou nos últimos seis filmes. Foi ela que "encontrou este talento maravilhoso em Portugal”.

Um Óscar com talento português. Na foto os criadores de 'Free Solo', Óscar de Melhor Documentário,  Elizabeth Chai Vasarhelyi, Jimmy Chin, Evan Hayes e Shannon Dill. A Loudness Films, sediada em Lisboa, foi responsável pelo trabalho de 'foley' do documentário.
EPA/ETIENNE LAURENT

Algo difícil de esquecer

Não é fácil assimilar esta ideia. Talvez seja porque o texto surge a quente, talvez seja porque ainda existe alguma indignação a apoquentar a alma, mas a realidade é que do trabalho de Peter Farrelly, realizador do Melhor Filme deste ano, vou passar a lembrar-me de três coisas: 1) a cena que, mal ou bem, é um marco na carreira de Jeff Daniels (sim, estou a falar da cena do ataque de diarreia em "Doidos À Solta"); 2) da parte em que Cameron Diaz tem o cabelo com um gel esquisito em "Doidos por Mary" num encontro com Ben Stiller); 3) a mesma pessoa que criou e escreveu estas duas cenas acabou de receber um Óscar para Melhor Filme. Let that sink in. 

Melhor Vestido da Noite com Coelhos/F Bomb de Spike Lee

Foi uma noite em que vimos Spike Lee subir ao palco soltar uma asneirola bem ao seu estilo. "Não liguem essa m*rda de cronómetro", avisou o realizador, de 61 anos, assim que chegou ao microfone enquanto sacava de duas folhas A4 com notas de agradecimento. Antes, tinha saltado para o colo de Samuel L. Jackson como se de uma criança se tratasse. Hilariante. E muito Spike Lee.

Melissa McCarthy (e os seus coelhos) provaram ser um dos momentos da noite quando a atriz apresentou a categoria de Melhor Guarda-Roupa.

Um par icónico salmonado 

Helen Mirren descreveu aquela cena melhor que ninguém. "Um Deus havaiano e um mulher madura puderem utilizar a mesma cor". Uma imagem vale mais do que mil palavras. Mas se me perguntassem no início da cerimónia que ia ter que debater com os meus colegas do lado se o fato de Jason Mammoa era ou não "salmão", diria que definitivamente não seria um tema que me iria passar pelos dedos no final da noite. Mas, tal como aconteceu com Green Book, esta discussão deu-se e foi real. Juntar melhor par seria difícil.

Seis anos depois, a Disney não ganha na Animação

Não é preciso ser-se fã de Homem-Aranha, da Marvel ou até de banda desenhada. Para apreciar Spider-Man Into the Spider Verse é só preciso gostar de animação, criatividade (às toneladas) e deixar-se levar na montanha russa visual que é o vencedor na categoria de Animação. É um dos melhores filmes ano e não só desta categoria. A estar um filme de super-heróis nos nomeados na categoria de Melhor Filme, os fãs de Black Panther que me perdoem, este seria o meu candidato.