A crise académica desencadeada em 17 de abril na cerimónia de inauguração do edifício das Matemáticas na Universidade de Coimbra, após o presidente da Associação Académica, Alberto Martins, não ter sido autorizado a falar, teve na secção de futebol um precioso aliado.
Francisco Andrade, então treinador da "Briosa", recordou à agência Lusa que o jogo dos quartos-de-final com o Vitória de Guimarães se realizou na altura "em que começa a efervescência da crise académica".
"Depois da vitória sobre os vimaranenses, começámos a pensar que realmente seria o momento ideal para que a secção de futebol acompanhasse e mostrasse que realmente estava ao lado do movimento académico", refere o atual presidente da Junta de Freguesia dos Olivais, em Coimbra.
Na eliminatória seguinte, com o Sporting, o jogo "é já um comício de Coimbra-Lisboa", com parte do país a estar "alertado para aquilo que se estava a fazer com o luto académico e o que se estava a transmitir para que todos se apercebessem do que havia em Coimbra".
O antigo técnico assistiu também à crise académica de 1962: "O problema nesse ano é que a mensagem não saía de Coimbra, porque os próprios estudantes quando iam para as suas terras não podiam contar e transmitir aquilo que nós transmitíamos, porque eram perseguidos".
O jogo da meia-final a duas mãos com o Sporting, que a Académica venceu (com vitórias em Lisboa e em Coimbra), foi para Francisco Andrade "o momento em que realmente as pessoas se começavam a interrogar sobre o que se passava e a espalhar a mensagem".
"Quando há o jogo da segunda mão em Coimbra com o Sporting, nesse sim, já a comunicação social estrangeira sabia de tudo e transmitia aquilo que se estava a passar em Coimbra e, por conseguinte, quando nós ganhamos ao Sporting, que era quase impensável, sabíamos que tínhamos conseguido o nosso objetivo".
A final disputada a 22 de junho no Jamor com o Benfica de Eusébio foi a coroação de toda a luta estudantil. Os jogadores entraram a passo, coisa não habitual, de cabeça baixa e com a capa caída sobre os ombros, com a complacência do árbitro Ismael Baltazar, de Setúbal.
Antecipando qualquer coisa imprevisível, o Presidente da Republica, primeiro-ministro e ministro da Educação não marcaram presença no jogo, situação que até essa altura nunca tinha acontecido.
Nas bancadas, os cânticos e as faixas de protesto eram exibidas pelos estudantes, que as faziam passar por todos os presentes, "inclusive do Benfica", ludibriando os elementos da PIDE que tentavam a todo o custo deitar mãos aos cartazes.
"Tudo aquilo foi uma simbiose entre o jogo em si, de futebol, e tudo aquilo que representava. Estou convencido que o próprio Otto Glória (treinador do Benfica), quando deu os parabéns e disse ‘foi a melhor final de sempre que disputei', se referia aos dois significados da partida".
Olhando para trás, Francisco Andrade, na altura o mais jovem treinador do campeonato, não tem dúvidas de que a luta estudantil a que o futebol da Académica se associou "abriu uma janela, quando as janelas estavam todas fechadas".
Cinquenta anos depois, o antigo estudante de Direito e jogador José Belo fala de "uma página de grande coragem e determinação na linda história da Académica, num jogo que foi muito além do futebol".
"Na final, soubemos dizer a todos os portugueses de que lado estávamos nesse tão sensível momento político. Soubemos afrontar o velho regime, de ‘peito feito', perante dezenas e dezenas de milhares de portugueses", recorda.
Para o antigo defesa central da "Briosa", que nessa partida teve a difícil tarefa de vigiar Eusébio, autor do golo da vitória (no prolongamento), a secção de futebol "soube assumir todos os valores, princípios e desígnios que marcaram o essencial da luta académica: melhor ensino, universidade livre, democracia, menos polícia e menos espingardas".
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