No último episódio do podcast Palavrões da Ciência falámos com Hugo Rebelo, um cientista que investiga morcegos. Ficámos a saber por que razão os morcegos comem metade do seu peso em insectos todos os dias e ainda porque poderão ajudar a melhorar a saúde humana no futuro. Oiça em: Spotify | Apple Podcasts

Ao falar deste animal (que está geneticamente bem mais próximo de nós do que pensamos), lembrei-me de uma lista que escrevi há poucos anos, onde fui procurar alguns animais que se escondem na nossa língua a partir da «pulga atrás da orelha». Nenhuma das expressões inclui morcegos — será talvez por causa do medo de que falámos no episódio? O inglês tem a expressão «cego como um morcego». Nós não caímos nesse disparate (um morcego não é cego, como o Hugo explica no episódio), embora o próprio nome da espécie tenha origem nesse engano («morcego» vem de «rato cego»; os morcegos não são ratos nem são cegos).

Bem, não importa. A reboque desses interessantíssimos animais (que metem tanto medo sem razão), aqui fica a lista de 20 animais da língua portuguesa (há mais, claro!):

1. Pulga atrás da orelha

Foi esta a expressão que me deixou curioso: a língua tem muitos animais, não tem?

2. Em boca fechada não entra mosca

Uma expressão bem verdadeira — mas se não entra mosca, também não sai nada de interessante. Às vezes, mais vale perder o medo e falar — mesmo se às vezes dissermos disparates ou cairmos na tentação de dizer cobras e lagartos.

3. Cobras e lagartos

Coitados destes bichos — ninguém gosta deles e são metáfora para as crueldades que lançamos da boca para fora. Sempre fomos um pouco injustos para com os animais — que culpa têm as cobras e os lagartos das nossas maldades?

4. Lágrimas de crocodilo

Sabe-se lá donde vem esta estranha fama: alguém já viu um crocodilo a chorar? Eu não — mas já vi muita gente com lágrimas de crocodilo, é bem verdade.

Palavrões da Ciência é um podcast produzido pela MadreMedia e apresentado por Cristina Soares e Marco Neves. A partir de palavras do dia-a-dia e de alguns palavrões, vamos perguntar a cientistas portugueses o que andam a investigar e que surpresas nos trazem sobre o que nos rodeia.

A primeira temporada terá oito episódios — vamos da matemática à botânica, passando pelos morcegos, pelo mar, pela alimentação — e pelas fadas dos dentes…

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5. Engolir sapos

Pois, se as cobras, os lagartos e os crocodilos metem um certo medo, o que dizer dos sapos? Algum nojo, é o que metem — principalmente se os tivermos de engolir. E, no entanto, para lá do nojo, o famoso animal é metaforicamente engolido tantas e tantas vezes, principalmente em eleições (dizem).

6. Dinossauros

Não saímos da política: os velhos dinossauros, animais possantes e bem extintos há milhões de anos, conservam-se ainda em muitas câmaras municipais por esse país fora, embora agora com mais dificuldade.

7. O primeiro milho é para os pardais

Os velhíssimos dinossauros extinguiram-se, mas não morreram todos — alguns acabaram por dar origem às aves, que agora andam a esvoaçar pela nossa língua. Para começar, temos os pardais, que têm sempre direito ao primeiro milho.

8. Água no bico

Sim: a velha galinha é um dinossauro depois de uns milhões de anos de clara decadência. Decadência? Sim: não me parece que haja por aí algum Spielberg pronto a filmar uma história sobre um parque cheio de galinhas… E, no entanto, são um animal como os outros! Embora, às vezes, tragam água no bico…

9. Memória de elefante

Sem dinossauros, temos outros grandes animais, a começar pelos simpáticos elefantes. Serão assim tão bons a recordar? Provavelmente, não — tal como os peixinhos de aquário também não são assim tão maus no que toca à memória. Dizem que, afinal, uma recordação de aquário ainda dura uns meses…

10. Vai pentear macacos!

Uma ocupação curiosa: pentear macacos… Será que algum deles deixaria um pente chegar-lhe à trunfa? Não me parece — mas mesmo assim lá mandamos quem nos chateia ir pentear os ditos símios.

11. Tirar macacos do nariz

Símios esses que também aparecem dentro dos nossos narizes, para gáudio das crianças, sempre prontas a tirá-los de lá!

12. Macaquinhos no sótão

Já os adultos, se não assumem tão facilmente os macacos que têm no nariz, talvez seja por terem muitos macaquinhos no sótão…

13. A cavalo dado não se olha o dente

Pois, temos de ser exigentes, claro está — com os cavalos e não só. Mas se alguém nos oferece um cavalo, para quê reclamar? O mesmo se aplica se alguém nos oferecer um gato caçador…

14. Quem não tem cão caça com gato

Os gatos, coitados, até são bons caçadores. Por mim, não me importaria de caçar com um gato — mas admito que seja mais fácil pedir ajuda aos cães, treinados por séculos e séculos para nos ajudar nisto (e noutras coisas). Seja como for, nesta curiosa expressão da nossa língua, o que temos é mais uma manifestação do famoso desenrascanço.

15. Cão que ladra não morde

Se dizem que o tal desenrascanço é muito português, também o será (dizem as más-línguas) andar aos gritos sem fazer grande coisa para resolver o que quer que seja. Quem ladra não morde! E quando não ladra? É então que a porca…

16. Agora é que a porca torce o rabo

Uma das mais estranhas expressões do português: o que acontece a uma porca com o rabo torcido? Não sei: mas sei que é nesses momentos em que a porca torce a cauda que a coisa começa a ficar interessante! E é nestas expressões sem lógica que o português se revela uma língua bem malandra…

17. Vozes de burro não chegam ao céu

Se, enfim, alguém se põe a chatear e não podemos mandá-lo pentear macacos, temos de morder o lábio e imaginar que há vozes que se mantêm rasteiras, sem subir às nuvens.

18. Nem que a vaca tussa

E reclamem o que quiserem, mas há coisas que não fazemos — nem que a vaca tenha um ataque da dita tosse.

19. Outra vaca no milho

E, por fim, porque a língua também se faz daquilo que não conhecemos, deixo aqui uma expressão galega, mas de sabor tão nosso. Quando alguém cai no mesmo erro que tantos e tantos outros, dizem os galegos que é «outra vaca no milho». Se não servir para mais nada, que esta crónica sirva para espalhar essa bela expressão por terras a sul do Minho.

20. Burro velho não aprende línguas

Sim, a partir da adolescência é mais difícil aprender línguas (somos todos burros velhos muito cedo). No entanto, continuamos a aprender a nossa língua — e, no fundo, a recriá-la — até ao nosso último dia. Não há dia em que não aprendamos alguma coisa nova, mesmo sem notar.

Há tantas, tantas outras expressões com animais. São apenas um dos muitos recantos da nossa língua, que é um armazém de metáforas antigas, imagens muito nossas, pequenos alfinetes que nos picam a imaginação…

(Não se esqueça de espreitar o episódio em: Spotify | Apple Podcasts)

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Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. Apresenta, com Cristina Soares, o programa Palavrões da Ciência.

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