“O abuso sexual contra crianças continua a ser uma preocupação porque não conhecemos ainda bem qual é a magnitude do problema. Há denúncias, e isso é bom, mas queremos que as denúncias continuem e que a resposta seja adequada. A justiça tem de ser rápida e muito consistente e coerente”, disse Ulrika Richardson.
A também representante máxima do sistema das Nações Unidas em Cabo Verde falava à agência Lusa no âmbito de uma visita ao Centro de Emergência Infantil do Instituto Cabo-Verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA), na cidade da Praia.
Ulrika Richardson considerou positivo o facto de abuso sexual de crianças em Cabo Verde ter deixado, em certa medida, de ser “tabu”, mas considerou são precisas respostas.
“Outra preocupação são as crianças que não são de rua, mas estão rua, muito vulneráveis ao uso de drogas, abusos sexuais e outro tipo de abusos. É preciso uma ação muito abrangente e coerente a essa questão”, disse.
Para Ulrika Richardson para prevenir estes fenómenos é necessário “um forte apoio em termos de cuidados na primeira infância” e um sistema de ensino pré-escolar com cobertura de 100%.
A UNICEF é um dos parceiros do ICCA, apoiando nomeadamente na mobilização de fundos e na capacitação dos técnicos que trabalham no instituto.
As duas instituições estão a trabalhar com o parlamento cabo-verdiano para melhorar a legislação sobre abuso sexual de menores, uma lei que a presidente do ICCA, Maria José Alfama espera possa resolver os “muitos problemas” associados a esta problemática.
“São questões que vêm da morosidade da justiça, outras que, para a sociedade, configuram impunidade dos agressores, outras que têm a ver com a melhoria de alguns aspetos, nomeadamente a retirada da criança da família em vez de retirar o agressor do espaço próximo da criança”, disse.
Em discussão está também o aumento de penas para os crimes sexuais e a classificação como crime público dos abusos sexuais até aos 16 anos (atualmente é até aos 14 anos).
O debate sobre a impunidade tem estado na ordem do dia em Cabo Verde associada ao facto de os suspeitos detidos por crimes sexuais serem sujeitos com alguma frequência a medidas de coação de Termo de Identidade e Residência (TIR), regressando muitos deles ao convívio com as vítimas.
Maria José Alfama reconhece que tal se deve, em parte, a dificuldades na preservação de provas.
“Temos um trabalho a fazer junto das famílias no sentido de haver denúncia rapidamente e de preservar as provas. Se a criança é violada e logo de seguida se dá banho, muda de roupa e leva para a entidade, não há como fazer a recolha de provas”, disse.
Maria José Alfama disse ainda que o aumento das denúncias de abusos sexuais de menores deixa perceber o quanto a situação “é grave”, mas admitiu que nos próximos tempos as denúncias irão continuar a aumentar fruto do trabalho que o ICCA e outras instituições estão a fazer nas escolas e comunidades no sentido de acabar com o silêncio.
Em 2016, chegaram ao ICCA 140 queixas, em 2017 houve 172. Este ano, não há ainda estatísticas oficiais.
Além do ICCA, as queixas chegam também através da polícia e dos serviços de saúde.
Segundo dados divulgados, em fevereiro, pela Polícia Nacional (PN), os crimes de abuso sexual de menores aumentaram 7% em Cabo Verde no ano passado, tendo sido o único crime grave a registar aumento.
Só na semana passada, a Polícia Judiciária (PJ) de Cabo Verde deteve seis indivíduos por suspeitas de abuso sexual de menores, na mesma altura em que Conselho da República pediu atenção especial a este tipo de crime.
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