Uma pesquisa no Google sobre “conspiracy theories” apresenta 59.200.ooo resultados. Isso mesmo, acima de cinquenta e nove milhões de refutações mirabolantes para factos comprovados, como a esfericidade da terra, ou eternamente discutíveis, como quem matou John Kennedy. Vão das mais sérias às mais infantis, como as que defendem que o Holocausto nunca aconteceu ou que Megan Marckle é um robot.

O pior é quando algumas destas explicações obtusas, ou factos inventados, começam a afectar a vida das pessoas e ganham tracção política. As intenções subjacentes não são filosóficas ou lúdicas; há a vontade expressa de modificar a ordem existente. Estamos a viver um período em que é mais importante ser apelativo do que ter razão. Como diz o teórico do pós-modernismo, Stanley Fish: “A morte da objectividade desresponsabiliza a pessoa da obrigação de estar certa. Só precisa de ser interessante”.

Um exemplo desta influência é o texano Alex Jones, o criador de uma rede de informação chamada Infowars. Começou com um programa de rádio local depois distribuído por cem estações, a seguir fez vários programas de televisão e finalmente lançou o site Infowars, que se transformou num sistema que inclui páginas em todas as redes sociais e até uma app para smartphones. Em 1998 lançou o seu primeiro documentário, “A destruição da América tem um objectivo”.

Em 2010, o “Alex Jones Show” era um programa televisivo que já tinha uma audiência de dois milhões espectadores.

As suas opiniões, apresentadas como factos, sempre foram surreais. A seita de David Koresh, em Waco, era um grupo pacífico, massacrado pelo FBI às ordens da então Procuradora-Geral da República, Janet Reno. O atentado das Torres Gémeas, em 11 de Setembro de 2001, foi planeado pelo Governo Bush.  Embora se considere cristão e cite frequentemente a Bíblia, acha que "um dos maiores problemas nos Estados Unidos é a religião organizada. Os líderes religiosos têm sido financiados abertamente por governos e corporações para pregarem doutrinas de submissão ao governo, submissão à tirania".

O controle de armas e os seus defensores também são um dos alvos preferidos de Jones, que os considera como servindo uma “causa diabólica” para acabar com a liberdade individual.

Quando ocorreu o tiroteio na escola de Sandy Hook, em 2012, em que um atirador matou 20 crianças e seis adultos, Jones disse que se tratava de uma encenação organizada pelos grupos anti-armas e que os miúdos sobreviventes que apareceram na televisão a contar o terror vivido eram actores contratados.

Seis pais de crianças assassinadas processaram-no. Os pais de Noah Pozner, uma das crianças, afirma que por causa das acusações de Jones, têm sido perseguidos e ameaçados de morte pelos seus seguidores, a ponto de ter mudado sete vezes de casa em cinco anos. Em resposta, Jones processou o casal, exigindo uma indemnização de 100 mil dólares para pagar as despesas judiciais do processo.

Os seguidores de Jones são muito numerosos, e não apenas indivíduos; vários grupos da extrema direita, chamada alternativa (“alt-right”) amplificam as suas teorias.

Uma das teorias mais surreais defendidas por Jones e estes grupos é a chamada “Pizzagate”, teoria da conspiração segundo a qual Hilary Clinton e o seu director de campanha, John Podesta, seriam os donos de uma rede de pedofilia montada a partir da cave de uma pizzaria em Washington. A situação chegou ao ponto do General Michael Flynn, na altura (Novembro de 2016) membro da equipa de transição do futuro governo Trump, publicar vários tweets alegando que Podesta bebia sangue e fluidos corporais de humanos, em rituais satânicos. O facto é que num inquérito de opinião feito na época 46% dos eleitores de Trump acreditavam nesta história.

As afirmações de Alex Jones e a sua divulgação extensiva e imediata chegaram a tal ponto que na semana passada as principais plataformas sociais – Google, Facebook e Apple – eliminaram as publicações das Infowars das redes, do Youtube e dos podcasts. Mas a app Infowars continua activa e passou imediatamente a ser a mais descarregada. Apenas o Twitter manteve a conta de Jones; o CEO da empresa, Jack Dorsey, considerou que os tweets não “violam as regras de uso do Twitter” – o que levou a revista “The New Yorker” a perguntar, acidamente, para que servem essas regras.

A questão da responsabilidade das plataformas por aquilo que os seus assinantes dizem é, evidentemente, uma questão complicada de resolver à luz da liberdade de expressão. Num artigo no “New York Times” publicado no dia 7, quatro especialistas analisam o problema. Segundo eles, é para estas situações que existe a figura jurídica da difamação. A liberdade de expressão tem de ter salvaguarda, mas não pode incluir calúnias sem provas.

No entanto, a eliminação de uma fonte, no caso a Infowars, não evita a propagação viral de factos não comprovados, “alternativos”, ou mesmo impossíveis. Milhares de outros sites e indivíduos reproduzem imediatamente esse “facto”, que acaba por ser real para muita gente. Como disse Bill Clinton, “O que é a verdade depende do significado de “é”.”

Stephen Colbert, já em 2005 ilustrava magistralmente a situação, com o seu delicioso humor, a propósito de um neologismo inventado por ele, “verdadismo” (“truthiness”):“Tenho quase a certeza de que os palavristas do dicionário Webster’s vão dizer que não é uma palavra. Ora bem, toda a gente que me conhece sabe que não sou fã de dicionários ou livros de referência. São elitistas. Dizem-nos constantemente o que é ou não é verdade, o que aconteceu ou não aconteceu. Quem é a Enciclopédia Britânica para me dizer que o Canal do Panamá foi construído em 1914? Se quero dizer que foi em 1941, tenho esse direito. Não confio em livros. São só factos, sem sentimentos”.

A foto que ilustra este artigo é de julho de 2016 numa conversa entre Jonathan Alter, Alex Jones, da Infowars, e Roger Stone, ex-conselheiro de Donald Trump no programa "Alter Family Politics" emitido na rádio SiriusXM .