“A palavra hoje é “ironia”. A data, dia 24. O mês, fevereiro, que também calha ser o mês mais curto do ano, e que também é o mês da História dos Negros. O ano, 2019. O ano, 1619. História. Essa história. 1619, 2019. 400 anos.”

Começou assim o discurso com que Spike Lee agradeceu o Óscar para melhor argumento adaptado que recebeu em conjunto com Charlie Wachtel, David Rabinowitz e Kevin Willmott por “BlackkKlansman”, o primeiro da sua carreira. Antes, duas nomeações falhadas: o documentário “4 Little Girls”, de 1997, e o filme “Do the Right Thing” (“Não dês bronca”, em português), de 1989. Como também ironizou já na sala de imprensa, referindo-se a esta primeira nomeação, “cada vez que alguém conduz alguém, eu perco” – isto porque em 1989 o prémio foi para “Driving Miss Daisy” e em alusão ao vencedor deste ano “Green Book”, já que ambos envolvem protagonistas sendo conduzidos num carro para algum lado.

“[Há] quatrocentos anos. Os nossos antepassados foram roubados da Mãe África e trazidos para Jamestown, Virginia, escravizados. Os nossos antepassados trabalharam a terra desde antes de ser manhã até depois de já ser noite. A minha avó, que viveu 100 anos, era uma licenciada do Spelman College, apesar da mãe dela ser escrava. A minha avó que poupou 50 anos dos seus abonos de segurança social para por o seu primeiro neto – ela chamava-me Spike-poo – no Morehouse College e na escola de cinema da N.Y.U. N.Y.U.!

Antes do mundo que esta noite nos vê, eu agradeço aos nossos antepassados que fizeram deste país o que é hoje ao lado do genocídio das populações nativas. Todos temos de nos relacionar com os nossos antepassados. Iremos recuperar amor e sabedoria, iremos recuperar a nossa humanidade. Será um momento poderoso. As eleições presidenciais de 2020 estão aí. Vamos mobilizar-nos. Vamos todos estar do lado certo da história. Façam a escolha moral entre o amor e o ódio. Façam o que é certo”.

No final da cerimónia, Spike Lee não escondeu o seu desagrado com a escolha de “Green Book” como o melhor filme do ano. Um gesto visível de desagrado ainda na sala do evento, uma resposta seca —“sem comentários”  — sobre a escolha e posteriormente uma comparação irónica a um erro de arbitragem num jogo do “[Madison Square] Garden” onde joga a sua equipa favorita de basquetebol, os New York Nicks.