“O grande problema das alterações climáticas é que não são tão visíveis e tão fáceis de explicar, apesar de comprováveis, como o tal meteorito”, diz Luís Costa, a quem se deve o paralelismo. “É diferente quando se diz a alguém que há uma pedra enorme que se está a deslocar em direção à Terra e, uma vez que está no espaço, nada a vai mover, a não ser que alguém a faça mover. As pessoas vão começar a trabalhar sobre essa verdade”.

E é “exatamente isso que o Cooler World — uma iniciativa da Get2C — quer dizer: atenção, nós não temos tempo a perder: temos de ser neutros em carbono na segunda metade do século para não aumentar [a temperatura global] acima dos 2ºC”, limite a partir do qual, em termos científicos, “começa a haver fenómenos irreversíveis na natureza que vão afetar drasticamente o nosso estilo de vida”.

A conversa com Luís Costa, engenheiro eletrotécnico, teve lugar um dia depois da ONU alertar que os países estão cada vez mais longe do objetivo de travar o aquecimento global. Segundo a organização, para conter a subida da temperatura global até aos 2ºC as nações terão de triplicar, até 2030, as promessas firmadas no Acordo de Paris, celebrado em 2015, durante a cimeira do clima (COP21). Já para limitar o aquecimento a 1,5ºC — uma ambição manifestada também nesse acordo e considerando que é um cenário que já implica consequências ambientais —, os países teriam que quintuplicar os esforços.

Não é um meteorito, é facto. Mas os dados indicam o mundo tem de acelerar o passo e mover-se três a cinco vezes mais rápido se não quiser lidar com as consequências que um aumento global da temperatura pode ter — alterações drásticas no clima, refugiados climáticos e impactos económicos a vários níveis, entre outras.

E, salienta Luís, “há sempre três motores em tudo o que tem a ver com mudança: governos, empresas e público em geral”. A iniciativa Cooler World foi a forma que a Get2C [cujo nome faz referência à ambição de limitar o aumento da temperatura aos 2ºC] encontrou para chegar às pessoas.

“Nós trabalhamos com governos e com empresas para, de uma forma indireta, atingir este objetivo [de limitar o aumento da temperatura] a 2ºC. Ou seja, trabalhamos nas suas estratégias de política climática ou nas estratégias corporativas ligadas à sustentabilidade, mas achámos que havia um objetivo que ia para lá das empresas, que é o de chegar ao público em geral e aumentar a perceção da problemática ambiental. Então, foi aí que apareceu o conceito Cooler World”, conta Luís.

E foi no âmbito desta iniciativa que certo dia, durante um almoço, segundo Luís, surgiu a ideia de atravessar a Europa de carro elétrico e ir ‘ligado à corrente’ até à Polónia, mais especificamente até Katowice, que recebe a cimeira do clima deste ano, a COP24. Uma vez lá, a Get2C, integrada na comitiva portuguesa, apresentará internacionalmente os resultados preliminares do Roteiro para a Neutralidade Carbónica, projeto que está a liderar para o Estado português. Batizaram esta viagem, que o SAPO24 vai acompanhar, de “COP by Electric Car”.

A viagem, de mais de 3200 quilómetros e que tem o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, tem vários pontos de paragem — afinal, é preciso, literalmente, recarregar baterias —, entre os quais três Capitais Verdes Europeias, nomeadamente Vitoria-Gasteiz, em Espanha (2012), Essen, na Alemanha (2017) e Nijmegen, na Holanda (2018). De referir que Lisboa foi distinguida como Capital Europeia Verde de 2020. Além do título, Lisboa recebe um incentivo financeiro de 350 mil euros da Comissão Europeia para avançar com o seu ano de capital verde.

“Será interessante levar o nome da nossa cidade por essa Europa fora e perceber qual foi o impacto para estas cidades serem capital verde europeia”, diz Luís Costa.

Mas há mais: “espero que esta viagem viagem traga luz ao tema das alterações climáticas, por um lado, mas também que aborde dois assuntos fundamentais para a questão da sustentabilidade: a mobilidade e o estilo de vida”, explica Luís.

