Hoje não existe com nenhum destes nomes e de Soaz apenas ficou uma memória muito ténue naqueles poucos que, apaixonadamente, teimam em não deixar morrer o seu nome. Só este, porque a terra, essa, está bem enterrada há já muitos anos. Assim o quiseram quando no ano de 1834 esfrangalharam este concelho pelos de Vieira, Lanhoso e Bouro. Coisas da política da época, que em muito se assemelha às coisas da política de agora.

Localizada no vale do rio Cávado, esta terra desabrocha entre as serras do Gerês, da Cabreira e do Barroso, de Frades e Friande a Salamonde, passando por Parada de Bouro, Caniçada, Soengas, Ventosa, Cova, Louredo e Vilar da Veiga.

As fragas abrigam e refrescam os rebanhos e nos escarpados penhascos as águias e os falcões constroem ninhos para refúgio das suas crias. O garrano corre livremente nos prados das duas serranias, com as negras e longas crinas deslizando pelo vigoroso pescoço, e partilhando o verdejante pasto com o bravio touro barrosão.

A urze nasce selvagem, ao lado do perfumado alecrim e do nativo lírio do Gerês. Deste habitat partilharam também o veloz lince ibérico e a altiva cabra montesa, bem como o majestoso urso pardo, extintos neste território em meados do século XIX.

Foi neste ambiente que há mais de cinco mil anos o homem se decidiu fixar por aqui. Comprovam-no os vestígios castrejos e muitos outros elementos históricos referenciados a essa época.

Em pequenos lugares, foram-se construindo as habitações, onde o principal conforto no inverno advinha de uma pequena fogueira que ardia sobre uma pedra colocada num recanto da cozinha.

Numa manta totalmente esfarrapada de retalhos emparcelados, o lavrador vai cultivando cada uma das suas pequenas leiras com o milho, o feijão e as couves, que hão-de ser o sustento para o seu dia-a-dia. Das vides assestadas de enforcado se retira o vinho para aquecer a alma esfriada com os ventos gélidos do inverno.

Naquelas altas serranias, os serões eram passados, ao longo de muitos e muitos séculos, à volta da fogueira, tendo como assento o negro e velho escano.

Todos aí se recolhiam: O avô e a avó, o pai e a mãe, os filhos e os netos, o cão e o gato e, por vezes também, um ou outro rato! Todos na busca do calor da fogueira.

Falava-se dos afazeres do campo e de como andavam as colheitas e sementeiras; falava-se do tratar da lenha e do acomodar da fazenda; falava-se das águas e das levadas, das sortes e das coutadas; e da madrinha e do padrinho, que haviam de ser escolhidos para abençoar o menino. E das orações aos céus, que se apregoavam continuamente nos dizeres diários, pois tudo era “se Deus quiser”; e se Este assim o quisesse, eram dadas “Graças a Deus”.

E bem no centro de tudo, mesmo por cima daquele lume, encontrava-se um negro e velho pote de ferro, onde um pouco de feijão com couves, uma tira de barriga de porco e algumas, poucas, batatas, coziam em lume brando, para se servir, dali a nada, um caldo reconfortante. Era esta, muitas vezes, a única refeição do dia.

Na adega estavam os pipos, cheios do vinho tinto que havia de acompanhar a sopa. Era lá que estava também a velha talha de azeite, aquele azeite que ia lambuzar o caldo, e que servia também para alimentar a candeia. No canto, junto à porta, estava a caixa salgadeira, com o porco feito em tiras, para irem, à vez, cozinhar no pote.

Longe de tudo e de todos, voltados para si mesmo, este povo vivia entre si e para si, habituado ao que a terra lhes dava e tirando dela o melhor proveito.

De quando em vez, aparecia um ou outro castelhano, bem como um qualquer francês, a testar a sua estirpe montesa.

É neste cenário de total liberdade e independência que se forja o habitat da Ribeira de Soaz e do seu povo. Local de inspiração para D. Sancho I alinhar cantigas de amor à sua predileta Ribeirinha e para cuidar dos seis filhos que dela teve.

"Ay eu coitada


Como vivo em gran cuidado


Por meu amigo que ei alongado!


Muito me tarda


O meu amigo na Guarda!



Ay eu coitada


Como vivo em gram desejo


Por meu amigo que tarda e não vejo!


Muito me tarda


O meu amigo na Guarda."

Ribeira de Soaz, terra de encantos e genuinidade, berço de Vieiras e refúgio de Barbosas, amparo de Abreus Lima e Pintos Coelho; também de Sousas e Albuquerques, Ribeiros e Araújos, todos vieram aqui beber do rio da temperança e da fortaleza, do carácter e da honradez, moldando-se assim valentes homens, que muito representam a máxima do poeta do Neiva, daqui vizinho, "antes quebrar que torcer".


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