No século XIV, o filósofo francês Jean Buridan teorizou sobre o livre arbítrio com um asno como protagonista. Um burro, colocado à mesma distância de um fardo de palha e de um recipiente com água, morre sem conseguir decidir se mata primeiro a fome ou a sede.

O exemplo que não ficou registado na obra escrita Buridan - e que segundo a Wikipédia pode até nem ser da sua autoria - servia de sátira ao determinismo moral e esteve na origem da famosa expressão popular “a pensar morreu um burro”.

Ao leitor me devo confessar, não sei mais nada sobre a obra do filósofo francês além desta história que me foi contada por um amigo, mestre em filosofia, há demasiados anos, e que foi sustentada com recortes cuidadosamente selecionados da Internet. Conheço bem, no entanto, o significado da expressão, como qualquer criança que se encontrou com ela tantas vezes.

Por alguma razão, quando esta manhã me deparei com a notícia da morte de Eduardo Lourenço, uma das primeiras coisas que me veio à cabeça foi precisamente esta expressão. “A pensar morreu um burro”, como cada vez que uma criança se perde a divagar, a criar ou simplesmente a pensar para não verbalizar a primeira ideia que tem na cabeça quando é baleada com uma pergunta, e que nunca é a resposta, pelo menos aquela pergunta, fosse um crime de lesa-pátria punido com a transfiguração do ser humano em asno, como consequência do tempo.

Mais tarde, numa das várias entrevistas que foram sendo partilhadas ao longo do dia tive um reencontro imediatamente explicativo com o título de uma conversa de Eduardo Lourenço com Luciana Leiderfarb, para o Expresso: “Não sei fazer outra coisa a não ser pensar”.

Pelo que sabemos hoje, a dúvida nunca terá impedido o ensaísta e pensador de alimentar o seu labirinto. Também terá sido burro, mas com certeza que não morreu de fome, de sede ou de qualquer determinismo.

No entanto, não abandone já esta ideia. Um dos pontos que hoje mais vi serem repetidos sobre Eduardo Lourenço foi dedicado ao seu sentido de humor. Proponho que o homenageemos, imaginando que algum dia o jovem Eduardo olhava para a rua durante uma aula, aparentemente distraído, e alguém lhe disse: “a pensar morreu um burro”. Ora bem, professora, não só morreu como ousou não fazer outra coisa.

Aqui está a merecida e devida lista de elogios que lhe foi deixada ao longo do dia por personalidades, instituições e autarquias, e o texto de homenagem de Francisco Sena Santos com quem se cruzou. A despedida, pelo menos a coletiva, faz-se amanhã, em Lisboa, no Mosteiro dos Jerónimos.