1. Incêndios de norte a sul
Logo no início do ano, o mundo ficou a conhecer os incêndios de grandes dimensões na Austrália. O país esteve em chamas desde julho de 2019 até março de 2020, ardendo cerca de 19 milhões de hectares, o que resultou em 34 mortes humanas, mil milhões de mortes de animais e a destruição de milhares de residências e edifícios públicos. As imagens desse período mostram os céus com tons encarnados causados pelas centenas de milhares de toneladas de fumo e partículas na estratosfera.
A causa foi uma onda de calor sem precedentes, impulsionada pelo aquecimento global. De acordo com várias investigações, o impacto dos seres humanos no clima mundial tornou estes incêndios e ondas de calor extremas pelo menos 30% mais frequentes.
Os fogos foram tão intensos que a palavra “bushfire” (“queimada”) foi considerada uma das palavras do ano de 2020 pelo Dicionário de Oxford.
Já no hemisfério norte, os Estados Unidos também sofreram uma temporada de incêndios florestais como nunca antes vista.
Apenas no mês de novembro, no estado da Califórnia, 9200 incêndios queimaram 1,7 milhões de hectares. Durante a temporada inteira, foram perto de 2 milhões de hectares, ultrapassando, por muito, o recorde anterior de 2018, de cerca de 800 mil hectares. Para melhor perceber a gravidade do problema, é importante referir que cinco dos seis maiores incêndios florestais desde sempre na Califórnia foram neste ano, incluindo o primeiro “giga-fogo”, um incêndio que se estende por 1 milhão de acres, o que equivale a cerca de 405 mil hectares.
Também no Colorado se estabeleceu novos recordes de hectares queimados, tendo ocorrido três dos maiores incêndios florestais da história do estado, que queimaram mais de 219 mil hectares.
O aumento das temperaturas causadas pelas mudanças climáticas fizeram com que houvesse um derretimento da neve mais cedo, na primavera, o que resultou numa vegetação mais seca no verão. Juntando esta conjuntura a uma onda de calor de novos recordes, foi criado o cenário perfeito para incêndios desta dimensão.
2. O terceiro ano mais quente de sempre
2020 está a caminho de entrar para a história como um dos três anos mais quentes desde que se começou a registar, em 1850. Os últimos seis anos já detém o recorde dos mais quentes de sempre e 2020 está prestes a tornar-se no sétimo, o que revela que a Terra está a ficar cada vez mais quente devido à libertação dos gases de efeito de estufa, que retêm o calor na atmosfera.
O planeta esteve 1.2º C mais quente entre janeiro e outubro de 2020 do que a média entre 1850 e 1900, de acordo com cálculos da Organização Meteorológica Mundial (OMM). O calor recorde deste ano ocorreu mesmo apesar do fenómeno La Niña — um fenómeno natural que consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico — ter estado prevalente desde agosto e moderadamente ativo desde o final de setembro.
Tendo sido 2016 o ano mais quente de sempre, com fortes condições El Niño (isto é, o oposto de La Niña: alterações significativas na distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico, com grandes alterações no clima), alguns especialistas referem que 2020 foi tão quente quanto 2016.
Um dos exemplos mais graves é o calor registado no Ártico siberiano neste ano, onde as temperaturas têm estado 5ºC acima da média. No passado dia 20 de junho, atingiu-se os 38ºC em Verkhoyansk, que é “a temperatura mais alta conhecida em qualquer lugar a norte do Círculo Ártico”, explica a OMM.
Foi também neste ano que o Vale da Morte, na Califórnia, estabeleceu um recorde mundial de temperatura, chegando aos 54.4ºC. O registo global anterior para agosto era de 53.3ºC, em Mitribah, no Kuwait, em 2011.
No relatório The Global Annual to Decadal Climate Update é também hipotetizado que o aumento da temperatura global será superior a 1ºC anualmente, nos próximos cinco anos.
Isto poderá levar a que acontecimentos como o aumento dos níveis do mar, o derretimento das camadas de gelo no Ártico e na Antártica e eventos climáticos extremos, como ondas de calor marinhas, ciclones tropicais, chuvas fortes, inundações, secas e incêndios florestais, se tornem cada vez mais frequentes.
3. Um Ártico cada vez com menos gelo
Neste ano, foi registada a segunda menor extensão de gelo marinho do Ártico. Como resultado do efeito de amplificação ártica, ou seja, um maior aquecimento climático na região do Ártico do que no resto do mundo, o recuo dos glaciares acelerou nos últimos 30 anos, e a maioria dos modelos preveem que a zona poderá ficar completamente sem gelo em meados deste século.
Ao longo do ano, uma poderosa onda de calor levou a temperaturas recorde na região da Sibéria, causou incêndios florestais no Ártico e intensificou o degelo do “permafrost” (tipo de solo constituído por terra, gelo e rochas congeladas) que está a fazer aparecer crateras gigantes ao longo da região, tendo já causado, entre outros, o colapso de um tanque de armazenamento de combustível que inundou diversos rios com óleo diesel.
Ao mesmo tempo, metade da plataforma de gelo Milne do Canadá - a última plataforma de gelo intacta do país - desabou no Oceano Ártico, levando consigo uma estação de observação científica.
Todos estes eventos individuais apontam para um problema muito maior, uma vez que a região acaba por ser uma “capital mundial do clima”. Isto é, controla e influencia o clima na maior parte das regiões. Por isso, cria-se um ciclo interminável entre o derretimento do gelo e o aumento das temperaturas, agravando o aquecimento global.
