Do Mobile World Congress (MWC), salão mundial das comunicações móveis de Barcelona, ao South by Southwest, conferência anual das indústrias do cinema, tecnologia e música, realizada em Austin, no estado do Texas, EUA, são já muitos os grandes eventos a nível global a serem forçados a adiamentos ou cancelamentos.
A grande concentração de pessoas neste tipo de eventos, juntando-se à facilidade de contágio do Covid-19, tem ditado que, por razões de segurança, sejam adiados ou mesmo cancelados enquanto o risco de novos surtos do novo coronavírus persiste. O mesmo problema chegou ao Collision, que agora vai ser organizado a partir de casa.
Evento “irmão” da Web Summit, cimeira tecnológica realizada desde 2016 em Lisboa, o Collision ocorre no continente norte-americano e, depois de ser organizado durante três anos na cidade de Nova Orleães, estado do Louisiana, nos EUA, em 2019 passou a decorrer em Toronto, no Canadá, onde estava planeado voltar a ocorrer.
De acordo com um comunicado, “dada a incerteza com que se depara um grande número de eventos públicos pelo mundo devido à progressão do Covid-19”, os organizadores tomaram a “decisão muito difícil adiar o Collision até junho de 2012”, algo que foi decidido em conjunto com as autoridades de saúde pública de Toronto.
No entanto, a cimeira nem por isso vai deixar de acontecer. “Os tempos podem ser incertos, mas uma coisa mantém-se verdadeira. Existe um simples poder no facto das pessoas reunirem-se. É por isso que vamos lançar o Collision from Home”, indicam os organizadores.
A alternativa passa por todo o evento passar a decorrer online, com livestreams das conferências que iam decorrer em Toronto, para as quais foram convidados nomes como Seth Rogen, ator e co-fundador do evento, Brad Smith, presidente da Microsoft, Al Gore, político e ativista ambiental, Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, ou Timbaland, produtor musical.
Esta opção traz, por exemplo, à memória a forma como Edward Snowden participou na edição do Web Summit do ano passado, fazendo uma videoconferência disponível não só para os presentes na Altice Arena, como também para todos aqueles que quisessem acompanhar através do website oficial da cimeira.
Mas parte da experiência de eventos como estes passa também pela possibilidade de estabelecer contactos com investidores e técnicos pelos corredores da conferência. Essa característica das cimeiras tecnológicas dificilmente poderá ser replicada pelo meio digital, mas, não obstante, a organização criou a aplicação “Collision from Home” para que seja possível aos participantes falarem uns com os outros.
De acordo com a organização, a solução passa por empregar tecnologia que já era utilizada pelos participantes da cimeira — uma aplicação de telemóvel onde é possível ver horários das conferências, ver informações quanto às startups presentes e falar com outras pessoas presentes no certame — para passar a ser o centro nevrálgico de todo o evento.
“Apesar do software ter sido originalmente criado para melhorar a experiência offline dos participantes, acreditamos estar numa boa posição para desenvolvê-la a um ponto onde consigamos organizar o Collision from Home”, justifica a organização.
Ainda assim, apesar de proporem esta alternativa, os organizadores não só garantem o reembolso a quem já tenha comprado o bilhete e não esteja feliz com esta opção, como ainda possibilitam que quem detenha o ingresso de 2020 tenha automaticamente acesso à edição de 2021.
Cancelamentos, adiamentos e expetativa: a realidade portuguesa
Em Portugal, são vários os eventos e conferências a serem confrontados com o risco do Covid-19, sendo que alguns deles já optaram mesmo pelo adiamento e/ou cancelamento.
A organização do QSP Summit, conferência europeia dedicada à gestão e marketing, por exemplo, optou por adiar a realização do evento, marcado para 26 e 27 deste mês na Exponor, em Matosinhos, sendo as novas datas os dias 18 e 19 de junho, no mesmo local.
De acordo com o comunicado recebido pelo SAPO24, a decisão de adiar a conferência foi para “garantir a segurança de todos os oradores e participantes, tendo em conta as preocupações globais em relação ao atual surto e a sua evolução em Portugal e no mundo”. Com o tema “Facing The Unknown”, o certame tem confirmados oradores como o jornalista Malcolm Gladwell, Keith Weed, chefe da publicidade da Unilever, e Jennifer Petriglieri, professora de comportamento organizacional no Instituto Europeu de Administração de Empresas (INSEAD).
