Eis que, uma vez mais, o festival regressa à vila. Paredes de Coura, desde há algum tempo com a designação Vodafone mas sem qualquer perda a nível de mitologia, cumpre este ano a sua 25ª edição com um cartaz de luxo; embora, para muitos, não seja bem a música mas sim o ambiente aquilo que os faz mover montanhas de forma a estarem presentes no cenário natural da Praia Fluvial do Taboão. Ainda mal refeitos de outros quatro dias de concertos, estes na vila, como tem vindo a acontecer ao longo dos últimos anos, festivaleiros de todas as idades abandonam as suas tendas para um mergulho em água gelada ou um banho de sol regado a cidra. Sem esquecer que, horas depois, Wedding Present, Kate Tempest ou Mão Morta passarão pelo palco principal do festival em si.

Quando se fala nos Mão Morta, “Mutantes S.21” é o álbum. A viagem alucinante da banda de Braga começou há 25 anos, tendo como ponto de partida uma Lisboa rodeada pelas sombras e pelo lixo e terminando no “reino de luz” que é Shambalah, uma terra mística onde o intérprete, ou os intérpretes das muitas histórias de “Mutantes”, encontram um pousio final dentro de um sonho alimentado a rock e a vertigem. É mais que uma pedra fulcral na discografia dos Mão Morta, é o seu magnum opus, o disco de que muitos se recordam pelas carícias rockabilly de “Budapeste”, ainda hoje o seu tema mais celebrado.

Adolfo Luxúria Canibal e os Mão Morta podem ter tentado fugir a essa mesma “Budapeste” durante algum tempo, mas a tarefa revela-se hercúlea. Mal soam os primeiros acordes do tema, uma horda de guerreiros se aglomera junto das filas da frente para, com pulos e pancadas, celebrar aquela que continua a ser a melhor banda portuguesa no ativo – e fora dele – mesmo que só conheçam essa canção. O poema, aqui, é a loucura coletiva de quem rege a sua vida pelo som elétrico de uma guitarra. E são muitos os que a cantam, à tarde e à noite, dentro do traby ou de bar em bar.

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Não que tenha sido “Budapeste” o catalisador de um concerto todo ele celebratório. E não o foi só por culpa de “Mutantes S.21”, mas também por culpa do próprio festival, que cumpre este ano a sua 25ª edição – facto relembrado pelo vocalista da banda bracarense, que pediu ao público que entoasse os “Parabéns” a Paredes de Coura, pelo que foi acompanhado por milhares de pessoas, num dos grandes momentos do dia.

Não foi apenas de “Mutantes S.21” que se fez o concerto dos Mão Morta, tendo existido desvios por temas tão icónicos como “Até Cair” e “Velocidade Escaldante”, terminando os bracarenses com a sempre bem recebida “Bófia”, com Adolfo Luxúria Canibal, agredido na imaginação por um polícia e seu cassetete, a cair em palco e por lá ficando até que as luzes se acendem anunciando o final do espetáculo, pontuado por diversas ilustrações de talentos nacionais, algumas mais “obscenas” do que outras.

Antes dos Mão Morta, também os Wedding Present estiveram em modo celebração. No caso dos britânicos, foi a dos 30 anos do fantástico “George Best”, álbum com o mesmo nome de um dos melhores futebolistas a passar pelos relvados do mundo – e uma das melhores personagens fora dele –, que influenciou gerações atrás de gerações de companheiros indie, sendo peça-chave do “movimento C86”, grupo de bandas que nesse mesmo ano gravou uma cassete para o semanário NME que ainda hoje continua a criar ondas. Em particular, para aqueles que ainda acreditam ser possível fazer boa música pop com guitarras. Com “Everyone Thinks He Looks Daft” a abrir e “Kennedy” (esta de “Bizarro”, 1989) a colocar um ponto final na sua atuação, os Wedding Present assinaram um concerto competente no qual o som, em particular o volume do mesmo, foi o problema de maior.

Ao início da noite, com um recinto ainda por encher, a Escola do Rock, conjunto de cerca de 40 jovens músicos, entre os 13 e os 30 anos, apresentou temas de alguns dos artistas que já passaram pelo festival, dos Pixies a Arcade Fire. E, já de noite, foram os Beak> de Geoff Barrow (Portishead) a fazer dançar o muito público de forma mecânica e minimal, com um baixo dub e batida repescada à motorika do krautrock mais dolente (e com incursões por “Money”, dos Pink Floyd, e “Sultans of Swing”, dos Dire Straits). Uma dolência não presente no concerto dos Future Islands, que muito suaram e se abanaram em palco, em particular o seu vocalista, com “Seasons Change”, o seu grande sucesso, a surgir apenas perto do fim.

Nenhum deles se aproximou, contudo, da prestação feérica de Kate Tempest. A britânica, que se estreou em Portugal, trouxe consigo toda a sua poesia de rua, qual Patti Smith do hip-hop, dotada de um flow impressionante e veloz onde cada palavra, cada escarro, embate com força na sociedade de consumo e das selfies. Com instrumentais que beberam do groove da música house e momentos mais rítmicos a lembrar The Streets, ou mesmo um loop contínuo de Eve Libertine na enormíssima “Asylum”, dos Crass, Tempest fez abrir tantas bocas quanto despertar consciências, mesmo que o cansaço já começasse a pesar. Mas, convenhamos: não há cansaço algum quando é possível fazer já a revolução.

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