4. Novos recordes catastróficos
Além do primeiro “giga-fogo” de que lhe falámos logo no início do artigo, 2020 ainda arranjou tempo para quebrar novos recordes.
As alterações climáticas aumentaram o número de furacões que atingem a intensidade da Categoria 3 ou mais e aumentou o risco de tempestades ultra intensas.
Para começar o mês de novembro, o super ciclone tropical Goni, o mais forte da história, atingiu as Filipinas com ventos de aproximadamente 313 km/h. Os três maiores ciclones desde 2013 decorreram todos no país asiático: Goni (313 km/h, 2020), Meranti (305 km/h, 2016) e Haiyan (305 km/h, 2013).
A temporada de furacões no Atlântico foi turbulenta, com o maior número de tempestades registadas (30), superando o ano de 2005. Este ano foi a segunda vez em que a lista oficial de nomes de furacões pela ordem alfabética se esgotou, tendo de se recorrer à lista suplementar de nomes de letras gregas.
Mas os recordes não param por aqui: foi o quinto ano consecutivo em que um furacão de categoria 5 se formou. Apenas em novembro, foram registados dois grandes furacões, Eta e Iota, fazendo com que seja o primeiro mês de novembro com tal registo. Em meados de setembro, ocorreram simultaneamente cinco tempestades ao redor do Oceano Atlântico – é a segunda vez na história que acontece.
Por cá: Portugal de laços quebrados com a natureza
A nível nacional, começou-se o ano com uma promessa de uma capital mais verde. Lisboa é, desde janeiro, a Capital Verde Europeia 2020, uma vez que foi a cidade europeia que mais evoluiu em todos os doze indicadores avaliados pelo júri que define a atribuição do título. Foram vários os compromissos assumidos e as metas ambientais definidas pela cidade, como por exemplo o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050 (em linha com a União Europeia, de resto), a redução em 50% dos resíduos indiferenciados enviados para incineração até 2030, a meta de 60% de taxa de reciclagem e preparação para reutilização até 2030 (atualmente situa-se a mais de 30%), entre outros.
Durante os primeiros meses de confinamento, aconteceu algo de que ninguém estava à espera: foram avistados golfinhos no rio Tejo, em Lisboa. Já há décadas que não se viam tantos nas águas do rio. Apesar de não se saber a 100% o motivo pelo qual isto aconteceu, a maior presença de pequenos peixes pelágicos (cavala, carapau ou sardinha) – principal presa dos golfinhos – pode ter ajudado.
No meio de boas notícias, houve também umas quantas más, especialmente no que toca à relação do ser humano com os animais.
Na última semana foi revelado que 540 animais (javalis, veados e gamos) tinham sido mortos numa montaria, por 16 caçadores, realizada na Quinta da Torre Bela, no concelho da Azambuja. Apesar de terem licenças para a caça, o número de animais abatidos ultrapassa o permitido: naquela zona, por exemplo, o limite de caça é de um javali por caçador.
O caso gerou indignação pública, fazendo com que o licenciamento da “mega central fotovoltaica” a ser lá construída, com mais de 750 hectares, fosse suspenso e levando à abertura de um inquérito por parte do Ministério Público. A Federação Portuguesa de Caça (FENCAÇA) também condenou o sucedido, sugerindo, em comunicado, que o “extermínio” teria ocorrido com o objetivo da construção, e os próprios proprietários da herdade avançaram com uma queixa crime contra os caçadores envolvidos.
Outra questão que levantou problemas de licenciamento foi o Aeroporto do Montijo. Apesar de ter sido dada luz verde, várias organizações ambientalistas anunciaram que iriam recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia para impedir que a obra avance. Um dos principais problemas apontados é a questão das aves no estuário do Tejo, como é o caso dos milherangos ou das íbis-pretas, que por lá passam o inverno e podem ser um problema para os próprios aviões levantarem voo.
No verão, um incêndio atingiu dois abrigos de animais localizados na zona florestal da freguesia da Agrela, no concelho de Santo Tirso, provocando a morte por carbonização de mais de 70 animais (cães e gatos). Nos abrigos viviam ilegalmente centenas de animais, sendo que alguns foram resgatados.
Gerou-se uma polêmica quanto à atuação da GNR, que não terá permitido acesso de populares ao local com o intuito de salvar os animais. Mas, segundo as autoridades, “enquanto o incêndio deflagrava, ainda durante a tarde, a ação da GNR foi essencial para permitir que tivessem sido resgatados, com vida, a maior parte dos cães. Lamentavelmente, a dimensão do fogo e a grande concentração de animais naquele local, impediram que tivesse sido possível resgatar todos os animais com vida, tendo sido recuperados alguns já sem vida”.
Mais recentemente, no dia de Natal, chuvas fortes acompanhadas por granizo no norte da Madeira provocaram vários estragos, deixando freguesias isoladas. Entre estradas alagadas, a total inundação de um cemitério e algumas casas danificadas, foram retiradas 27 pessoas das respetivas habitações, por precaução.
Por fim, mas não menos importante, a contaminação dos rios não pode deixar de ser mencionada. Nem mesmo o estado de emergência conseguiu salvá-los de descargas ilegais em rios e ribeiras, sendo o caso mais grave o rio Lena, no distrito de Leiria. As cargas foram tão tóxicas que afetam toda a linha de água, afetando o cheiro da área e causando mortalidade na fauna marinha.
Edição e seleção por Larissa Silva
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