“Fazer esta viagem é quase fazer um curso de matemática aplicada”

“Nós sabemos, já com algum grau de certeza, que os veículos elétricos nas cidades começam a ser uma alternativa viável, principalmente para quem tem carregadores em casa e não depende de um carregador externo para o seu veículo, mas queremos perceber como é que ainda hoje se compara um veículo elétrico com um veículo com motor de explosão, movido a combustível fóssil, em viagens de longo curso”, explica Luís, dando conta de alguns dos desafios que tem pela frente.

“Se tivesse que fazer esta viagem até à Polónia num veículo movido a combustível, poderia pensar mais ou menos onde parar, saber que hotéis existem, mas não estaria a pensar se há bombas de gasolina ou não, se vou pela autoestrada A ou B. Os meus preparativos eram infinitamente menores. Fazer esta viagem [num carro elétrico] é quase fazer um curso de matemática aplicada”, diz o engenheiro, e exemplifica.

“À primeira vista existem carregadores por todo o caminho, mas depois temos de começar perceber que tipo de carregadores são, porque há carregadores normais, rápidos e muito rápidos — só que, infelizmente, destes últimos há muito poucos. Depois há uma segunda dimensão, que é saber se esses carregadores estão ativos ou não. Por exemplo, a rede em Portugal é bastante grande [cerca de 1.245 carregadores], mas há muitos que não estão ativos — foram instalados na altura em que José Sócrates era primeiro-ministro e foram-se degradando, porque não havia muitos carros elétricos na altura, ou foram vandalizados. Depois, é preciso perceber qual o sistema de carregamento de determinado ponto. Em Portugal, a grande maioria da rede pública está associada à Mobi.e, então basta ter um cartão da Mobi.e para poder carregar. Mas não se passa o mesmo em Espanha e noutros países da Europa. Por fim, temos de perceber que se existir só um carregador em determinado sítio, a probabilidade desse carregador estar a ser ocupado quando chegarmos lá é bastante alta. Ou seja há muitos 'se' em que temos que pensar. E o grande problema é que as alternativas são poucas. Se o 'se' for negativo há pouco que possamos fazer que não seja esperar. E isso, a nível da logística da viagem, vai ser complicado de gerir. Por exemplo: uma das coisas que pensámos fazer foi marcar já os hotéis, mas os hotéis têm de ser marcados no dia porque há risco de atrasos — e se nos atrasamos não é como na bomba de gasolina em que temos um carro à frente e demoramos mais 10 minutos, aqui podemos atrasar-nos por 3 ou 4 ou 5 horas, e isso pode ter um impacto até na cidade onde vamos pernoitar. Nós temos um plano plausível, mas não quer dizer que seja o plano que realmente vai acontecer”, diz.

E a ideia é mesmo “demonstrar que existem estes problemas e que há uma grande diferença entre a mobilidade elétrica de cidade e a mobilidade elétrica de longo curso. É preciso alertar para estes problemas de forma a que se consigam encontrar soluções. Estes testes de estrada servem exatamente para isso. E uma vez que estamos muito ligados à parte de elaboração de estratégias e políticas governamentais, esta experiência traz-nos também muitos dados para trabalhar. Há poucas dúvidas que a mobilidade elétrica vai ser claramente um dos instrumentos da solução para neutralidade carbónica [balanço nulo entre as emissões e as remoções de gases com efeitos de estufa na atmosfera] do futuro. Agora, não pode ser como existe hoje. Por isso temos de perceber claramente quais são os os pontos mais críticos na mobilidade, tanto de cidade como de longo curso”.

Mas “os carros elétricos não vão resolver tudo. Tem de haver outras soluções, como a partilha de viaturas, a utilização de transportes públicos e de veículos não motorizados”, diz Luís, remetendo-nos desta forma para a segunda dimensão deste projeto: mudanças de comportamento que podem contribuir para um estilo de vida mais sustentável.

