Entoando palavras de ordem, cerca de 200 pessoas protestaram hoje, ao final do dia, contra a política cultural do Governo, ouvindo-se que um “país sem cultura cava a sua sepultura”, por entre a concentração, em que se ostentavam vários cartazes, a pedir “1% do PIB para o setor”.
Por entre público, artistas e políticos da cidade, estavam vários dirigentes de estruturas culturais de Coimbra, algumas delas que, antes do anúncio do reforço de financiamento do Governo para as artes, estariam excluídas de apoio: O Teatrão, Escola da Noite e Centro de Artes Visuais (a Orquestra Clássica do Centro continua sem apoio).
“A luta é muito pela urgência das verbas e dotação de um orçamento para a cultura digno do país que temos e que queremos ter, mas também pela mudança do modelo que tem uma estratégia ideológica de transformação absoluta do tecido artístico do país”, disse à agência Lusa a diretora do Teatrão, Isabel Craveiro, considerando que o Governo falta à verdade quando diz que o setor foi ouvido.
Apesar de ter sido anunciado que a companhia que lidera passaria a ser apoiada, Isabel Craveiro tem dúvidas legais sobre o anúncio da Direção-Geral das Artes (DGArtes) e realça que não faz “a mínima ideia” de como é o grupo vai ser apoiado, com que verba e como é que isso se vai processar, realçando que sem apoio “a companhia acaba”.
No entanto, a questão essencial, explicou, centra-se não apenas no dinheiro investido agora na cultura, mas na própria postura que o Governo tem em relação ao setor.
O Governo “quer transmitir à população que somos um bando de gente ‘subsidiodependente’ que se cala com a libertação faseada de verbas”. “Há uma completa desconsideração pelos artistas”, vincou.
O diretor da Escola da Noite, António Augusto Barros, partilha da mesma opinião.
“Infelizmente, este Governo volta a falar em doações, em subsídios, em esmolas, no fundo. Os reforços perpetuam essa ideia e humilham os agentes culturais. É uma humilhação. Estamos até a pensar em fazer um carimbo com os ‘repescados’ para todos os nossos materiais”, contou.
Em declarações à Lusa, António Augusto Barros afirmou que existe no próprio Ministério da Cultura a ideia de “originar uma revolução no tecido artístico existente”, e condicioná-lo “para uma ideia minoritária, irresponsável, sectária e de visão da cultura muito centrada – autisticamente centrada – em Lisboa”.
A concentração de hoje, sublinhou, é importante não apenas como sinal de unidade da classe, mas como “uma tomada de consciência da população, de que a cultura é importante para todos”.
Alfredo Batista participou na concentração apenas como espectador dos espetáculos das companhias de Coimbra, desde “há muitos anos”, e manifestou o seu desagrado com os resultados que tinham sido inicialmente anunciados.
“São estruturas que prestam um serviço à comunidade. Fazem muita falta”, disse.
O coordenador de produção do Centro de Artes Visuais, Jorge Simões, contou à Lusa que “é muito triste” perceber que o trabalho de 40 anos desta estrutura poderia ter sido interrompido pelo concurso.
“A repescagem não faz sentido nenhum e é humilhante para quem trabalha na área ter este tipo de apoio. Há um olhar de desprezo para a cultura”, protestou.
Também o ator Pedro Lamas apontou para a forma como se olha para a cultura, principalmente fora de Lisboa.
“Sou colaborador do Teatrão, militante do trabalho da companhia, tal como da Escola da Noite. Nos meus anos de formação, foi com eles que aprendi, que formei a minha visão teatral e é um autêntico crime. De repente, Coimbra, que tem um curso superior de teatro, dois teatros universitários, vê-se excluída dos apoios. É um atestado de óbito até para os alunos que a gente forma. Estamos a dizer-lhes que enquanto artistas não vale a pena refletir e pensar sobre a região?”, criticou.
Os concursos do Programa de Apoio Sustentado da DGArtes, para os anos de 2018-2021, partiram com um montante global de 64,5 milhões de euros, em outubro, subiram aos 72,5 milhões, no início desta semana, perante a contestação no setor e, na quinta-feira, o Governo anunciou o reforço para um total de 81,5 milhões de euros.
Este reforço garante verbas para o apoio, para já, de 183 candidaturas, contra as 140 iniciais, incluindo estruturas culturais elegíveis que tinham sido deixadas de fora, por falta de verba, segundo os resultados provisórios conhecidos desde a sexta-feira passada.
O Programa de Apoio Sustentado às Artes 2018-2021 envolve seis áreas artísticas – circo contemporâneo e artes de rua, dança, artes visuais, cruzamentos disciplinares, música e teatro — tendo sido admitidas a concurso, este ano, 242 das 250 candidaturas apresentadas.
Os resultados iniciais deram origem a contestação no setor, e levaram o PCP e o Bloco de Esquerda a pedir a audição, com caráter de urgência, do ministro da Cultura e da diretora-geral das Artes, em comissão parlamentar, o que se verificará na terça-feira.
Sindicatos e associações do setor convocaram ações de protesto para hoje em Lisboa, Porto, Coimbra, Beja, Funchal e Ponta Delgada, mantendo as manifestações apesar dos anúncios de reforços de verbas.
De acordo com o calendário da DGArtes, os resultados definitivos deverão ser conhecidos até meados de maio, nas diferentes disciplinas.
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