Cidade de Nova Iorque

1999

2.

SEXTA-FEIRA, 28 DE MAIO

A primeira surpresa da tarde surgiu quando Charles afirmou não ter opinião acerca do vestido dela.

Sawyer sabia que há muitos homens que não têm opinião sobre aquilo que as namoradas vestem, mas Charles não era um deles. Ele gostava de coisas bonitas. Ele respeitava o estilo e admirava o design. É verdade que possuía um leque muito mais alargado de opiniões profundas acerca da moda masculina do que sobre a feminina, mas, ainda assim, tinha opiniões.

Embora Sawyer não concordasse necessariamente com todas as opiniões de Charles, ela gostava do facto de ele ter sempre uma. Um ano antes, quando Charles tinha começado a trabalhar como advogado associado júnior na Wexler Gibbons, estava perfeitamente consciente de que ter encontrado um lugar numa firma de advogados tão prestigiada era como ganhar a lotaria e tinha querido imenso causar boa impressão. Ele tinha tido muito a dizer acerca do que ambos usavam nos eventos da empresa. Até tinham transformado isso num ritual: Sawyer experimentava várias possibilidades e vinha do quarto, nas traseiras do apartamento deles, para lhe mostrar. Charles esperava que ela lhe perguntasse o que achava e, depois, dava-lhe um feedback bem refletido, de um verdadeiro amigo. Sawyer estava muito grata. Viver em Nova Iorque com vinte e poucos anos significava tentar aguentar-se numa cidade incrivelmente cara enquanto pagava os empréstimos estudantis. Estar à altura da ocasião com um orçamento pequeno exigia ter uma estratégia e o apoio da «outra metade» tornava tudo mais divertido.

Portanto, quando Sawyer tirou do roupeiro os dois vestidos que estava a considerar usar e levantou os dois cabides para os mostrar a Charles, ficou perplexa quando o ouviu dizer (depois de mal olhar para a roupa):

– São os dois bonitos.

Ela experimentou um. Depois, o outro.

– É o que preferires, ficam-te os dois muito bem.

Era uma cena cliché dos filmes: a indiferença cómica do marido à aparência da mulher e a cara de poucos amigos dela.

«Nós não somos assim», protestou o cérebro de Sawyer, com uma pitada de indignação. Tinham ficado noivos há pouco menos de um ano, não eram exatamente um velho casal. Por norma, aperaltarem-se para sair era uma oportunidade para flirtar, para insinuar que poderia haver sexo mais tarde.

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Mas depois de ter despido os dois vestidos, Sawyer ficou ali de roupa interior, e de sobrolho franzido, a olhar pela porta aberta do quarto em direção ao sítio onde Charles estava sentado, na outra divisão. Ele nunca levantou o olhar, nem uma única vez. Tinha a atenção completamente focada no computador portátil atribuído pela empresa. O ThinkPad da IBM estava aberto em cima da mesa da cozinha, uma concha preta pesada, com agressivos ângulos retangulares. Sawyer semicerrou os olhos, já quase certa daquilo que iria provavelmente ver: quase conseguia ler um documento legal relacionado com trabalho a brilhar no ecrã.

Suspirou e virou a atenção de novo para os dois vestidos des- cartados, que estavam agora pousados na cama. Um era azul-claro, com manga cava. O outro era preto, com alças finas que se apoiavam, com alguma tensão, sobre as suas clavículas proeminentes. Um era à Jackie, o outro era à Marilyn. Se Charles tivesse realmente olhado para cada um dos vestidos, quando ela os experimentou para ele ver, Sawyer sabia que ele teria escolhido o estilo Jackie.

Estudou as duas opções. Depois, deitando outra olhadela aborrecida a Charles, escolheu o vestido preto com uma pitada de rebeldia e enfiou-o pela cabeça. Tinha um certo peso e ajustava-se às curvas do seu corpo como se fosse água. Demorou algum tempo a observar-se no espelho, alisando o tecido na cintura e nas ancas e endireitando as alças, interrogando-se se seria mesmo suficientemente corajosa para o usar.

