O presidente da fundação que gere a Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, lembra o "profundo orgulho em ser portuguesa" da pintora que morreu esta quarta-feira aos 87 anos, e assegura que o espaço desenhado por Souto Moura vai continuar e aprofundar o trabalho em torno da obra de Paula Rego.

"A Casa das Histórias permanecerá e prosseguirá o seu trabalho enquanto houver apreciadores da obra de Paula Rego e enquanto, naturalmente, a família [de Paula Rego] quiser", diz Salvato Telles de Menezes ao SAPO24 quanto ao futuro da obra da pintora em Portugal.

"Obviamente, aqui há dois parceiros, de um lado estamos nós e do outro está a família com quem nós nos entendemos perfeitamente. Portanto, não vejo quaisquer sinais de que haja vontade de interromper esta relação", acrescenta, por telefone, o responsável pela Fundação D. Luís I.

"Pelo contrário, vejo sempre uma afirmação, através do Nick Willing [filho de Paula Rego] e até do aprofundamento dessa relação."

Na imprensa do Reino Unido, Paula Rego foi descrita como "pintora britânica nascida em Portugal". E, ao longo do dia, quer o gabinete do primeiro-ministro português, quer Marcelo Rebelo de Sousa sublinharam as ligações que Paula Rego, há décadas a residir em Londres, mantinha com Portugal.

Salvato Telles de Menezes desvaloriza a "apropriação" inglesa da artista portuguesa. "Até por deformação profissional, sou um grande apreciador da cultura anglo-americana, mas também sei que existe uma grande propensão imperialista entre os britânicos quando chamam a si aqueles artistas que nasceram noutros países e que por acaso se instalaram lá por esta ou por aquela razão", diz.

"Obviamente, não podemos esquecer que Paula Rego viveu muitos anos em Inglaterra, foi casada com um inglês, tem filhos ingleses — mas os laços e os laços artísticos, intelectuais, sentimentais que ela sempre manteve com Portugal nunca foram postos em causa. Ela tinha um profundo orgulho em ser portuguesa, reconhecendo, naturalmente os defeitos que nós [portugueses] temos — só que também reconhecia os defeitos que os ingleses têm, que também não são poucos", conta Telles de Menezes.

"Essa tentativa de apropriação da Paula Rego pela Inglaterra não é inédita, já a fizeram com outros e, portanto, nem sequer lhes podemos levar muito a mal", acrescenta. Afinal, a obra de Paula Rego "afirma categoricamente" um tal "caráter português", defende Telles de Menezes.

Apesar disso, "Paula Rego é uma pintora do mundo, é uma pintora que foi naturalmente sujeita a influências de muitas proveniências, como convém — é uma pintora aberta ao mundo, ao seu mundo. E isso não retira um milímetro à sua portugalidade, disso não tenhamos qualquer dúvida", sublinha.

O presidente da República destacou esta quarta-feira a recente compra de obras da pintora Paula Rego pela Fundação Calouste Gulbenkian, "mesmo no final da sua vida", e pediu que Estado e privados completem essa iniciativa. Marcelo Rebelo de Sousa falava aos jornalistas em Braga, a propósito da nota de condolências que fez publicar, em que defende que a maior homenagem que se pode fazer à pintora é "garantir, através de intervenções de organismos públicos e privados, que uma parte relevante do legado de Paula Rego ficará em Portugal".

"Felizmente, nos últimos tempos, a Fundação Gulbenkian comprou talvez as obras mais significativas de Paula Rego. Isso foi feito mesmo no final da sua vida, sabemos hoje, por iniciativa de seu filho, Nick, e pela compreensão da então presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, doutora Isabel Mota", assinalou.

Em seguida, o chefe de Estado defendeu que "tudo o que se possa fazer, completando aquilo que a Gulbenkian já fez, mesmo relativamente a obras que não são as mais emblemáticas, para haver em Portugal no futuro o testemunho daquilo que foi uma vida riquíssima e uma projeção no mundo, deve ser feito".

O Presidente da República referiu que "uma parte das obras" de Paula Rego estão, "a título não definitivo, num museu que é o seu museu em Cascais", a Casa das Histórias. "No futuro, quer o Estado, quer entidades privadas que o possam, devem trazer para Portugal ou manter em Portugal a título definitivo o maior número de obras da Paula Rego", acrescentou.

O presidente da Fundação D. Luís I diz que esta organização e a autarquia de Cascais "sempre manifestaram total interesse em apoiar e fazer o que está no contrato: estudar, divulgar, promover a obra de Paula Rego através de exposições, catálogos, etc."

"E, por outro lado, também, da parte da família — e em especial da própria pintora — o apoio, o interesse e o gosto que [Paula Rego] tinha pela Casa das Histórias, que manifestou em muitas circunstâncias que a levou, aliás, um dia a enviar uma nota ao presidente da câmara municipal, Carlos Carreiras, onde lhe solicitava que tratasse bem dos 'bonecos' dela, coisa que nós temos feito sempre de forma a que ela se sentisse satisfeita — porque o merecia, porque é uma artista única no nosso panorama", recorda Telles de Menezes.

"A Casa das Histórias é um dos equipamentos culturais mais importantes para a estratégia estabelecida pela câmara municipal e pela fundação. O papel da Casa das Histórias é único e, articulando-se com os outros equipamentos, permite-nos conceber uma estratégia de oferta cultural que julgo ser bastante característica, distintiva".

Telles de Menezes fala ainda num "entendimento perfeito" entre a família de Paula Rego, a Fundação D. Luís I e a câmara de Cascais na gestão da Casa das Histórias.

Em Cascais, "existe um contrato assinado entre a câmara municipal e Paula Rego e a família", explica. "Tem a ver com a gestão da Casa das Histórias e o comodato de obras de Paula Rego que estão na Casa das Histórias e que circulam — ou estão em Cascais, ou vão para onde a família necessita, porque são obras que lhes pertencem".

No entanto, também "há as obras da coleção que foi doada por Paula Rego à câmara municipal de Cascais, na sequência da criação das Casa das Histórias", e ainda "as obras de colecionadores particulares que estão lá em depósito, porque consideram que é o local adequado para que as suas obras estejam em bom recato, nas condições ótimas de preservação".

A Fundação D. Luís I assumiu, através de um protocolo com a câmara de Cascais", a gestão da Casa das Histórias com o fim da Fundação Paula Rego, extinta com a passagem da 'troika' por Portugal. A gestão artística, no entanto, cabe a uma comissão paritária, onde estão Telles de Menezes, mas também um dos filhos de Paula Rego, Nick Willing. O orçamento cabe à autarquia, explica ainda Salvato Telles de Menezes.

Cascais quer obras de Paula Rego da coleção do Estado na Casa das Histórias

Telles de Menezes revela ao SAPO24 que ele e Carlos Carreiras (PSD), presidente da câmara municipal de Cascais, já apresentaram "a um membro do governo, da tutela, a possibilidade de as obras de Paula Rego que pertencem ao Estado poderem ficar em depósito na Casa das Histórias, que é o espaço adequado para a sua real preservação, tal como os proprietários privados tem feito".

"Se nós começarmos por aí, seguramente que é também uma boa forma de estabilizarmos, primeiro, as obras que estão cá, que são propriedade do Estado português, e, por outro lado, naturalmente, concordo que as instituições privadas e públicas portuguesas devem fazer um esforço para garantir que haja cada vez mais obras de Paula Rego a fazer parte daquilo que é nosso, estando aqui em Portugal", defende.

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