"Quando 50.000 migrantes se reuniram no posto de fronteira de Kapikule (fronteira turco-búlgara) vocês pediram ajuda. E começaram a perguntar: o que faremos se a Turquia abrir as suas fronteiras?", lembrou Erdogan. "Ouçam bem: Se forem mais longe, estas fronteiras serão abertas. Ponham isso na vossa cabeça", declarou o presidente turco num discurso hoje em Istambul. As declarações acontecem depois de ontem o Parlamento Europeu ter aprovado o congelamento no processo da adesão da Turquia à União Europeia e estão a ser entendidas como uma ameaça direta à União Europeia.
Numa resolução não vinculativa, aprovada por ampla maioria, os eurodeputados pediram na quinta-feira uma "congelamento temporário" do processo de adesão da Turquia à UE iniciado em 2005, invocando a repressão "desproporcional" que as autoridades turcas têm exercido após a tentativa de golpe de Estado de 15 de julho. O texto, apoiado pelos quatro principais grupos do Parlamento - conservadores, socialistas, liberais e verdes -, foi aprovado com 479 votos a favor, 37 contra e 107 abstenções.A votação aconteceu num momento de grande tensão entre a Turquia e a União Europeia. A relação piorou após a tentativa falhada de golpe de estado e das repressões subsequentes do governo, que afetaram todos todos os setores da sociedade considerados não leais ao Executivo. Nas últimas semanas a repressão tornou-se mais intensa, nomeadamente contra jornalistas e opositores curdos.
As declarações de Erdogan aumentam as preocupações de alguns governantes, que temem que a Turquia deixe de aplicar o acordo assinado em março com a UE para bloquear no seu território o fluxo de migrantes que tentam avançar pela Europa. Atualmente a Turquia dá abrigo a 2,7 milhões de refugiados sírios. O pacto sobre a migração prevê o fim da exigência de vistos para os cidadãos turcos que viajam ao espaço europeu de livre circulação Schengen. Erdogan já ameaçou por diversas vezes romper o acordo, caso este item do pacto não seja aplicado.
Um acordo que nunca foi perfeito
Em março, a Turquia e a União Europeia (UE) fecharam um acordo que permitiu conter o fluxo de refugiados em direção ao continente europeu. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, estimou na altura que a aplicação do acordo pudesse custar entre 280 e 300 milhões de euros nos próximos seis meses. A Comissão Europeia ficou com a coordenação da logística, comprometendo-se Bruxelas a colocar quatro mil pessoas a trabalhar para pôr em prática o acordo que estipulou que cada pedido de asilo será tratado individualmente.O acordo entrou em vigor a 20 de março e prevê que todos os migrantes irregulares oriundos da Turquia que entrem nas ilhas gregas sejam devolvidos à Turquia.
Em troca da cooperação de Ancara, os líderes da UE concordaram em acelerar a liberalização dos vistos para os visitantes turcos, de relançar as negociações de adesão e ainda em duplicar para um total de seis mil milhões de euros a ajuda que será concedida à Turquia até 2018 e que se destina a melhorar as condições de vida dos 2,7 milhões de sírios refugiados no país.
Presidente turco defende a saída de mais países da UE
De março para cá, às reservas existentes em relação ao acordo sobre migrantes - expressas por instituições como Amnistia Internacional, Unicef e vários responsáveis políticos - intensificaram-se as críticas ao regime de Erdogan, nomeadamente no que se refere ao respeito pelas liberdades civis.
O presidente turco, por seu lado, tem contra-atacado e ainda há menos de uma semana, a 20 de novembro, defendeu que a União Europeia (UE) não é a única alternativa para a Turquia, sugerindo que outros países sigam o Reino Unido na sua saída do grupo europeu. "Na minha opinião, o ‘Brexit’ (retirada do Reino Unido da UE) foi um bom jogo. E coisas semelhantes podem acontecer noutros países europeus e a Turquia deve sentir-se confortável", afirmou Recep Tayyip Erdogan a um grupo de jornalistas que o acompanharam no avião no regresso de uma viagem oficial ao Paquistão e Uzbequistão.
O Presidente turco acrescentou ainda: "Alguns podem criticar-me, mas estou a partilhar as minhas opiniões. Por exemplo, eu pergunto-me por que a Turquia não se junta à Organização para Cooperação de Xangai", acrescentando ter discutido a ideia com o presidente russo, que lhe assegurou que está a ser avaliada essa possibilidade e que entrar nessa organização iria ajudar a Turquia a "agir de forma mais conveniente."
O chefe de Estado referia-se ao pacto político e económico formado em 1996 pela China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão, ao qual depois se juntaram o Uzbequistão e, em breve, a Índia e o Paquistão.
53 anos à espera da Europa
Erdogan criticou a UE por manter o seu país à espera, durante 53 anos, de entrar no clube da comunidade europeia, por não permitir que os turcos visitem a UE sem vistos e ameaçou não pagar os três mil milhões prometidos no acordo para a Turquia acolher refugiados deportados da União Europeia.
O Presidente turco reiterou que se não houver progresso no processo de adesão da Turquia ainda este ano, o país deve definitivamente cancelar as negociações.
"Vamos esperar até ao final do ano. Se isso acontecer, acontece. Caso contrário, fechamos este arquivo e a readmissão de refugiados", disse.
Na crítica da UE aos atentados à liberdade na Turquia e a onda de prisões e demissões de funcionários após a tentativa de golpe de Estado de julho, o Presidente turco disse que os terroristas se movem livremente através da Alemanha, França e Bélgica, sem a UE se preocupar com isso.
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