O telefone tocou e o toque estridente captou a atenção de Charles quando, ainda há momentos, Sawyer não tinha conseguido obter mais do que um olhar fugaz. Ele levantou-se de um salto e agarrou no auscultador do aparelho instalado na parede da cozinha.

– Ei, o nosso carro está lá em baixo – disse. – Estás pronta?

– Só preciso de me calçar e pôr umas coisas na mala. Está frio na rua?

– Não. Já é quase verão. Mas nunca se sabe, traz um casaco, pode ficar frio mais tarde.

***

Sempre que eram convidados para um evento da empresa, Charles insistia em deixarem de lado o comboio e nem sequer apanhavam um táxi. Esbanjavam no aluguer de um carro com motorista. Esta noite, tinham usado aquele que geralmente reservavam para ir buscar os pais dela ao aeroporto, o que tinha o número de telefone que terminava com vários seis. Esperava que isso não fosse presságio de nada em especial.

O carro cheirava a ambientador e a viagem até à baixa foi calma. Sawyer passou o tempo a olhar pela janela, hipnotizada pelas luzes da cidade que passavam. E de repente já ali estavam, a percorrer as ruas estreitas da antiga versão holandesa de Nova Iorque, e a serem deixados no Cipriani, com as colunas neoclássicas do restaurante intensamente banhadas por um conjunto imponente de luzes douradas e roxas que pareciam ter sido selecionadas especialmente para o evento.

Saíram do carro, subiram as escadas e entraram.

Tornou-se imediatamente óbvio: o sítio tinha sido fechado, reconfigurado e estava agora reservado para o jantar de empresa da Wexler Gibbons. Na realidade, era menos um «jantar» e mais uma espécie de gala. Havia uma banda a tocar num canto. Circulavam hors d’oeuvres em bandejas prateadas. Havia itens para um leilão silencioso que angariava dinheiro para a literacia infantil. Pósteres da campanha, com fotografias de crianças adoráveis a agarrar livros e lápis, anunciavam com orgulho que a firma doava anualmente milhões a uma fundação nacional bem conhecida.

O próprio interior do edifício cheirava a dinheiro antigo: ainda mais colunas e arcos neoclássicos, a imitar mármore, e um teto ornamentado a talha dourada e coroado por uma cúpula Wedgwood no centro de tudo.

– Uau – disse Sawyer, desejando imediatamente ter optado pelo vestido azul-claro. Tinham entregado os casacos à entrada. Não havia volta a dar.

– Acho que o nosso lugar é ali – disse Charles, conduzindo Sawyer para uma das inúmeras mesas envoltas em toalhas de linho branco atadas com um laço de cetim roxo. Esta estava rodeada por um amontoado de alguns dos mais jovens funcionários da Wexler Gibbons, todos com um ar ambicioso. Charles deu a volta, a espreitar para os cartões com os nomes.

Ainda ninguém se sentara. Após um segundo, Sawyer percebeu que Charles queria apenas verificar a sua posição na sala. E verificar quem é que se ia sentar perto dele. Sawyer seguiu-lhe o olhar.

O cartão ao lado do dele dizia «Kendra Larson».

***

O nome «Kendra» criou na mente de Sawyer a imagem de um boneco Ken, o que fazia bastante sentido, na realidade, porque havia alguma coisa de Barbie na beleza de Kendra, simultaneamente atlética e masculina. Era mais bronzeada e mais loura do que qualquer nova-iorquina tinha o direito de ser, com ombros largos e um maxilar forte, e o porte de uma jogadora de voleibol de praia.

Quando Kendra ocupou o seu lugar na mesa, ao lado de Charles, apresentou o namorado. Sawyer apanhou o nome por cima do ombro de Charles, Nick qualquer coisa, e depois de toda a gente ter sido apresentada, Charles e Kendra voltaram-se um para o outro e, basicamente, não voltaram a virar-se durante o resto do jantar.

