Quem o diz, sem rodeios, é Rafael Carvalho, músico e professor do instrumento no conservatório regional de Ponta Delgada e presidente da Associação de jovens de viola da terra.

“A viola da terra sobreviveu graças ao povo. Isso é importante: ela só chega aos nossos dias porque está associada às tradições populares, muito ligada antigamente às romarias. São os maiores registos que temos. As pessoas saiam em romarias para as festas e procissões e a viola ia sempre, porque animava as romarias e os arraiais”, explicou Rafael à agência Lusa.

Os primeiros registos da viola da terra remontam ao século XVIII e, apesar não existirem respostas definitivas, acredita-se que terá descendido de uma viola comum que deu origem às várias violas de arame portuguesas.

“Não sabemos de onde descendeu a viola da terra. Existem sete violas de arame em Portugal e acredita-se que houve uma viola que deu origem às violas de arame portuguesa e que se transformou numa viola com características diferentes em cada região. A original não sabemos qual foi, sabemos que seria em forma de oito, com cordas duplas e triplas”, disse o músico, destacando que as violas de arame “são todas muito semelhantes na forma física e entoação”, apesar de terem “ganho características muito próprias de cada região com o desenrolar das décadas”.

A viola da terra tem a caixa em forma de oito e tem 12 cordas: três ordens duplas (seis cordas mais agudas organizadas aos pares) e duas ordens triplas (outras seis cordas graves e organizadas em conjunto de três).

“É como se tivéssemos cinco cordas, cada corda com duas ou três ordens que têm de ser pressionadas em simultâneo”, apontou Rafael Carvalho, assinalando o caso particular da ilha Terceira onde a viola da terra, ao contrário do restante arquipélago, tem 15 cordas.

O número de cordas da viola da terra é uma “característica original” do instrumento que se manteve devido ao “isolamento” do arquipélago.

“O isolamento foi bom porque permitiu manter qualidades originais, quer ao nível das características físicas da viola, quer do repertório solista e instrumental. O cancioneiro açoriano é riquíssimo, a viola é ponteada nas ilhas todas e tem sempre muito repertório, que muitas das violas de arame perderam. Nós aqui, com a nossa insularidade, conseguimos preservar a raiz da viola”, afirmou.

Em termos sonoros, a viola da terra caracteriza-se por ser um instrumento “bastante abrangente em termos tímbricos”.

“A sonoridade da viola da terra destaca-se, não só porque tem aquele som da nossa saudade, dos nossos fados corridos, das nossas charambas e das cantorias ao desafio. Consegue ir buscar sons agudos, mas também consegue graves muito bonitos por causa das ordens triplas. É um instrumento bastante abrangente em termos tímbricos”, avançou.

Depois de um período em que “quase desaparece”, entre os anos 50 e 60, devido à “emigração”, “à guerra colonial” e ao “próprio regime que não via com bons olhos ajuntamentos populares”, a viola da terra tornou-se ‘cool’ hoje em dia, também devido ao trabalho da associação de jovens da viola da terra.

“Passou a ser ‘cool’ porque está nas redes sociais e nas escolas, nos sítios onde estão os jovens. Antes havia poucas iniciativas e desde a criação da associação passou a existir, pelo menos, meia dúzia de eventos todos os anos, muitos em conjuntos com várias escolas e tocando o mesmo repertório”, defendeu o músico de 39 anos, considerando que foi preciso “muito trabalho e insistência para que hoje os jovens conheçam” o instrumento.

Rafael Carvalho tem 14 alunos no conservatório (dos 6 aos 16 anos) e nove na escola da Fajã de Baixo (dos 15 aos 84 anos).

Professor de viola da terra desde os 15 anos, conta com três livros publicados, vai lançar o quarto disco em novembro e garante que “não é mais difícil aprender viola da terra do que outro instrumento”: “não é por ter mais cordas que é mais difícil”, garantiu.