O músico, que está em Cabo Verde pela primeira vez, lembrou, em conferência de imprensa, os quatro concertos que realizou nos Estados Unidos com a "diva" da música cabo-verdiana e lamentou não ter conseguido visitar o país enquanto ela estava viva.

"Dávamo-nos muito bem, gostava muito dela. Tenho muitas saudades. A primeira coisa que senti quando cheguei aqui foi saudades da Dona Cesária porque não consegui vir a Cabo Verde com ela em vida. Queria muito, mas não foi possível. Tive o prazer de conviver com ela e de saber da sua força, da sua dignidade e do seu compromisso com a beleza", disse o músico brasileiro.

Seu Jorge, que admitiu não conhecer muito mais da música cabo-verdiana, lembrou como Cesária Évora sempre fazia questão de falar crioulo e como o seu "compromisso com o país e a sua cultura" lhe acendeu "a vontade de estar mais ligado com as próprias raízes".

O músico, que fecha a primeira noite de concertos pagos, esgotou os bilhetes, algo inédito na história das 10 edições do Kriol Jazz Festival.

"Foi uma surpresa maravilhosa. Não esperava", disse Seu Jorge, adiantando que das coisas mais "bacanas" que lhe aconteceram recentemente foi ter descoberto que uma das suas bisavós nasceu em Cabo Verde.

A descoberta foi feita, segundo o músico, por uma prima, porta-bandeira da Escola de Samba Portela, que recentemente esteve no Mindelo, e que o incumbiu agora de tentar descobrir o rastro da bisavó em Cabo Verde.

O cantor, que vai dar um segundo concerto, no sábado, no Mindelo, mostrou-se "encantado" com o país e com as semelhanças entre o Brasil e Cabo Verde.

"Há uma semelhança tão grande com o Brasil, vejo no semblante das pessoas, na temperatura do ar, na calma. Há muita coisa semelhante ao Brasil, sobretudo com a Baia. Tenho-me sentido muito em casa", disse.

Musicalmente, Seu Jorge disse estar num processo de "ligação muito forte" e de "reencontro" com a África brasileira, cujos primeiros "frutos" serão tocados no concerto de hoje e que deverá resultar num disco depois do verão.

"Ressurge no Brasil atualmente uma ideia muito perigosa de xenofobia, racismo com alguns grupos pequenos a promover na internet essas distorções e para essas coisas muitas vezes a música é um antídoto poderoso", disse.

"Reencontrando-me com essa África brasileira que é a Baía e toda a negritude e toda a expressão musical que a negritude baiana e brasileira promove, com muita alegria, muita dança, muita festa, vamos levar aos jovens a ideia que esses sentimentos, que estão a tentar ressurgir, estão falidos", acrescentou.

O músico comentou também a situação política e social no Brasil, considerando que existe um "risco de o autoritarismo se levantar e sobressair".

"Existe um movimento muito forte da extrema-direita […] e, na minha forma de ver, esse autoritarismo é totalmente incompatível com o mundo de hoje e com as possibilidades do Brasil e do povo brasileiro. Há uma preocupação e uma polarização muito grande das opiniões políticas", disse.

Em ano de eleições e com 17 candidatos a Presidente da República, Seu Jorge sublinha a "degradação da classe política brasileira" associada à corrupção.

"A grande dificuldade hoje é, num estado de representação, encontrar aquele que possa mudar essa situação e essa perceção sobre o Brasil", disse.

Assinalou que falta "um projeto social de Brasil para acudir às pessoas" e defende um entendimento, através do debate, entre todas as partes, sobre o futuro do Brasil, onde se mantém "um quadro de desigualdades muito agudo", "voltou a haver fome" e "muita violência".

Além de Seu Jorge, hoje atuam no Kriol Jazz Festival o músico cabo-verdiano Mário Lúcio, a cantora da ilha da Reunião, Nathalie Natiembé e o músico norte-americano Stanley Jordan com os húngaros Thunder Duo.