Foi a segunda surpresa da noite. Charles sabia que os jantares de empresa deixavam Sawyer a sentir-se deslocada e sempre tinha sido bom a incluí-la. Quando os assuntos de trabalho deixavam Sawyer de lado, Charles introduzia na conversa algumas das histórias de ambos como casal, geralmente alguma coisa engraçada, que podiam contar juntos. A conversa regressava invariavelmente aos negócios, mas pelo menos nessa altura Sawyer já não se sentia ignorada. Depois, Charles beijava-lhe sempre a mão com ternura durante a viagem de carro para casa e agradecia-lhe por ela ter vindo.

Porém, naquela noite, Sawyer deu por si a olhar para a nuca de Charles e a tentar ouvir o que diziam. A certa altura, fez uma tentativa para fazer novos amigos, dirigindo-se antes ao homem que estava sentado à sua esquerda, mas também ele já estava numa conversa profunda e de costas para ela. Portanto, as opções resumiam-se a escolher entre duas nucas: o redemoinho que não lhe era familiar versus o redemoinho que ela conhecia. Pelo menos, ao tentar escutar a conversa do noivo não parecia tanto estar a espiar desconhecidos.

Ou parecia?

Charles e Kendra conversavam com uma intensidade surpreendentemente vertiginosa. Falavam um por cima do outro, como velhos amigos, e riam das piadas um do outro, várias das quais eram, sem dúvida, piadas privadas, deixando Sawyer com um sorriso amarelo enquanto esperava que o riso deles amainasse. Conseguiu perceber que eles tinham sido designados para a mesma equipa que estava a tratar de um caso importante – uma enorme fusão entre duas grandes empresas de telecomunicações. Charles já tinha mencionado antes o seu entusiasmo por estar associado ao caso, mas nunca mencionara os nomes das pessoas envolvidas.

– Não sei se devo falar muito sobre isso – dissera ele. – Esqueço-me que trabalhas no setor editorial.

– Claro – brincara Sawyer com cinismo. – Consigo perceber perfeitamente como é que os assistentes editoriais que trabalham numa pequena editora por 27 mil dólares por ano são uma ameaça à segurança da Wexler Gibbons.

– Não, a sério – insistira ele. – Uma das empresas de telecomunicações tem uma subsidiária importante de comunicação social.

Livro: "Sexta à Tarde"

Autor: Suzanne Rindell

Editora: ASA

Data de Lançamento: 28 de maio de 2024

Preço: € 20,50

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Isto tinha acontecido há um mês e meio. Desde então, Charles não só tinha deixado os assuntos de trabalho no escritório, como se tinha deixado ficar lá fisicamente, com o horário laboral a prolongar-se cada vez mais. Embora não gostasse que ele estivesse sempre no emprego, Sawyer não tinha pensado muito nisso, afinal, é suposto esforçarmo-nos para provar o nosso valor quando estamos na casa dos vinte anos, não é?

Mas agora, quando Charles se inclinou para Kendra e disse, em voz baixa, «Oh, meu Deus, estou desejoso de ir fumar um cigarro, e tu?», Sawyer sentiu um arrepio.

Kendra esboçou um sorriso malicioso de conspiração e assentiu. Depois, o olhar dela passou sobre o ombro de Charles e recaiu em Sawyer.

– Sawyer, vens fumar connosco? – perguntou Kendra, animada e amigavelmente.

– Não, a Sawyer detesta estar perto do fumo de tabaco – respondeu Charles por ela. – Ela só atura os meus desejos ocasionais. – Olhou para Sawyer. – Pode ser? Prometo ficar contra o vento, arejar o casaco e chupar um rebuçado.

Kendra riu-se.

– Queres que eu obrigue o Charles a dar uma corridinha à volta do World Trade Center a seguir? – brincou ela.

Kendra tinha usado um tom perfeitamente leve, descontraído... inofensivo. Sawyer forçou um sorriso educado.

– Não tenho a certeza que consigas «obrigar» o Charles a fazer nada – respondeu, de forma igualmente leve e descontraída. – Mas talvez eu nunca tenha tentado.