“Nós temos de aprender a estar confortáveis num mundo diferente”

“A segunda dimensão deste projeto é de lifestyle. E por lifestyle entende-se tudo o que, enquanto indivíduos, podemos fazer para ajudar a atingir esta neutralidade carbónica”, resume Luís, partindo de imediato para o exemplo: “muitos dos utensílios e comodidades que temos não existem em países em desenvolvimento. Essas comodidades trazem-nos alguma poupança de tempo e algum conforto, mas a verdade — e é isso que pretendemos também mostrar — é que existem alternativas muito mais sustentáveis e com uma pegada ambiental muito inferior”.

Mas mais do que fazer escolhas, Luís diz que mudança começa com o saber dizer “não”.

“As pessoas pensam muito na reciclarem como a solução para tudo o que tem a ver com sustentabilidade. A reciclagem, na verdade, devia ser a nossa última opção. A primeira opção é recusar, é dizer não. Quando nos entregam um guardanapo de papel, aquele guardanapo, depois de usado, pode ser reciclado, mas o verdadeiro impacto está em dizer ‘eu não quero esse guardanapo de papel, por favor traga-me um guardanapo de pano’. Essa recusa tem um impacto no nosso conforto, porque tudo o que é recusa cria conflito e traz-nos algum desconforto, mas isso é o que realmente tem impacto no estilo de vida”.

“Depois, a segunda dimensão tem a ver com a reutilização. Por exemplo, estamos a falar de mobilidade elétrica, mas quando o ciclo de vida das baterias acabar, o que é que vamos fazer? É preciso pensar nisso. Aqui não podemos recusar porque precisamos das baterias para os carros, mas existe algo antes da reciclagem que é a reutilização e devemos começar já a pensar em projetos para reutilizar estas baterias. E só no fim é que vem a questão da reciclagem. No mundo perfeito e sustentável não existe reciclagem”.

“A parte da reciclagem é importante e faz parte do processo. Mas os outros dois vetores são muitíssimo mais importantes. E, num cenário de neutralidade carbónica, a reciclagem tem de ter uma dimensão muito baixa. Nós viemos de um mundo em que não tínhamos limitações, e tinha de se começar pelo mais fácil, então externalizamos o problema, dissemos assim ‘olhem, não se preocupem, utilizem e passem o problema para mim [para uma empresa que trate de resíduos] e eu trato do teu problema. Começou-se por aí, e começou-se bem, mas devia ter-se tido uma estratégia paralela”.

Luís formou-se em engenharia eletrotécnica, geriu um fundo de carbono e em 2011 fundou a Get2C com colegas com quem se cruzou no seu percurso profissional. À medida que se foi aproximando dos temas relacionados com ambiente e sustentabilidade introduziu algumas mudanças na forma como vive o seu dia-a-dia. No entanto, assume que ainda tem caminho a percorrer.

“Sinto que ainda não tenho todo o estilo de vida que preconizo como solução para a questão da neutralidade carbónica. Tem muito a ver com esse sentido de que ainda temos algum tempo, o que, se calhar, não é assim tão real. Espero que esta viagem também me ajude a auto convencer-me de que é possível viver de uma forma diferente do que a grande maioria de nós vive”.

Missão Katowice

Portugal, Espanha, França, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Polónia. Sete países, mais de 3200 quilómetros, uma viagem para acompanhar no especial do SAPO24 Missão Katowice.

Aqui vai encontrar um mapa-diário, onde poderá ver o que acontece ao longo do percurso e em cada um dos pontos de paragem. O mapa será atualizado com conteúdos (vídeos, textos, fotografias) à medida que se avançar na viagem. Sem contar com imprevistos, são sete dias de Lisboa a Katowice, cidade que acolhe a cimeira do clima (COP24).

No mesmo dossier especial irá encontrar sete "BI’s elétricos" dos países pelos quais esta aventura irá passar.

E se não quer perder o essencial da cimeira do clima, vai encontrar também neste especial toda a cobertura jornalística sobre a COP24.

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