A respeito da visita oficial do Presidente angolano a Portugal - de 22 a 24 de novembro - Rafael Marques acredita que esta "poderá sanar muitos diferendos existentes entre os dois países, mas os principais diferendos foram resultantes da cumplicidade entre os dois governos no saque dos bens angolanos”.

O jornalista angolano espera que as relações “desta vez sejam baseadas no interesse dos angolanos, que têm sido os mais prejudicados” pelo comportamento que diz ter caracterizado até agora a relação entre os dois países, assente na exploração das riquezas angolanas, “não para promover o desenvolvimento do país, e sim para sacar o que lá havia”.

Apelando a “mais transparência” nas relações comerciais entre Angola e Portugal e à cooperação judicial “para garantir que os que roubam em Angola não se vêm esconder em Portugal e que os que roubam em Portugal não se vão esconder em Angola”, Rafael Marques espera igualmente que a visita “possa trazer alguma luz sobre o que acontecerá a muitos investimentos feitos aqui [em Portugal] com dinheiro roubado ao estado angolano” pedindo “sanções” para os “escritórios de advogados que foram instrumentais na elaboração de artifícios de pilhagem em Angola”.

Os dois lados das dívidas

O jornalista afirmou que o tema das dívidas tem dois lados: “Portugal vai cobrar certamente as dívidas das empresas portuguesas, mas Angola tem de ter a firmeza de perguntar como se chegou a essas dívidas”.

Para Rafael Marques devem ser discutidas “as dívidas de Portugal com Angola e os danos que as empresas portuguesas e os políticos portugueses têm causado ao longo destes anos”e aponta mesmo que “Portugal sempre foi cúmplice do que se passou de errado em Angola”, frisando que existem "vários políticos portugueses que são consultores do Governo angolano, mas sempre na base de garantir que ganhavam muito dinheiro, explorando o sofrimento dos angolanos”.

Defendeu também a criação de “uma comissão para avaliar os casos de corrupção existentes entre os dois países”.

Admite que a mudança de Presidente em Angola não afetou os interesses angolanos em Lisboa e sugere que Portugal garanta "o repatriamento do dinheiro roubado em Angola” e avance com processo judiciais para apurar “os ativos que foram adquiridos com fundos do Estado angolano” e que estão em nome de figuras ligadas ao anterior presidente (José Eduardo dos Santos) e outras pessoas ligadas ao regime” de forma a avaliar como foram adquiridos estes bens: prédios, sociedades em empresas, propriedades de grande valor, etc.

“É redutor pensar apenas na família dos Santos quando se fala de poder em Angola”, afirmou, destacando que “em termos de atores, mudou o Presidente, mas não mudou o regime”.

Lembrou ainda que “é o MPLA que está no poder há 43 anos”, pelo que esta é ainda uma fase de transição: "Temos um caminho longo a percorrer em termos de mudança”.

Direitos humanos e liberdade de imprensa

Sobre os direitos humanos e a expulsão de cidadãos congoleses, sobretudo no leste do país, recordou que “qualquer país tem de ter uma política de controlo de fronteiras” - como dificilmente acontece naquelas províncias - e sublinhou que a questão fundamental é garantir “mais rigor” no controlo e políticas que envolvam os dois países.

“É necessário que haja políticas abrangentes que envolvam os dois países para haver estabilidade naquela região. Tanto do lado congolês como do angolano há diamantes, há riquezas, há condições propícias para a prática da agricultura e para que as pessoas tenham condições de vida aceitáveis”, comentou Rafael Marques, para quem a falta de estabilidade na vizinha República Democrática do Congo “é um dos principais problemas que causam emigração massiva para o lado angolano”.

O jornalista do Maka Angola sugeriu, no entanto, maior formação para as forças policiais: "Antes da realização destas operações é curial que as autoridades treinem os seus agentes policiais e as forças miliares sobre os procedimentos que devem tomar”, notando que quem continua a executar operações no terreno “é o mesmo indivíduo que está habituado a bater, a reprimir”.

Quanto à liberdade de imprensa, admite que se vive um clima “menos repressivo”. Para Rafael Marques, a comunicação social do Estado angolano está “menos intolerante em relação à oposição e sociedade civil”, embora continuem a servir para propagar a informação oficial.

“Deviam ser mais isentos e críticos em relação aos atos do próprio Governo, ate porque não é do interesse do Governo ter uma imprensa que só bata palmas”, observou o jornalista.