– Parece que estás a subaproveitar o objetivo de ter um namorado – disse Kendra com uma piscadela de olho, como se ela e Sawyer estivessem, de repente, na mesma equipa.

– Ei! – protestou Charles, a sorrir.

– Só vai piorar depois de casarem – sugeriu o homem com o redemoinho, junto ao cotovelo de Sawyer.

– É verdade, é uma condenação à morte! – brincou outro tipo.

A mesa riu-se toda.

Charles abanou a cabeça com um ar carinhoso. Virou-se para dar um beijinho na cara de Sawyer.

– Prometo não voltar a cheirar a fumo – disse ao despedir-se.

Depois, Kendra e Charles levantaram-se das cadeiras agora vazias, absorvidos na continuação da conversa e dirigiram-se para a saída que dava para Wall Street. Sawyer ficou sentada, a vê-los desaparecer. Percebeu que tinha o sobrolho carregado. Forçou-se a descontrair.

Virou-se de novo para a mesa, perdida em pensamentos, a resistir ao impulso de levar a mão à boca e roer as unhas. Do outro lado das duas cadeiras agora vazias, o namorado de Kendra estava sentado a beber o que parecia ser um copo de whisky puro.

Ela estudou-o durante uns instantes.

O fato dele era tão bom quanto os dos advogados que o rodeavam, mas ele usava-o com menos cuidado, com alguns botões desapertados. Sawyer tinha reparado antes que, enquanto ela se esforçava para ouvir a conversa de Charles e Kendra, e fazer comentários educados, o namorado de Kendra não se tinha dado sequer a esse trabalho. Em vez disso, tinha estado ali sentado, a olhar de forma antissocial para longe, com o tipo de indiferença condescendente e fria geralmente aperfeiçoada pelos adolescentes rebeldes. Por norma, esse tipo de atitude aborrecia Sawyer, por isso, ficou surpreendida ao perceber que o achava muito atraente.

Pigarreou, sentindo-se estranhamente nervosa.

– Nick, não é? – cumprimentou-o com um sorriso desajeitado.

Ele bebeu um gole do líquido âmbar do copo e manteve-o na boca durante uns instantes, a saborear enquanto se virava para a encarar com uma expressão entediada. Engoliu e limpou os lábios com uma atitude irónica de cowboy.

– Eles não precisavam de ir fumar lá fora – respondeu ele.

– Desculpa?

– Pode-se fumar aqui dentro – disse ele. – É um restaurante, não é um escritório. Estás a ver?

Sawyer seguiu a ponta do dedo até onde um grupo de pessoas estava a fumar junto ao bar.

– Toda a gente continua a falar acerca da proibição de fumar que foi proposta aqui em Nova Iorque. – Ele abanou a cabeça. – Nunca vai acontecer.

Sawyer pestanejou, à toa.

– Bem... não sei. Eu não fumo.

– O que eu estou a dizer é que eles não precisavam de sair para fumar.

Sawyer compreendeu a insinuação. Não sabia bem o que responder.

– Podias ter dito que também querias um cigarro e teres ido com eles.

– Nem pensar. Ela sabe que eu não gosto de me dar com eles. Tal como tu.

– Não fumas?

Ele abanou a cabeça outra vez, mas desta vez afastou o olhar.

– Conheço uma pessoa com problemas respiratórios – disse.

O tom dele avisou-a para não perguntar a quem é que se referia, nem mais pormenores. Ela pensou durante um bocado.

– Lamento – respondeu por fim.

Isto fez com que ele se virasse a analisasse o rosto de Sawyer como se a estivesse a ver pela primeira vez. Ela sentiu as faces a corar involuntariamente. Remexeu-se na cadeira.

– O Charles mencionou que ele e a Kendra estão a tratar de um caso muito importante. Ele disse que era supercompetitivo.

Nick continuou apenas a olhar para ela, obviamente indisponível para fingir interesse no caso, quanto mais no facto de Charles e Kendra estarem a trabalhar nele.