Também o Horasis Global Meeting, que reúne representantes de governos e empresas, foi adiado. Devendo realizar-se de 28 a 31 de março no Centro de Congressos do Estoril, o evento terá agora de ser remarcado numa data futura.
“Temos estado a trabalhar com membros do governo português, assim como da cidade de Cascais, e juntos decidimos, por uma questão de segurança, que vamos adiar o encontro”, lê-se numa publicação no Facebook oficial do evento. “Quando a situação estabilizar, vamos recomeçar discussões com as autoridades portuguesas para remarcar o Horasis Global Meeting e vamos atualizar todos quanto ao seu desenlace no tempo devido”, completa.
Já outros optaram mesmo pelo cancelamento em definitivo. Evento dedicado à sustentabilidade urbana e integrado nas atividades do Lisboa Capital Verde Europeia 2020, o Urban Future Global Conference 2020 estava marcado para os dias 1 e 3 de abril, mas já não vai decorrer, fruto de uma decisão conjunta da organização e do município.
Não podendo ser garantidas sobre “a saúde e segurança” de participantes, oradores, expositores e colaboradores da “Urban Future Global”, a organização reconheceu que era demasiado arriscado levar a cabo um evento de grandes dimensões nesta fase da epidemia, juntando-se ainda o facto de “vários parceiros e oradores” terem cancelado a sua presença “devido a restrições de viagens impostas pelas suas organizações”.
Ainda assim, optando por uma solução parecida com a que foi tomada com o Collision, ainda que não tão ambiciosa, a organização do Urban Future Global Conference 2020 vai agora organizar “sessões digitais com os oradores” desta edição.
Outros eventos aproximam-se nos próximos meses, sendo que as opções de adiar ou cancelar ainda não foram colocadas em cima da mesa, mas estão a ser cuidadosamente avaliadas.
Por exemplo, a Nova SBE, faculdade de economia da Universidade Nova de Lisboa, responsável pela organização das Conferências do Estoril, que decorrem normalmente em maio, respondeu ao SAPO24 que, para já, só os eventos de março e abril foram cancelados. A medida foi tomada em conformidade com o seu plano de contingência.
“A Nova SBE está a cumprir com todas as normas estipuladas pelas autoridades de saúde e vamos agindo em conformidade com a atualização dos acontecimentos. Neste momento só foram cancelados os eventos durante os meses de março e abril”, lê-se na nota enviada.
Já o Rock In Rio Innovation Week, a decorrer entre 23 e 26 de junho no LACS Conde d’Óbidos, em Lisboa, está monitorizar a situação. “Estão a ser implementadas todas as medidas necessárias e indicadas pelas autoridades, pelo que estaremos com a máxima atenção a todas as indicações e evoluções deste tema”, disse Ângelo Valente, Senior Employer Brand Manager da Blip, empresa parceira do evento, ao SAPO24. O evento junta oradores e workshops à volta de temáticas como música, tecnologia, empreendedorismo e inovação.
Antes realiza-se a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, entre 2 e 6 de junho na Altice Arena, em Lisboa. Cimeira que deverá contar com a presença do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, uma fonte do evento indicou ao SAPO24 que, para já, o cancelamento ainda não está em cima da mesa, apesar da situação ser acompanhada.
O SAPO24 contactou ainda a organização do Planetiers World Gathering, evento também ele integrado no Lisboa Capital Verde Europeia 2020 e com data marcada de 23 a 25 de abril na Altice Arena. Os responsáveis da cimeira — descrita como o “maior evento de inovação sustentável do mundo”, onde participam mais de 100 oradores, entre os quais o Nobel da Paz Mohan Munasinghe — não responderam aos contactos feitos à hora da publicação desta peça.
Também os Prémios SAPO foram adiados em virtude da situação vivida no país.
O SAPO24 tentou também obter reação da Direção-Geral de Saúde quanto às suas recomendações para a organização de eventos públicos de massas, assim como quanto à possibilidade de impor alguma interdição no que toca à realização dos mesmos, não tendo obtido resposta até à data desta publicação.
No entanto, a ministra da Saúde, Marta Temido, recomendou publicamente numa conferência de imprensa à não-realização de eventos com mais de 5.000 pessoas em espaços públicos ou à porta fechada com mais de 1.000 pessoas.
