É preciso recuar até 28 de maio para confirmarmos quando decorreu a última reunião de especialistas, governantes e políticos no auditório do Infarmed a propósito da “Situação Epidemiológica da COVID-19 em Portugal”.

São “só” dois meses, é certo, mas desde a última reunião houve mudanças de vulto no país, desde a apresentação do certificado digital em vários estabelecimentos comerciais até ao próprio agravamento da pandemia: nesse dia foram registados 598 casos e um óbito; hoje [26 de julho], nas vésperas de nova reunião, foram apontadas 1.610 infeções por Covid-19 (ressalve-se que foi uma segunda feira, dia de “baixa” dos casos: domingo registaram-se 2.625 casos e no sábado foram 3.396) e nove óbitos.

Na altura, os especialistas defenderam a manutenção da matriz de risco e a revisão dos escalões de desconfinamento. O Governo assentiu: os antigos patamares de restrições que perduravam desde março foram abolidos e novos patamares — com restrições mais suaves entre si — foram introduzidos, tendo, todavia, mantido a matriz.

E agora, o que nos espera numa fase em que Portugal é o segundo país da UE (só o Chipre nos ultrapassa) com maior média de óbitos na última semana — e o quinto com média de mais casos? Ou numa fase em que o número de internamentos mais do que triplicou desde a última reunião?

Por estranho que possa parecer, prevê-se uma suavização das restrições, ou seja, um pseudo-desconfinamento depois do reforçar de medidas das últimas semanas. Apesar de os números se manterem elevados — pelo menos, para os padrões de um país em que mais de metade da população já levou uma dose da vacina — o consenso entre os especialistas é de que já teremos passado o pico desta vaga e entrámos num planalto que começará agora a descer.

O sinal de que os peritos vão propor alterações às medidas de combate à covid-19 foi dado por alguns epidemiologistas ao Expresso no final da semana passada, antevendo a alteração da matriz de risco — em especial a linha vermelha da incidência —, mas alertando que ainda não é tempo para mudanças radicais.

O véu foi progressivamente sendo levantado este domingo à noite por Luís Marques Mendes. O comentador da SIC anunciou que, pelo que teria apurado, o pedido não passa por “acabar com todas as restrições” nem “acabar com a máscara, o distanciamento ou com a lotação em alguns estabelecimentos”, mas sim pôr fim às “limitações horárias nos restaurantes, nos teatros, nos espetáculos, nas lojas comerciais” e ao “recolher obrigatório entre as 23h00 e as 5h00". Ao invés, a ideia passaria por reforçar a "testagem, a vacinação e os certificados covid".

De resto, se nós temos de esperar para ver, já o Governo pode não estar nem aí. Esta segunda-feira, confrontado pelos jornalistas quanto à possibilidade do executivo optar por reduzir as restrições, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, deixou qualquer novidade para depois dessa reunião.

No entanto, o governante deixou um aviso: “A política não deve interferir na ciência, deve respeitar a ciência, mas também não está capturada nem refém da ciência”. Significará isto a tomada de decisões à revelia do saber científico? Talvez não — mas para um Governo que declarou a ciência como a "verdadeira arma" contra populismo e ignorância, é um terreno perigoso sinalizar a vontade de atuar sem consenso especializado por trás.

Fazê-lo pode reforçar um risco para o qual Marcelo Rebelo de Sousa alertou nessa última reunião do Infarmed e o qual o Governo tem pisado sucessivamente deste então: de que é preciso comunicar com clareza para que haja "legitimação pública dos indicadores e dos critérios sanitários adotados" — as últimas semanas, de resto, têm sido pródigas em tomadas de decisão súbitas mas nem por isso compreendidas, como por exemplo os “cercos” à Área Metropolitana de Lisboa, que desapareceram com a mesma rapidez com que surgiram, apesar das justificações do Governo que foram pensados para conter a variante Delta.

António Costa já fez saber que pretende, à semelhança do Reino Unido, promover a “libertação total da sociedade” no fim do verão. O ritmo a que isso decorrerá, porém, não deverá ser tão súbito quanto isso: os partidos que hoje se reuniram com o Presidente da República, a IL e o PAN, lamentaram que o desconfinamento será mais lento que o previsto. 

São mais as perguntas que as respostas nesta fase. O melhor, mesmo, será esperar pela reunião do Infarmed. 

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