No documento apresentado na segunda-feira e a que a Lusa teve acesso, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce defenderam que o despacho de 06 de setembro, assinado pelo presidente do coletivo de juízes, Francisco Henriques, “omitiu a prática de uma diligência que se pode reputar essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, ou mesmo omitiu um ato legalmente obrigatório”.
“O facto de o tribunal entender dispensar o arguido de comparecer no julgamento e considerar que as suas declarações não são imprescindíveis não pode ser confundido com o facto de que a prestação de declarações por parte do arguido é um direito fundamental deste, que se impõe ao tribunal e até constitui um ato legalmente obrigatório (…), caso o arguido pretenda exercer este seu direito”, pode ler-se no requerimento.
Os representantes do antigo banqueiro, que responde por três crimes de abuso de confiança em processo conexo e separado da Operação Marquês, sublinharam ainda que o exercício deste direito por Ricardo Salgado “obriga e vincula o tribunal a realizar uma perícia, quando existem indicadores nos autos de que o arguido sofre de patologia que o pode impedir de exercer este direito a prestar declarações de forma plena”.
Considerando que a avaliação médica de uma possível anomalia psíquica para a defesa através da prestação de declarações “não é uma prerrogativa do tribunal, mas sim um direito fundamental do arguido que se impõe ao tribunal”, o requerimento refere ainda que o resultado da perícia pode vincular o tribunal a aplicar a suspensão da execução de uma hipotética pena de prisão, ao abrigo do artigo 106.º do Código Penal.
Paralelamente, os advogados contestaram o argumento de desproporcionalidade utilizado no anterior despacho. “Quer a vinculação do tribunal ao artigo 106.º do Código Penal, quer a existência de elementos que consubstanciam indicadores fortes e sintomas compatíveis de anomalia psíquica do arguido para efeitos desta norma, não tornam a realização da perícia em causa desproporcional”, sustenta o documento.
“Ao contrário de um atestado médico que não constitui prova pericial em sentido técnico-processual (…), o juízo técnico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”, refere o requerimento, que acrescenta que “se a lógica do despacho que indeferiu a perícia médico-neurológica requerida pelo arguido pudesse ser acolhida, então, no limite, todas as patologias poderiam ser ‘demonstradas por atestado médico’ e nunca seria necessário e proporcional realizar perícias médicas”.
Hoje, durante a sexta sessão do julgamento que decorre no Juízo Criminal de Lisboa, o juiz Francisco Henriques voltou a manifestar reservas em relação à realização da perícia médico-neurológica e disse aos advogados do antigo presidente do GES que “não há fundamento para nulidade nenhuma” neste requerimento, apesar de ainda não ter havido uma pronúncia formal do presidente do coletivo de juízes.
“Não é preciso perícia nenhuma para dizer que [Ricardo Salgado] está com capacidade ou incapacidade. Ele é que sabe se está com capacidade para vir testemunhar ou não. Se o tribunal reconhecer que há alguma dificuldade, aí podemos pedir a perícia. Se tem indícios de doença, fica a constar. Não é preciso pedir perícia para dar isso como provado”, afirmou, respondendo ainda a Adriano Squilacce: “Pode chamar a doutrina toda, quem decide é o tribunal. Se quer chamar a jurisprudência, recorre”.
Ricardo Salgado é acusado neste julgamento de três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros no âmbito da Operação Marquês, do qual este processo foi separado.
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