– Eu estou na área editorial – deixou escapar Sawyer, sob uma inexplicável pressão para manter a conversa. – Bem... dito assim até parece que sou importante. O que eu queria dizer é que tenho um emprego básico numa editora. Mas suponho que, ainda assim, acho bastante entusiasmante poder ler alguns livros interessantes que ainda nem foram publicados.

Nick permaneceu em silêncio. Inclinou a cabeça e olhou para ela com uma perplexidade estoica, quase como se Sawyer fosse um extraterrestre a falar uma língua diferente.

– O que é que... hum, o que é que fazes? – perguntou ela por fim, pensando que uma pergunta direta podia ajudar a estimular a conversa ou, pelo menos, a desviar o olhar dele.

– Agência publicitária – respondeu, após uma longa pausa. Acabou com o resto de whisky que tinha no copo. – Gestor de contas.

– Oh.

O monossílabo saiu da boca de Sawyer antes de ela o conseguir impedir. Não tinha tido intenção de parecer desiludida. Não sabia bem porquê, mas por alguma razão, tinha metido na cabeça que ele podia ser uma espécie de artista. Algo na atitude e no fato amarrotado. Mas agora fazia mais sentido porque é que – amarrotado ou não – era ainda assim um fato caro.

Uma expressão de irritação passou-lhe pelo rosto ao detetar a deceção dela.

– Pois é – continuou, como se estivesse a ler-lhe os pensamentos. – É isso que eu sou, mais um vendido a escrever slogans para a cola de dieta e o creme para as hemorroidas na Maddison Avenue.

– Eu não quis insinuar...

– Como é que te chamas mesmo? – perguntou ele, interrompendo-a.

– Sawyer.

Ele pensou na resposta e acenou com a cabeça. Sawyer percebeu logo: não estava a acenar com aprovação. Ele franziu os lábios com sarcasmo.

«Sawyer»? Os teus pais eram fãs de Mark Twain ou assim?

Sawyer baixou o olhar e não respondeu.

– Espera aí, acertei? Estás a gozar? – disse Nick.

Riu-se. Havia qualquer coisa maldosa nesse riso e Sawyer ficou tensa. Recusou-se a responder, na esperança de que ele percebesse que se estava a portar como um parvalhão.

Mas Nick continuou insensível.

– O quê, eles eram professores ou assim? Já estou a ver tudo: um par de amantes dos primórdios da literatura norte-americana, férias de família em Walden Pond. Blocos Moleskine nas meias, no Natal. O tipo de pessoa que sempre defendeu que era perfeita- mente normal pedir empréstimos estudantis e tirar uma licenciatura em Inglês.

Sawyer esforçou-se para manter uma expressão impassível.

– Meu Deus, acertei outra vez! Uau.

Enquanto Nick continuava a rir, Sawyer começou a suspeitar que ele era o tipo de homem a quem já tinham chamado parvalhão mais do que uma vez na vida e que, em vez de sentir vergonha, se orgulhava disso. Um chico-esperto a pavonear-se, demasiado cínico para pedir desculpas.

Decidiu ignorá-lo.

Ele apercebeu-se do desdém dela.

– Pronto, pronto – disse ele a controlar o riso. Suspirou e olhou em volta da sala.

– Bem, uma vez que parece que o nosso empregado nos abandonou, vou até ao bar.

– Sim, pareces mesmo estar a precisar de mais whisky – murmurou sarcasticamente Sawyer, mas não baixo o suficiente. Nick ofereceu-lhe um sorriso amargo.

– Na verdade é um malte de 25 anos – corrigiu-a com uma piscadela de olho condescendente. – E um bar aberto. – Pôs-se de pé e acrescentou, como que para se gabar: – Adeusinho. Lamento muito pelo teu nome.

Sawyer ficou a vê-lo afastar-se, furiosa. Tornou-se óbvio, pela forma como ele o disse, que não era um «lamento muito se fui mal-educado acerca do teu nome». Ele queria dizer exatamente aquilo que disse: «Lamento imenso PELO teu nome.»