Da adversidade, uma possibilidade de futuro
Marcado para 19 e 20 de maio, o Symposium Sangue na Guelra, que reúne chefs nacionais e internacionais, assim como outras figuras do panorama gastronómico, não está ainda em risco de não vir a decorrer.
“Nós estamos serenos, temos um plano B que é adiar o evento para setembro ou outubro, eventualmente, depende também da disponibilidade do local”, informa Ana Músico, co-fundadora e diretora criativa da agência de comunicação Amuse Bouche, que organiza o evento. Reconhecendo que “cada dia seja um dia novo neste contexto”, a responsável espera que “por essa altura seja possível organizar o simpósio”.
O adiamento é a opção em cima da mesa, até porque uma medida exclusivamente digital como a tomada pela organização do Collision não seria a mais adequada para evento com as características do Sangue na Guelra. “É uma área muito diferente, estamos a falar de gastronomia, de sentidos, de provar, cheirar, degustar”, sublinha Ana Músico, adiantando também que o esforço financeiro e de meios que a cimeira tecnológica irá empregar não está acessível para todos os eventos.
Ângelo Valente é da mesma opinião. “Nem todas as empresas têm a capacidade de alterar os eventos tal como por exemplo o Collision fez”, observa o responsável da Blip. No entanto, a opção, diz, “permitirá também compreender de que forma poderemos adaptar eventos não presenciais nas agendas das empresas no futuro, o que também poderá ser útil”.
Com as temáticas do teletrabalho e do trabalho remoto fazendo cada vez mais parte da discussão pública, Ângelo Valente diz que a atual epidemia pode, pelo menos, servir para repensar modelos de trabalho. “Ao olharmos para situações como esta de um ponto de vista pragmático, temos de considerá-las como oportunidades para, por exemplo, as empresas e organizações adotarem práticas de trabalho remoto e verificarem se os índices de produtividade efetivamente não baixam com o afastamento físico das equipas”, afirma. No caso da Blip, adianta, esta medida já está em prática há vários anos, ao abrigo de uma “política oficial de flexibilidade”.
Ana Músico é de uma opinião semelhante à de Ângelo. “Isto aponta um bocadinho para aquilo que é o futuro, quem sabe se não vão optar por organizar as restantes edições num cruzamento entre os dois formatos, o presencial e o digital”, comenta a responsável pelo Sangue na Guelra, em relação ao Collision.
No seu parecer, a cimeira tecnológica deu “muito bem a volta à situação”, transformando “aquilo que é uma grande adversidade” numa “grande mais valia” “Como evento tecnológico que são, acabam por ter a capacidade para, num tão curto espaço de tempo, reinventar um evento de grandes dimensões e optarem por uma coisa completamente nova”, indicou Ana Músico.
E se o Collision from Home perderá um pouco pela ausência de contacto presencial, já que “o networking direto é muito rico e muito interessante”, a responsável pelo Sangue na Guelra aponta, porém, que esta nova opção permitirá também “a mundialização de um público vastíssimo”. Essencial, no seu entender, é não cancelar unilateralmente, pois “os eventos vivem muito de uma edição para a outra, de consolidação, de conseguir abranger um público cada vez mais vasto”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a doença Covid-19 como pandemia, face aos "níveis alarmantes de propagação e de inação".
A pandemia de Covid-19 foi detetada em dezembro, na China, e já provocou mais de 4.500 mortos em todo o mundo.
O número de infetados ultrapassou as 125 mil pessoas, com casos registados em mais de 100 países e territórios, incluindo Portugal, que tem 78 casos confirmados.
Face ao avanço da pandemia, vários países têm adotado medidas excecionais, incluindo o regime de quarentena inicialmente decretado pela China na zona do surto.
O Conselho Nacional de Saúde Pública recomendou quarta-feira que só devem ser encerradas escolas públicas ou privadas por determinação das autoridades de saúde.
As medidas já adotadas em Portugal para conter a pandemia incluem, entre outras, a suspensão das ligações aéreas com a Itália, a suspensão ou condicionamento de visitas a hospitais, lares e prisões, a suspensão de atividades letivas em escolas e universidades e a realização de jogos de futebol sem público.
*com agências
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