Numa das ruas mais movimentadas do centro da cidade, a Galáxia, que "nos períodos fortes das férias dos emigrantes ou no Natal" chegou a empregar sete pessoas, continua a resistir à era digital, mas agora apenas com o proprietário.
José Felgueiras assumiu o negócio aos 22 anos, "quando saiu da tropa", trocou o emprego numa livraria e aceitou decidiu apostar num negócio por conta própria. Hoje, aos 66 anos, a "paixão" pela música não se resume à empresa, para ganhar forma na guitarra, em jeito de blues e jazz, no conjunto que formou com amigos.
Muitas amizades nasceram na loja Galáxia. O funcionário Arlindo Fernandes, que o acompanhou durante mais de duas décadas, e que, em 2018, se viu "obrigado", ou Vítor Coutinho, que "foi e continua a ser um dos seus melhores clientes", com um espólio de mais de 36 mil discos em vinil e CD.
A abertura da Galáxia, relembra José Felgueiras, veio "inovar" o comércio da cidade. O negócio começou "lento" porque "não havia muita gente com gira-discos", uma "adversidade" que contornou, passando a vender também os equipamentos.
Com "saudade", recorda a década "rica e criativa" de 80 e "os sucessos de grandes grupos da cena rock, como os Pink Floyd e Supertramp", que vieram "incrementar bastante o comércio do vinil", atualmente a regressar às prateleiras da loja.
Nessa época, a loja "tinha duas cabines, com gira-discos e sofás", onde o cliente podia ouvir as novidades.
"Umas vezes compravam outras não, mas existia um convívio interessante. Nessas cabines, se calhar, até se fizeram alguns casamentos. Muitos casais namoravam ao som da música", brincou.
Naqueles tempos, recorda, as sessões de autógrafos com artistas que estavam no ‘top' eram um "sucesso". "A polícia tinha que vou pôr ordem na multidão. Todos queriam entrar na loja para estar perto dos ídolos", relembra.
As rádios da cidade eram, por essa altura, "grandes clientes" da loja. "Em meados da década, com o aparecimento das rádios pirata [designação atribuída às estações emissoras antes do processo de legalização iniciado em dezembro de 1988], eram os próprios animadores que tinham de levar os seus discos para os programas. Muitos vinham aqui comprar as novidades. Hoje são as editoras a enviar os trabalhos", explicou José Felgueiras
A "grande transformação" que, entretanto, o setor foi conhecendo, com a chegada do mini disc, do CD e da internet, veio complicar o negócio.
"Hoje basta um ‘click' para comprar música, nem é preciso sair de casa. A concorrência, às vezes, é de tal forma dura que, realmente, dou comigo a pensar. Será que estou aqui por teimosia?", questionou.
Mas depois vê o "reverso da medalha", o "reconhecimento" das pessoas que "confiam" nas suas propostas e sugestões. "É o que me faz trabalhar e o que me dá vontade para continuar. Tenho clientes de muitos anos que vêm de Braga e de Espanha. Sinto que as pessoas dão valor ao meu trabalho e à minha casa. São elas que me alertam para a importância, "icónica", no contexto da cidade", referiu.
Muitas das casas da especialidade que conhecia, na cidade e no país, já encerraram. José Felgueiras garante não ser um homem "vaidoso", mas reconhece que a "relação que estabelece com os clientes acaba por fazer toda a diferença".
O espectro do encerramento não está dissipado. O ano de 2018 foi a "prova disso". Foi necessário "cortar despesas". Já 2019 será o ano do "tira teimas".
Apesar da idade já pesar no prato da balança, a "falta de coragem" para encerrar "uma vida" dedicada à loja e à música faz de fiel, numa medição "ingrata" porque, do lado de "lá estão os clientes, que se transformaram em amigos, a desequilibrar tudo".
De olhar colocado nas prateleiras que preenchem as paredes da loja fixa os cerca de 15 a 20 mil exemplares e deixa escapar: "Tudo o que está aqui é meu. Foi comprado em consciência. Escolhido com todo o cuidado. Apostas seguras, procurando ir, como sempre, ao encontro do gosto dos meus clientes".
Comentários