Parvalhão.

***

Charles e Kendra voltaram a tempo de ouvir o discurso de um dos sócios da firma. O fim do discurso recebeu uma salva de aplausos. Depois, foram levantados os pratos e trouxeram as sobremesas. Sawyer enfiou sem qualquer entusiasmo a colher no coulant de chocolate e no minúsculo gelado de baunilha com uma forma oblonga, e observou o quente e o frio a misturarem-se. Tinha desistido de tentar escutar a conversa de Charles e de Kendra, quanto mais de participar.

Todas as moléculas no seu corpo vibravam de irritação e consciência: consciência de que a dois corpos de distância dela estava Nick, o fanfarrão mal-humorado, e a sua indelicadeza presunçosa. Consciência do riso de Kendra, um som que subia e descia como uma escala musical, a flutuar sobre a cabeça de Charles. E consciência de Charles... sobretudo das suas costas viradas.

Quando finalmente chegou a altura de levantar os casacos no bengaleiro e ir embora, Sawyer ficou feliz por se pôr de pé e se afastar da mesa e por ficar livre daquele enorme restaurante museu. Sentiu-se aliviada ao entrar no táxi e ouvir Charles dizer a morada de ambos.

Ao voltar para casa com Charles ao lado, sentiu a irritação der- reter e o corpo descontrair. Fora apenas um péssimo jantar de trabalho. Era suposto Charles conviver com a equipa. Deixou a cabeça pousar no ombro dele, onde era sacudida de vez em quando enquanto o motorista acelerava pelas ruas esburacadas que levavam à zona alta. Sorriu quando Charles lhe agarrou na mão e ficou à espera que ele a beijasse, o ritual do costume.

Mas, após algum tempo, percebeu que não ia haver beijo. Charles estava a olhar pela janela do táxi, muitíssimo ocupado com os seus próprios pensamentos. Por fim, ele apertou a mão de Sawyer e pigarreou.

– A Kendra conseguiu informação interna – disse ele. – Parece que eles querem realizar a fusão até setembro.

Sawyer levantou a cabeça do ombro de Charles, confusa. Franziu o sobrolho.

– Bem... isso parece ser imenso tempo, não é? Ainda estamos em maio. Chegámos agora ao fim de semana do Memorial Day.

– Bem... é isso que eu quero dizer – respondeu Charles. – Parece-me que vou ter de ir ao escritório este fim de semana e, para ser muito sincero, vai ser um verão muito intenso. Não vou conseguir tirar tempo nenhum de férias.

– Oh – murmurou Sawyer, com a mente a reordenar silenciosamente a informação.

Charles voltou a apertar-lhe a mão.

– Se der tudo por tudo agora, vou colher os frutos mais tarde.

Ela ficou calada.

– Só estou a fazer isto porque quero que tenhamos uma boa vida juntos, tu sabes disso – insistiu Charles numa voz meiga, a sacudir suavemente a mão dela, para dar ênfase. – É pelo nosso futuro.

Sawyer sabia que as palavras que saíam da boca de Charles estavam certas. Ela queria ser compreensiva.

– Só que... bem, vou sentir a tua falta – disse suavemente. Suspirou e deixou a cabeça pousar de novo no ombro de Charles. O nariz captou o cheiro de alcatrão, tabaco e fumo entranhado nas roupas dele. Decidiu ignorá-lo.

Estaria Sawyer à espera que ele dissesse alguma coisa?

Achava que não. Mas quando Charles lhe deu uma palmadinha na mão, o toque dele pareceu estranhamente distante ao mesmo tempo que ele respondia:

– Eu sei.

Ela esperou que ele acrescentasse «Eu também vou ter saudades tuas». Ou alguma coisa sobre as viagens que podiam planear para o futuro. Mas ele disse apenas:

– Este caso é uma oportunidade incrível. Mas é possível que tenhamos de ir para Chicago durante uma ou duas semanas. Sawyer percebeu logo. O plural não significava ele e ela.

Charles estava a referir-se a ele e a Kendra.