A peça, de nome “Jângal”, estreia-se na próxima terça-feira, na sala Luís Miguel Cintra do Teatro Municipal S. Luiz, em Lisboa.
“Jângal – palavra portuguesa caída em desuso que significa selva e caracteriza também tudo o que é incontrolável, a partir do termo sânscrito jangala — acaba por ser a selva criada pelos autores do espetáculo, construído com base na teoria dos objetos, do filósofo austríaco Alexius Meinong (1853-1920).
Nessa teoria, sustentada em duas obras do pensador austríaco sobre objetos e suposições, Meinong considerava que tudo tem existência, se nos podemos referir a eles, ainda que essa existência não seja real. Se é verdade que sereia e dragão não existem, também é verdade que a primeira canta e o segundo cospe fogo, à luz da sua teoria.
Foi então a esta “selva de Meinong” que Pedro Penim, André e. Teodósio e José Maria Vieira Mendes, autores da dramaturgia, foram buscar a coleção de entidades, personagens, objetos e animais que não existem na nossa realidade, mas que povoam “Jângal”.
Não é, assim, de estranhar que nesta selva do Teatro Praga possamos encontrar um unicórnio, uma “moving darkness”, candeeiros com vida própria, entre outros objetos mostrados na peça.
Imaginar a selva que hospeda quem não tem papéis (“Selva de Calais”) ou percecionar, numa visão colonialista, um dualismo entre o eu e o outro, o civilizado e o selvagem, são outras probabilidades abertas pelo drama.
Para concretizar a ideia de selva e as entidades que a habitam, o grupo imaginou essa coleção de personagens do ponto de vista de um utilizador de computador ou de internet, explicou à agência Lusa Pedro Penim.
Ou seja, colocou-as numa pasta — a selva — de onde saem ficheiros com nomes como Silêncio, Espanto, Canção Triste, Uma Espécie de Entrevista ou Espectral, que são as cenas que compõem o espetáculo e que têm origens muito diferentes, acrescentou.
Às vezes “são imagens, às vezes são imagens que se relacionam, outras nem por isso, mas, mesmo assim, estão dentro de uma mesma pasta, músicas, textos, formatos muito distintos que coabitam num mesmo domínio”, observou.
Com estas personagens inventadas, os autores do texto acabam por “dar voz aos objetos e por suprimir, de alguma forma, a hierarquia de que os atores são sempre os protagonistas dos espetáculos e que os objetos só servem para atender algum propósito”, enfatizou Pedro Penim.
Por isso, os protagonistas desta peça podem ser animais, vegetais ou entidades que têm apenas existência em palavra ou em conceito. Mas nem por isso deixam de ter muita preponderância no conjunto, como o tem a música composta por Violet e por André e. Teodósio, para a voz de Gisela João.
Sem ser um espetáculo musical, “Jângal” — que é parcialmente falado em inglês e legendado em português – tem muita música e discorre também sobre o Antropoceno, termo para a história mais recente do planeta, definida pela influência humana na Terra, conceito popularizado pelo químico holandês Paul Crutzen, Nobel da Química em 1995.
No Antropoceno — a era em que os humanos substituíram a natureza como a força ambiental dominante na terra –, a humanidade sabe que o planeta Terra vai acabar. Um dia. A incógnita é quando, “mas sabemos que isso vai acontecer e que a culpa é nossa”, disse Pedro Penim.
É essa consciência que está também presente em “Jângal”, sobretudo na frase muito repetida pelas personagens: “We’re in trouble” (“Estamos com problemas”).
O que o Teatro Praga tenta dizer com este espetáculo é que a humanidade é responsável pelos problemas ecológicos, mas “tem de conviver com eles neste tempo de problemas e imbróglios”, sustentou o coautor do texto. “Mais uma vez sem os hierarquizar”, até porque “sem divertimento não há ecologia”, enfatizou, reiterando uma frase muito repetida na obra.
“Não adianta lamentarmo-nos apenas, é preciso agir e é preciso saber viver com todas essas condicionantes”, concluiu Pedro Penim.
Em cena até 01 de julho, com espetáculos de terça-feira a sábado, às 21:00, e, aos domingos, às 17:30, a peça é interpretada por André e. Teodósio, Cláudia Jardim, Gisela João, Jenny Larrue, Joana Barrios, João Abreu e Joana Brito Silva.
A cenografia é de Bruno Bogarim e Teatro Praga, a coreografia de Sónia Baptista, os figurinos de Joana Barrios e a iluminação de Daniel Worm d’Assumpção.
“De repente” e “Jângal” são dois temas originais interpretados por Gisela João. O primeiro tem música de André e. Teodósio, enquanto o segundo tem música de Violet e André Teodósio, que assina as letras de ambas, com Pedro Penim.
“Outro mundo” tem música de André Teodósio a partir de “Gotham Lullaby”, de Meredith Monk. Teodósio também assina a letra com Pedro Penim.
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